Lava Jato e a lógica do financiamento privado do sistema político, por Marcello MES

 
Por Marcello MES
 
Comentário ao post “O xadrez da Lava Jato e a incógnita Janot

Vamos partir do pressuposto (lembre-se, é um cenário hipotético) que o Dr. Sergio Moro e a divisão do MP e PF estejam de fato preocupados em limpar o Brasil de um modus operandi secular intrínseco a praticamente todas as democracias ocidentais, o financiamento privado de campanhas.

Mas antes, precisamos concordar que a maioria das democracias ocidentais possuem os mesmos problemas:

1-   Grande influência do dinheiro privado em campanhas eleitorais cada vez mais caras. Que por sua vez, dá peso diferente para cidadãos teoricamente iguais. Ou seja, os interesses de quem dá mais dinheiro, tem prioridade. Como o mercado bem sabe, não existe almoço grátis.

2- Isso leva a distorções graves em qualquer democracia. De fato, vivemos (não só nós)  em uma Plutocracia, ou a ditadura do dinheiro. Não existe contra argumentação para essa fato. Não há casos em que grupos de interesses bilionários doam dinheiro em troca de nada. Em nenhum lugar do mundo isso acontece. Como podemos ver através da candidatura de Bernie Sanders, é um problema global.

3- A justificativa para doações privadas de campanha é que empresas e grupos privados podem avaliar que tal candidatura será mais favorável a seus interesses, através de politica econômica ou plano de governo, e por isso seria válido investirem em quem lhes dará melhor retorno. De qualquer forma, a justificativa não procede, pois os interesses de conglomerados e bilionários não são os mesmos do cidadão. De fato, são muitas vezes conflitantes. Democracia é 1 pessoa = 1 voto. Se esse conceito for convertido em dinheiro, não é mais democracia.

4- A verdade é que os mesmo grupos investem em várias candidaturas. O único motivo para isso acontecer é a obtenção de facilidades e terem seus interesses contemplados.

5- No entanto, essa é a prática corrente e aceita no mundo, e assim sendo é encarada como normal em democracias consolidadas e seculares, como nos EUA. Lá, os candidatos competem por doações de maneira aberta, o lobby é regulamentado, foram criados os Super PACs (Grupos de interesses que recebem doações de diversos setores e repassam para os candidatos, para não passarem diretamente). Cada candidato busca os grupos de interesses que darão suporte a seus planos de governo, e os próprios candidatos propõem medidas e elaboram planos que beneficiarão certo setores, tentando unir o necessário com quem pode contribuir para sua campanha. Goste ou não, é o que temos de melhor no mundo hoje.

6- Na lógica do financiamento privado do sistema político, tal prática é normal e lógica. Se uma campanha vencedora custa 500 milhões de reais, quem quer ganhar terá que ir atrás de quem pode bancar. Tentando contemplar o maior número de interesses possíveis (ou não, vide o mercado financeiro).

7-  Apesar de não ser regulamentado, no Brasil a lógica é a MESMA. O problema é que possuímos uma população totalmente alheia ao processo, e quem deveria esclarecer, não o faz, tratando o assunto de maneira hipócrita. Todo candidato competitivo tem que agregar diversos interesses para se viabilizar. O velho PT tentou ganhar na base de doações individuais. Quando viu que não ia acontecer, surgiu a Carta aos Brasileiros. Esse foi o ticket do PT para entrar  na realpolitik. Se por um lado rompeu com o idealismo utópico, de base e contra o sistema, por outro se habilitou a participar efetivamente do processo politico e abriu portas para realizar algumas transformações de impacto na sociedade. Certo ou errado, cabe a seus integrantes e ao eleitorado decidir.

8-  No Brasil temos dois grupos de interesses que não são conflitantes entre si, e até interagem, pois o dinheiro graúdo não possui bandeira e nem ideologia. No entanto, formaram-se dois grupos que capitaneiam o país: 1- O Mercado Financeiro + Petroleira estrangeiras (PSDB) e 2- Construtoras e seus negócios (Óleo e gás, Construção, Defesa, Naval, etc…). Obviamente o mercado financeiro também contribui para o PT e as construtoras para o PSDB.  Mas podemos dividir assim por afinidades e proximidade.

Tendo tudo isso em mente, e partindo do pressuposto das boas intenções da força tarefa da Lava Jato, o que acontece quando os investigadores se deparam com provas e conexões que comprovam tal funcionamento do sistema politico? Eles e todos os envolvidos obviamente possuem provas, muitas delas já públicas, que esse é o modus operandi de TODOS e que SEMPRE foi assim. Como sustentar que esse esquema (que não é esquema, é o normal, queira ou não) foi uma confabulação do Lula e do Dirceu para “saquear o país e se perpetuar no poder” se é assim que funciona para a oposição, e para o mundo todo? O que acontece quando delatores e as provas demonstram que o PT chegou a herdar os esquemas do governo anterior, como o Marcos Valério, e somente deu continuidade?

A força tarefa e as idéias de Moro, através de suas dissertações acadêmicas, respondem essa questão. Sua estratégia é mirar em apenas um dos atores para reduzir o atrito de suas ações e usar a mídia, que é inimiga politica do governo. Alguns podem falar, “melhor pegar um do que ninguém”. Mas imagine as distorções decorrentes de tal pensamento: “Quero começar a combater a corrupção, mas como os interesses são muito fortes, vou começar pelo mais fraco, ou o que gera menos atrito”. O que acontece então com os interesses que geram mais atrito, ou seja, os mais fortes? A lógica é simples: Vai abrir terreno para sua atuação solitária.

Conhecendo por dentro como funciona o sistema, o que explica a simpatia de muitos membros da força tarefa pelo candidato da oposição? Cegos não são. E porque atacar unicamente o grupo econômico de sustentação do governo? Novamente, a lógica é simples: Essa operação foi desencadeada como um ataque direto à fonte de recursos de seu oponente politico.

É necessário separar bem o que é superfaturado e desvio (corrupção), e o que é relação com grupos econômicos que sustentam projetos políticos (questionável, mas legal e prática comum na democracia ocidental). Se o propósito da Lava Jato for realmente combater a corrupção, a única solução possível é pegar todo mundo ou construir um pacto com a oposição para construir novas regras a partir de agora, mesmo que para isso Lula desista de sua candidatura em 2018. Se a segunda opção não for viável politicamente (para isso precisamos de homens e política de estatura, o que não temos hoje), acredito que a única estratégia do governo, da base aliada, e seus grupos é EXIGIR e TRABALHAR PARA incluir todos os podres da oposição, diuturnamente, através dos meios legais corretos, mobilizando todas as influências possíveis no judiciário (o que foi feito pela oposição na Lava Jato), e adotar retórica pró-ativa no combate a corrupção, elucidando como funciona, e sua proposta do que deveria ser, levando a cabo o “doa a quem doer” da Dilma. A única maneira de virar esse jogo é jogar luz sobre a hipocrisia e desmascarar o confabulador da desordem, duas vezes citado por delatores, e com farta prova de sua atuação. Quando entrar no baile, o que eles vão fazer? A lógica é simples.

Redação

5 Comentários

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  1. Só um adendo. Aécio foi

    Só um adendo. Aécio foi citado quatro vezes na Lava Jato e não duas, mas não vem ao caso. O juiz Moro não tem nenhuma isenção, é um juiz parcial. Se fosse mesmo para passar o Brasil a limpo, teria que começar pelo judiciário, poder mais corrupto do que o poder político. O salário de Moro é um deboche, um acinte. Mas ele não tem nenhuma dor de consciência por causa disso, aliás questiono se ele tem consciência fazendo o que faz, usando dos poderes do cargo para privar pessoas da liberdade, o bem mais caro que o ser humano possui depois da vida, para alguns esta se confunde com aquela e vice e versa. Moro faz parte de uma casta que é o retrato mais perverso da desigualdade social que campeia no Brasil. Só aplaude Moro aqueles que não conseguem pensar por si, insuflados por um ódio que não se justifica e que está baseado em mentiras. Num juizo imparcial, nenhuma das medidas de Moro passaria.

    1. Só outro adendo.

      Se você sabe quantas vezes Aécio foi citado na Lava Jato, agradeça à transparência ao processo assegurada pelo juiz Sergio Moro, pois ele tinha prerrogativa para ocultar todas as citações. E essa é sua única prerrogativa em relação a um congressista. Aécio, como qualquer outro senador ou deputado federal, tem FORO PRIVILEGIADO e não pode ser sequer investigado por Moro. TODO material colhido na investigação que se refira a ele deve ser remetido EM SIGILO ao Procurador Geral da República Rodrigo Janot, que, de posse das provas, decide se PEDE AUTORIZAÇÃO AO STF para investigá-lo ou não. Moro não dá um pio sobre esses procedimentos. Sua responsabilidade por denunciar ou não Aécio é a mesma que para Delcídio: ZERO. Quem decidiu processar um e não o outro foi o PGR, após devida autorização do STF.

      Agora que você sabe como funciona o processo, pode continuar a destilar teu fel em relação ao juiz, mas pelo menos com a ciência de que ele não ajudou em nenhum momento o político tucano, até porque não tem poder nenhum para fazê-lo.

  2. PODER

    Está claro que o poder legislativo (congresso, senado, camaras estaduais e municipais) e o poder judiciário defendem em sua grande maioria os endinheirados e seus projetos de poder, mantendo o povo submisso.

  3. “Se a gente não controlar o

    “Se a gente não controlar o dinheiro que corre na política e o nível que os mais ricos controlam a classe política neste país, ninguém vai fazer as mudanças que a classe média e as famílias trabalhadoras precisam.” Ví um vídeo em que Bernie Sanders, em debate com Hillary Clinton, diz isso. Aí me lembrei como a direita, liderada pelo psdb com seu aliado cunha e por certo ministro do stf, lutam com unhas e dentes contra a proibição das doações empresariais para candidatos. Em relação à lava jato, tá muito difícil qualquer pessoa que acompanhe o desenrolar dos fatos acreditar que exista o mínimo interesse em combater a corrupção como motivação da operação.

  4. O financiamento empresarial é a morte da democracia

    “Cada candidato busca os grupos de interesses que darão suporte a seus planos de governo, e os próprios candidatos propõem medidas e elaboram planos que beneficiarão certo setores, tentando unir o necessário com quem pode contribuir para sua campanha. Goste ou não, é o que temos de melhor no mundo hoje.”

    Posso estar enganado, mas a sensação que tenho é a inversa: cada grupo de interesses busca os candidatos que darão suporte a seus interesses (haja vista as várias bancadas que “trabalham” na câmara e no senado, defendendo os interesses inconfessáveis de seus respectivos doadores). E, definitivamente, não é o que temos de melhor. Esse modelo – doações empresariais – é o que temos de pior. Essa prática é indubitavelmente nefasta para a democracia, pois distorce completamente a noção básica de uma pessoa, um voto. Tanto isso é ruim que, em muitos países, as doações empresariais vêm sendo cada vez mais questionadas. Mais uma vez, posso estar enganado, mas o Bernie Sanders parece ser o primeiro candidato à PR nos EUA a comprar abertamente essa briga.

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