O Valor de ontem usou pela enésima vez o truque de Friedman, que o aplicou centenas de vezes, com a ajuda da sua fala mansa e da mais mansa fala de Rose, sua orientanda e depois esposa. Ambos se especializaram na lógica da perversidade.
Em que consiste a lógica da perversidade?
Você quer reduzir a pobreza e fixa um salário mínimo suficiente para que as famílias dos assalariados possam chegar ao fim do mês. Os Friedman olham com piedade e dizem, condescendentes: “Eu também quero, mas não é assim que se faz.”
“Essa sua medida, bondosa, piedosa, caridosa, é típica de gente que não entende os mercados. Tss, tss, tss. Isso só vai gerar desemprego. Veja bem…” – e pronto, lá vem uma lição de salários mais elevados quando daqui a 7 gerações os mercados funcionarem perfeitamente.
A lógica da perversidade funciona para todos os casos que não satisfaçam os desejos do mercado e dos seus defensores. Licença-maternidade? “Vai desempregar as mulheres”. Controles ambientais? “Vai provocar a fuga de empresas”.
A lógica da perversidade é, no fundo, a desqualificação de qualquer ação humana que possa contrariar a vontade do Bezerro de Ouro, o deus dinheiro. Você pode contar quantas vezes essa lógica é usada, sem nenhuma cerimônia ou respeito pelos fatos ou pela história.
É o truque preferido dos economistas ortodoxos. Eles alimentam os seus porta-vozes, muitas vezes jornalistas turbinados por emissoras, jornais e revistas aliados e alinhados. Todos os dias o cerco “mediático” do pensamento único ostenta algum exemplo de lógica da perversidade.
A lógica da perversidade já foi naturalizada. Em alguns casos, foi mesmo absorvida e assimilada nos recursos cognitivos e na análise daqueles que deveriam confrontá-la e combatê-la – em defesa da sociedade, do ambiente, de todos os que não adoram o bezerro.
Em 2021, um dos premiados pelo prêmio (dito) Nobel de Economia foi reconhecido por desmontar com dados reais de dois estados dos EUA a lógica da perversidade aplicada ao salário mínimo. É claro que os adoradores do bezerro não gostaram nada.
O Valor deu grande espaço para a lógica da perversidade e aplicou-a àquilo que os adoradores do bezerro consideram uma ameaça terrível aos seus interesses: a volta do BNDES ao seu papel de promotor do desenvolvimento, com financiamentos que eles consideram subsidiados.
Por que digo “consideram”? Porque para os gestores do dinheiro, qualquer taxa de juros inferior à escandalosa SELIC é subsídio, mesmo que ela seja ainda elevada em termos comparativos internacionais. O “mercado” não quer apenas uma taxa elevada, quer o monopólio da taxa.
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O argumento é risível, patético, mas apresentado na lógica da perversidade torna-se uma arma com poder de amedrontar a vítima: a opinião pública. “Ao dar crédito mais barato, o BNDES vai obrigar o Banco Central a elevar ainda mais a taxa de juros. Viu? O Bem vira Mal”.
Patético? Sim, mas funciona. O nome do jogo é amarrar as mãos das políticas públicas, emasculá-las, levá-las à impotência. exceto, claro, para servir ao bezerro voraz. E por que é patético? Porque uma criança cuja cabeça ainda não foi deformada pode entender que não é assim.
O BNDES não aumenta apenas o dinheiro em circulação promovendo investimentos. Se os seus financiamentos são de bons projetos, eles aumentam a capacidade produtiva. Se aumenta a capacidade produtiva esses projetos aumentam a oferta.
Os investimentos incorporam novas tecnologias, melhores equipamentos, novas ideias. Por isso a produção resultante tem custos inferiores aos das empresas estabelecidas. Os investimentos do BNDES são anti-inflacionários.
Os investimentos do BNDES incorporam também outros elementos, que nem sempre os privados consideram importantes: externalidades. Por que a gritaria, então? Alguém acredita que ela serve a defender os interesses da sociedade?
Tal como a arma da selic elevada é manipulada, na lógica da perversidade, para “defender os pobres vítimas da inflação”, também aqui o argumento contra o BNDES serve aos interesses financeiros e é vendido como se fosse interesse geral.
O modelo que os financistas utilizam finge que o financiamento do BNDES é dinheirama jogada fora, para pessoas que saem por aí gastando, aumentando a demanda e pressionando com isso os mercados de produtos e serviços e por consequência os preços.
Em que mundo vivem essas pessoas? Onde é que está faltando capacidade de oferta e de produção? Mesmo que a pandemia e a guerra tenham criado dificuldades em alguns pontos do sistema produtivo, eles não são numerosos o suficiente para criarem terríveis pressões de demanda.
Os projetos financiados pelo BNDES, e viabilizados por taxas mais razoáveis, aumentam a oferta, reduzindo as restrições. Por tudo isso, não compre gato por lebre, ou não compre lógica perversa como se fosse boa teoria. Não é. E não tem aderência à realidade.
*João Furtado é economista e professor.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem um ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].
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João, o que voe chama de lógica da perversidade é na verdade uma componente do que Albert Hirschman (1915-2012) denominou Retórica da Intransigência – Perversidade, Futilidade e Ameaça. Ele estudou a retórica reacionária durante 200 anos e concluiu que ela sempre faz uso desses três argumentos: i) perversidade – a mudança terá resultados exatamente contrários aos objetivos pretendidos e usa o adágio popular de “o inferno está cheio de gente bem intencionada” para reforçar o argumento; ii) antes de apelar para a retórica perversa, o conservador costuma recorrer a futilidade no sentido de desqualificar a mudança pretendida por ela não passar de maquiagem e usa outro adágio “é preciso mudar tudo para que nada se altere”; iii) finalmente quando o reacionário se vê ameaçado de morte ele apela para a retórica da ameaça, profetizando que da mudança virá o caos ameaçando tudo que existe ou que se tenha alcançado até então no processo civilizatório da humanidade.
João, o que voe chama de lógica da perversidade é na verdade uma componente do que Albert Hirschman (1915-2012) denominou Retórica da Intransigência – Perversidade, Futilidade e Ameaça. Ele estudou a retórica reacionária durante 200 anos e concluiu que ela sempre faz uso desses três argumentos: i) perversidade – a mudança terá resultados exatamente contrários aos objetivos pretendidos e usa o adágio popular de “o inferno está cheio de gente bem intencionada” para reforçar o argumento; ii) antes de apelar para a retórica perversa, o conservador costuma recorrer a futilidade no sentido de desqualificar a mudança pretendida por ela não passar de maquiagem e usa outro adágio “é preciso mudar tudo para que nada se altere”; iii) finalmente quando o reacionário se vê ameaçado de morte ele apela para a retórica da ameaça, profetizando que da mudança virá o caos ameaçando tudo que existe ou que se tenha alcançado até então no processo civilizatório da humanidade.
A perversidade só existe do ponto de vista de quem a sofre. Do ponto de vista de quem a pratica, é a personificação da bondade, da generosidade, e da caridade. Os economistas de mercado (e seus áulicos menos dotados de inteligência e perspicácia (perdão, Nassif), os jornalistas de economia dos jornalões) acham o regime capitalista o suprassumo da perfeição, a generosidade e o altruísmo sistematizados e aplicados para a felicidade e o bem estar da humanidade. Na visão deles, capitalismo e democracia foram apenas separados na maternidade, mas com o advento das revoluções francesa e americana, se reencontraram para tornar feliz e próspera a humanidade. Eu chego a chorar de emoção. A democracia, essa então! É o totalitarismo da liberdade, a apoteose da igualdade e da solidariedade! E o capitalismo é a lei complementar que põe tudo isso em movimento. E ainda tem gente que reclama. Arre!!
Mais perverso é o controle da oferta dos segmentos cartelizados, com objetivo de aumento do lucro.
AS CARPIDEIRAS A SERVIÇO DO DEUS MERCADO, CHORAM PELO SOFRIMENTO DA POPULAÇÃO CARENTE,FALAM DE SOLIDARIEDADE DE JUSTIÇA SOCIAL ETC. E AÍ LANÇAM UM MAS, PORÉM, TODAVIA, CONTUDO ETC. PARA RESOLVER AS NECESSIDADES MÍNIMAS, O GOVERNO PRECISA DE DINHEIRO, E COMO NÃO HÁ RECURSOS PARA TAL, PRECISAM FURAR O TETO DE GASTO, QUE POR SUA VEZ GERA IRRESPONSABILIDADE FISCAL O QUE ATRAIRÁ A FÚRIA DO DEUS MERCADO, QUE APONTARÁ SEU TRIDENTE DE MALDADES: AUMENTO DE JUROS, CAMBIO NAS ALTURAS E FUGA DE CAPITAIS. E CONCLUEM EM TOM DE PENA: É MELHOR NÃO MEXER COM A FÚRIA DO DEUS MERCADO, POIS VAI SER MUITO PIOR PARA OS POBRES QUE JÁ ESTÃO MORRENDO DE FOME. ASSIM SERÁ MELHOR QUE OS POBRES MORRAM DE FOME PARA NÃO MORREREM DE FOME. HAJA CONTRADIÇÃO!