O PMDB no poder: temos o que Temer?, por Leonardo Avritzer

O PMDB no poder: temos o que Temer?

por Leonardo Avritzer

O PMDB rompeu, na semana passada, uma coalizão de 13 anos com o P.T. sem pronunciar uma única frase programática ou ideológica sobre o assunto ou explicar para a opinião pública, o que mudou para ele sair da coalizão depois de tantos anos. Vale a pena tentarmos fazer tal balanço para entender se a possível chegada do PMDB ao poder irá representar uma mudança de curso ou se significará o aprofundamento dos piores elementos que se expressaram na sua prática política na última década. Iniciaremos por uma recapitulação da relação entre o P.T. e o PMDB na última década antes de fazer tal avaliação.

O primeiro elemento importante na relação entre PMDB e P.T. liga-se ao fato de que Lula optou por não fazer um pacto como o PMDB assim que chegou a poder em 2003. Na verdade, ele optou entre 2003 e 2005 em manter um certo controle da estrutura ministerial nas mãos do P.T. e cooptar pontualmente o Congresso em votações decisivas. Foi assim que ele conseguiu manter o controle de ministérios importantes como o do Desenvolvimento Social, da Educação e da Saúde onde foram elaboradas as principais políticas do seu governo. Sabemos que o preço desta estratégia foi altíssimo no momento em que explodiu o escândalo conhecido como “mensalão”.

A aliança entre o P.T. e o PMDB é resultado direto da crise do mensalão. A ideia passou a ser institucionalizar uma base permanente de apoio ao governo no Congresso pela via do PMDB. Ainda que o PMDB não tenha tido a vice-presidência no governo Lula, ele obteve a concordância do P.T. para presidir as duas casas do Congresso com todas as consequências que assistimos de desgaste do próprio governo pelos inúmeros casos de corrupção que emergiram envolvendo as lideranças peemedebistas no Senado.  Ainda que a adesão do P.T. ao peemedebismo ou a uma ampla coalizão de governo tenha sido, na melhor das hipóteses, parcial, as consequências não o foram. Seja por que o P.T. na sua origem tem fortes relações com movimentos sociais, seja porque na formação da sua identidade política ele participou de uma forte crítica contra a corrupção, a sua adesão a uma ampla coalizão com poucos elementos ideológicos teve importantes consequências políticas que assistimos até hoje.

É possível fazer um balanço no ajuste de estratégia do governo Lula em relação ao PMDB apontando para a disjunção entre capacidade decisória e legitimidade política. A reação do governo Lula e do P.T. à crise do mensalão foi a adaptação ao presidencialismo de coalizão. Esta adaptação foi pensada em um sentido bastante claro, a saber, a melhora do apoio as propostas do governo no Congresso Nacional através da escolha de um aliado principal, o PMDB. A este aliado o governo Lula realizou diversas concessões: ele cedeu ao PMDB mais ministérios e ministérios mais importantes, entre eles saúde (a partir de 2005), agricultura e integração nacional a partir de 2007. Em segundo lugar, ele apoiou de forma mais decisiva a atuação do PMDB no Congresso. Com ambas as atitudes o governo Lula conseguiu melhorar a sua capacidade de aprovar legislações no Congresso. Nada disso se repetiria no governo Dilma Rousseff.

Dilma Rousseff formou o seu ministério dando ao PMDB mais poder do que este jamais teve desde 1994.Além da vice-presidência, o PMDB passou de 5 para seis ministérios, alguns com muita influência regional, tais como, o da Integração Nacional, o da previdência e da Agricultura. Assim, o padrão de inserção do PMDB no governo parecia se manter. No entanto, as denúncias de corrupção em diversos ministérios, ao longo do ano de 2011 abalaram a coalizão governista. Os ministros demitidos ao longo do ano pertenciam, em alguns destes casos ao PMDB, casos de Wagner Rossi e Pedro Novais. Assim, aparece logo no início do governo Dilma, o primeiro problema relacionado à governabilidade, a partir da relação com o PMDB. Com isso, acentua-se no início do governo Dilma a disjunção entre governabilidade enquanto capacidade de decisão e governabilidade enquanto estabilidade e legitimidade política. À medida em que a presidente foi demitindo ministros no seu primeiro ano de governo, ela também foi fragilizando a sua base no Congresso, já que quase todos tinham fortes vínculos Congressuais.

O segundo problema enfrentado por Dilma foi a inflexão conservadora do PMDB no Congresso. A base política do PMDB bateu de frente com o governo em algumas situações importantes. A primeira delas se deu na votação do Código Florestal e a segunda na votação da medida provisória dos portos. Nos dois casos, foram organizados no Congresso Nacional enormes lobbies de manutenção do status quo cujo enfrentamento mostrou-se muito difícil para o governo. No primeiro caso, com pouco apoio da mídia e de setores da oposição, o projeto de Código Florestal sofreu diversas derrotas no Congresso em questões fundamentais, tais como, a recuperação da vegetação em áreas próximas de mananciais. No segundo caso, ainda que com apoio de fortes setores empresariais e da imprensa ainda assim foi muito difícil para o governo aprovar a medida provisória dos portos. Ali, diferentemente do caso do Código Florestal apareceu claramente uma liderança do PMDB, Eduardo Cunha, contra os interesses do governo colocando em questão tanto a capacidade do governo de aprovar legislação no Congresso, como de ter um partido da base que ajuda na produção da governabilidade.

Junho de 2013 botou fim ao casamento entre o P.T. e o PMDB porque surgiu na conjuntura uma classe média fortemente radicalizada que, em um primeiro momento, exigiu apenas a reforma do sistema político e colocou o governo Dilma Rousseff sob pressão. O governo Dilma e o P.T. tentaram, ainda que timidamente, uma reforma política arquivada pelo controle completo que o PMDB já exercia sobre a agenda da Câmara do Deputados. A partir daí, a continuidade da aliança com o PMDB só onerou o P.T. e o governo. Em primeiro lugar, a classe média das grandes capitais do Sudeste passou a responsabilizar o P.T. e o governo por todas as mazelas do sistema político. Em segundo lugar, o PMDB cuja aliança desgasta enormemente o governo, não foi capaz de produzir níveis mínimos de estabilidade política. A reeleição de Dilma Rousseff e Michel Temer em nada alterou este cenário.

O ano de 2015 foi de deterioração de uma relação já esgarçada. Dois políticos do PMDB jogaram papel decisivo neste processo: Eduardo Cunha e Michel Temer. Eduardo Cunha dispensa muita análise: Cunha é não apenas um profissional da corrupção como mostram muito bem os dados do MP seu respeito, mas ele o faz de forma diferente. Usando ativamente de instrumentos do parlamento, tais como requerimentos e apelando abertamente para a chantagem de empresas. Informações recorrentes vindas de dentro da Câmara afirmam que Cunha participou no financiamento de campanha de mais de 100 parlamentares de diversos partidos. Cunha não é um peemedebista clássico como Sarney, Renan Calheiros e Michel Temer. Ele passou pelo PRN e pelo PPB antes de chegar ao PMDB. Mas, o mais importante é que ele organiza e coordena um bloco parlamentar suprapartidário e integralmente dedicado à negociações entre o público e as empresas privadas no interior do parlamento.  As relações entre Cunha e Temer são pouco conhecidas, mas parecem ser significativas. O vice-presidente jamais se pronunciou em público acerca dos escândalos nos quais Cunha está envolvido.

Por fim, vale a pena fazer alguns comentários sobre Michel Temer, o vice-presidente. Temer foi presidente da Câmara dos Deputados e exerce o papel de presidente honorário do PMDB, desde que se elegeu vice-presidente da república. Em um primeiro momento, ele foi parte de dois esforços próprios do presidencialismo de coalizão: a sustentação das propostas de iniciativa do executivo no Congresso e sustentação da enorme máquina peemedebista através de indicações políticas. Este foi o papel de Temer e a impossibilidade de continuar tal papel é o que colocou o PMDB, Temer e o governo em rota de colisão.

A vocação de Temer e do PMDB são esta composição política no varejo, assessória ao ato de governar no presidencialismo de coalizão. Dois problemas são centrais para o fortalecimento de Temer: o primeiro deles, é que a sua característica de operador de alianças políticas pelo PMDB o coloca muito mais no centro dos escândalos de corrupção investigados neste momento, em especial a Lava Jato, do que a Presidente Dilma. Temer já foi mencionado por operadores do PMDB como Fernando Baiano. Assim, ele pode chegar à presidência e imediatamente desestabilizá-la de forma mais grave do que ocorre neste momento. Em segundo lugar, há uma disjunção entre impeachment, presidência e legitimidade que afetará Temer de forma mais aguda do que tem afetado Dilma.

O PMDB certamente irá modificar o seu comportamento na Câmara e a apoiar o seu presidente, o que certamente não quer dizer que facções do PMDB não disputarão cargos em um hipotético governo Temer. Mas, ainda mais grave, Temer terá mais problemas com a opinião pública e com o judiciário que Dilma. Pesquisas como seu nome indicam apoio de um 1% da opinião pública e manifestações contra o seu nome abundaram na semana alcançando o seu clímax com o editorial da Folha de São Paulo de domingo. Assim, o mais provável é que teremos um presidente fraco, suspeito de envolvimento em corrupção, refém do judiciário, que irá herdar o processo contra a chapa no TSE e loteador de cargos no governo. Ou seja, Temer significa uma radicalização dos problemas da governabilidade que temos hoje, pois não é claro que o seu papel de coadjuvante na remoção do P.T. do poder lhe irá dar a trégua que ele precisa para estabilizar a crise. É real a possibilidade que um governo Temer transite da trégua para o precipício em menos de 90 dias.

 

A constituição de um governo conservador sob a hegemonia do PMDB aponta tanto para o declínio do peemedebismo como para uma nova dimensão da crise. Ou um acordo total em torno de Temer propiciará a estabilização do seu governo desde que ele seja fortemente conservador ou estarão renovados os impasses da democracia brasileira que o atual governo enfrenta. Parece pouco provável que estejamos no final deste impasse vivido pela democracia brasileira. Talvez estejamos apenas nos seus primeiros momentos.  

Leonardo Avritzer

7 Comentários

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  1. Essa tal sociedade…

    Há uma tentativa de golpe, mas não temos o GOLPISTA CHEFE!

    Quem é o chefe disto tudo que está acontecendo?

    O Temer falou que seria DESAGRADÁVEL ASSUMIR A PRESIDENCIA DESTA FORMA…

    Então é o Cunha?

    O aécio?

    A oposição?

    QUem é o chefe da oposição?

    Então, quem articula isso?

    O Janot?

    O Moro?

    A sociedade?

    Quem é a sociedade?

    É, parece que o golpista chefe responde pela “sociedade”…

    1. Deve ser o Sunda, irmão do Dunha.

      Aquele que causou constrangimentos ao Cunha. É por isso, por não ter lideranças e nem sustentação política organizada, com uma mínima identidade de princípios e objetivos que esse é um GOLPE, desde o início, consubstanciado apenas no espetáculo midiático do Moro e seus delegados que não sabem nem o que é Medida Provisória. Porque chama MP podem confundir com o partido do Ministério Público. O que inviabiliza o GOLPE são as suas insustentávesi inconsistênccias, entre as quais o Xangô que baixou na Janaina está entre as de menor relevancia. O que estraga o movimento é a “…SOPA….” (no sentido dado pelo Mino Carta) de que se constitui.

    2. Oi Marcos
      Considerandos os

      Oi Marcos

      Considerandos os marionetes.

      Que tal a CIA?!

      Quem é o mandante mor da CIA atualmente?!

      Menos o Obama.

      Saudações

      1. Exato Avelino.
        A

        Exato Avelino.

        A instalibidade brasileira apenas interessa a quem quer nos enfraquecer no mundo, atiçando fogo dentro de nossas fronteiras.

        A eles, tanto faz quem subir ao poder. Pois o que mais os interessa é a nossa instalibidade e durante um período bem maior que esse que já passamos.

        Ninguém enxerga isso, e está tão claro. E pior, os cegos ainda acusam de delírios e teorias de conspiração. O problema é a Caverna. É muito difícil para os incautos sair dela…

         

         

  2. A partir do segundo problema
    Já havia O Plano em ação.

    Ou acreditam mesmo que foi decidida semana passada iniciar um processo que culminaria com a saída do PMDB do Governo e com o Impeachment.

    A dificuldade em aprovar pontos importantes no Congresso e encarar DERROTAS como normais, é erro de criança do PT no Governo.
    Não existe o chamado republicanismo principalmente quando o condutor da derrota é o partido político com mais poder dentro do Governo.
    Quem tava conduzindo? A sim o Mercadante.

    O Haddad precisando de ajuda e esse cara insiste em não querer ajudar. Um problema sério a ser resolvido. Não precisa de UM voto no Congresso?

  3. o temer na  verdade

    o temer na  verdade desembarcou do poder,  com a nova

    coalisão que está sendo formada com outros partidos…..

    abriu um vazio que será ocupado por outros….

    na minha visão, esta nova coalisão tenderá a dar certo porque

    essses partidos que a comporão jamais tiveram ou tèm tanto poder

    como terão nesse novo eventual governo…

     

  4. Não me parece fruto de uma

    Não me parece fruto de uma análise objetiva a conclusão de que “Lula optou por não fazer um pacto com o PMDB assim que chegou ao poder em 2003”, ou ainda a observação de que “o PMDB não tenha tido a vice-presidência no governo Lula”.

    O senhor José de Alencar, que asumiu a vice-presidência ao lado de Lula em 2003, e que manteve o cargo até o seu falecimento, não somente era um quadro importantíssimo do PMDB, senão que uma figura destacada da FIESP e na FIEMG, isto é, uma figura destacada de um importante setor conservador do país com o qual foi criado um pacto.

    Sejamos fieis aos fatos se queremos trabalhar objetivamente na análise: a FIESP compôs a frente política heterogênea que levou Lula à Presidência da República.

    A política do PT foi de conciliação de interesses de classe desde o início; e não somente a nível nacional, o que ficou claro pelo trabalho de Matias Spektor, que elucidou que Lula e FHC negociaram a transição do governo nos EUA.

    Sem moralismos enquanto a estes fatos: mas fatos são fatos, e eles são tais quais são.

    É correto que a Dilma enfrentou a banca em 2012, e que a política do PT nesse sentido foi de tentar dar fôlego à economia real sem questionar os limites impostos pelas reformas constitucionais dos dois fernandos nos anos 90, que judicializaram a política econômica.

    Portanto, se o PT durante todo este tempo teve dificuldades enormes para promover uma política de conciliação, devemos pensar que abre-se agora a oportunidade para uma verdadeira democracia?

    O único que o PT poderá fazer nas atuais condições, vencendo o Golpe, é promover novamente uma política de dinamização da economia por meio do PAC conciliada com uma política fiscal e monetária do gosto do mercado financeiro.

    Algo mais ousado do que isso seria propor um movimento de tintes revolucionários.

    O partido não tem criatividade para coisa melhor, mas sobretudo não possui espaço para perpetrar verdadeiras reformas que coloquem o país no rumo de uma democracia radical, a única que poderá nos levar a uma constituínte orientada por interesses nacionais e populares.

    Portanto não devemos pensar em saídas possíveis desde a Dilma, Lula, ou mesmo do PT, unilateralmente.

    A esquerda deve rever o seu projeto, toda ela, sem ilusões.

    Sem uma esforço em conjunto para atacar os problemas em toda sua complexidade política (que escapa em muito a apenas medidas tecnocráticas e economicistas), não haverá mudança substantcial, e à esquerda continuará a ser associado as dores de um projeto neoliberal que de fato nada tem que ver com ela.

    Devemos pensar nos esforços de constituir uma Frente Ampla, descentralizada, criativa, que inverta o papel reativo que o PT tem levado em frente até a presente data.

    E devemos fazer isso para promover, sinalizando de forma clara, para médio prazo, reformas profundas na própria Constituição Federal.

    Não existe desenvolvimento sem ruptura, assim como não existe democracia de gabinete.

     

     

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