Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Por que as pessoas erradas são sempre atraídas pelo poder? É a estupidez… estúpido!, por Wilson Ferreira

A cientista política Hannah Arendt foi uma das primeiras tentar desambiguar o conceito do “mal”, indo além do campo da acusação moral.

Por que as pessoas erradas são sempre atraídas pelo poder? É a estupidez… estúpido!

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Para defender os “patriotas” presos pelas depredações em Brasília, o médium kardecista Divaldo Franco chegou a lançar mão da célebre frase do ativista Martin Luther King sobre “os gritos dos maus” e o “silêncio dos bons” diante das “coisas feitas pelos poderosos”. Mas quem são os “bons” e os “maus”? Essas noções tornaram-se ambíguas e reversíveis porque ainda são pensadas no campo do julgamento moral. A ponto de um “espírita reaça” se apropriar do pensamento de um ativista dos direitos civis. Como desambiguar essas noções e transformá-las em categorias sócio-psicológicas objetivas? Um caminho é através da Teoria da Estupidez do teólogo Dietrich Bonhoeffer e da teoria do “viés da auto-seleção” do cientista político Brian Klass: por que as pessoas erradas são sempre atraídas pelo poder, assim como as mariposas pela luz?

“O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”, disse certa vez o grande ativista Martin Luther King. Uma frase de valor inquestionável, porém ambígua: quem são os bons e que são os maus? 

Tão ambígua que um notório “médium reaça” e bolsonarista, Divaldo Franco, foi capaz de lançar mão dessa famosa frase para justificar a defesa dos “patriotas” que depredaram os prédios dos três poderes em Brasília, e presos “arbitrariamente”. Afinal, para o emérito espírita kardecista, ninguém estava armado, mesmo assim “foram pegas na rua e levadas para a cadeia” e alertou para “a desfaçatez como encaramos as coisas feitas pelos poderosos e silenciamos”. 

O que permite uma frase proferida por um ativista da luta pelos direitos civis ser ressignificada em um discurso que apoia atos de ataque da extrema-direita ao sistema democrático?

“Maus” e “bons” são conceitos que podem ser intercambiáveis, de acordo com as intenções do emissor: os maus são sempre os outros, os inimigos; enquanto nós somos os bons.

A cientista política Hannah Arendt foi uma das primeiras tentar desambiguar o conceito do “mal”, indo além do campo da acusação moral. Arendt referiu-se à “banalidade do mal”: o momento em que a racionalidade converge para o mal. Como no caso dos oficiais nazistas que “apenas cumpriam ordens” – eram obcecados por poder e ascensão social, fariam qualquer coisa para serem reconhecidos e terem sucesso, mas esse desejo de sucesso é o que levaria a praticar o mal. Arendt via nesse argumento para justificar a ascensão de sistemas totalitários, a banalização da razão e coerência do pensamento humano. Ou melhor, o momento em que a racionalidade de um sistema é a própria encarnação do mal.

Teoria da Estupidez

Mas antes de Arendt, o teólogo, pastor e membro da resistência anti-nazista na Alemanha, Dietrich Bonhoeffer, aprofundou na questão do mal não como falha do caráter ou um súbita suspensão da racionalidade. É a “Teoria da Estupidez” – para Bonhoeffer a estupidez seria considerada uma categoria psico-sociológica, portanto, objetiva e cientificamente compreensível. Para ele, a natureza da estupidez tem raízes profundas no psiquismo. E depois impulsionada pela mecânica fundamental da experiência humana: o fato de os humanos serem animais sociais. É essa mesma sociabilidade é que está na base da estupidez – sobre isso clique aqui.

Divaldo recebe de Bolsonaro a medalha do Rio Branco

A estupidez como fenômeno de grupo estaria na base do apoio ao mal banal como sistema totalitário: Um indivíduo pode agir estupidamente, mas isso não tem efeito no todo. No entanto, quando um grupo age de forma estúpida, isso causa um grande impacto no indivíduo, agravando todo o efeito. Bonhoeffer dizia que “o poder de um, precisa da estupidez do outro”. 

Para Bonhoeffer, o mal convencional (dos vilões das HQs e filmes hollywoodianos aos ditadores que violam direitos humanos ou assassinos em série e criminosos violentos) é muito mais fácil para ser confrontado: “pode-se protestar contra o mal; pode ser exposto e, se necessário, impedido pelo uso da força. O mal sempre carrega dentro de si o germe da sua própria destruição”, afirmava o teólogo alemão. Ao contrário da estupidez, um problema de natureza muito diversa.

A estupidez, porém, é um problema completamente diferente. Não podemos lutar tão facilmente contra a estupidez por duas razões. Primeiro, somos coletivamente muito mais tolerantes com isso. Ao contrário do mal, a estupidez não é um vício que a maioria de nós leva a sério. Não criticamos os outros por ignorância. Não gritamos com as pessoas por não saberem das coisas. 

Principalmene porque grande mídia naturaliza o problema: elege a estupidez como entretenimento (tornando-nos tolerantes com o fenômeno), ao criar protagonistas orgulhosos da própria ignorância em tipos engraçados e simpáticos, como Homer Simpson, Debi & Loide, Beavis e Butthead, Ricardo da série animada Incrível Mundo de Gumball e todos os inúmeros personagens patetas-mas-com-bom-coração dos dramas e comédias hollywoodianas.

Em segundo lugar, a pessoa estúpida é um oponente escorregadio.

Um ditado bem conhecido na Internet ilustra bem esse problema: “Debater com um idiota é como tentar jogar xadrez com um pombo – ele derruba as peças, cai no tabuleiro e voa de volta para seu bando para reivindicar a vitória”. É engraçado, mas ao mesmo tempo guarda um ardil perigoso: a tolerância para essa situação ridiculamente engraçada pode abrir espaço para estúpidos chegarem a posições cada vez mais elevadas, até o Poder.

Continue lendo no Cinegnose.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

1 Comentário

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  1. Nunca topei com a cara desse sujeito. Existem demagogos, mentirosos, hiper hipócritas… e existe o padrão Divaldo Franco. A aura das figuras exala pestilências e anticristianismo.

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