Supremo pode ter retirado a competência de Sergio Moro, por Lopes e Rosa

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Lula Marques
 
 
Por Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa
 
No Conjur
 
O jogo virou: acompanhe a lógica do raciocínio e das consequências:
 
1. A 13ª Vara Federal de Curitiba se declarava competente por prevenção e conexão probatória para julgar os casos decorrentes da “lava jato”, excluídos os investigados/acusados com prerrogativa de função. Criou até uma competência “conglobante” ou “esponja”, porque absorveu até o que não lhe era devido.
 
2. O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e os tribunais atraíam a competência para julgar os que detinham prerrogativa de função. Com a decisão proferida pelo STF (escrevemos aqui), bem como seu efeito cascata — por simetria? (STJ, Ap. 866) —, declarou-se que não há mais prerrogativa de função e que os crimes vinculados a lavagem de dinheiro e corrupção em face das doações de campanhas eleitorais são de competência da Justiça Eleitoral.
 
3. A pergunta é relevante: sempre foram da competência da Justiça Eleitoral ou houve alguma reforma legislativa? A decisão implica reconhecer que os julgados anteriormente pela Justiça Federal o foram por juiz absolutamente incompetente; logo, nulas as decisões. Ou só vale para o futuro? A Justiça Eleitoral sempre foi competente.
 
A Justiça Eleitoral estabelece uma relação de prevalência sobre as comuns, sendo que o artigo 78, IV do CPP deve ser lido junto com o artigo 79, I, de modo que no confronto entre a Justiça Militar e as demais Justiças (eleitoral ou as comuns, federal/estadual) haverá cisão, pois militar não se mistura, cinde. Já no confronto entre a outra Justiça especial (a eleitoral) e as Justiças comuns (federal e estadual) haverá a prevalência da especial (eleitoral). Assim, sempre que tivermos um crime eleitoral conexo com um crime comum, previsto no Código Penal ou leis extravagantes, deverão ser reunidos para julgamento simultâneo (por força da conexão) e remetidos para a Justiça Eleitoral (especial e prevalente).
 
4. Com a remessa à Justiça Eleitoral, exercida em primeiro grau, por magistrados estaduais e promotores de Justiça, também estaduais, os legitimados a negociar delação premiada ampliaram-se. O que era prerrogativa de procuradores da República, dada a competência federal, passou a ser atribuição de membros do Judiciário e Ministério Público estaduais, no exercício de função federal. Não prestam mais satisfação à Procuradoria-Geral da República.
 
5. Em face da amplitude da conexão probatória, assim, qualquer juiz ou membro do Ministério Público, com exercício na função eleitoral, pode se declarar competente para julgar ações hoje em tramitação na 13ª Vara de Curitiba, por um motivo básico: a competência eleitoral prevalece sobre a comum federal. Logo, nem mesmo de conflito se trata, justamente porque a eleitoral é especial. Mais do que isso, deverá “avocar” o processo, pois, nos termos do artigo 82 do CPP, ele exerce uma jurisdição “prevalente”.
 
6. Diante deste quadro, do ponto das consequências das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, com os milhares de magistrados e membros do Ministério Público eleitorais, poderemos ter a disputa pela competência de julgamento de casos que antes ficavam restritos à 13ª Vara Federal de Curitiba. Havendo conflito entre juízes eleitorais (não mais entre eleitoral e federal, pois o eleitoral prevalece), então entram as regras do artigo 78, II do CPP, porque na determinação da competência entre jurisdições da mesma categoria (juiz eleitoral x juiz eleitoral) prevalecerá a do lugar da infração a qual for cominada pena mais grave (artigo 78, II, “a”); depois, em caso de serem de mesma gravidade, prevalece a do lugar em que houver ocorrido o maior numero de infrações (artigo 78, II, “b”); firmando-se a competência pela prevenção em caso de empate dos critérios anteriores (artigo 78, II, “c”).
 
7. Amplia-se, também, a possibilidade de delações premiadas que não serão mais negociadas com os procuradores da República, quer de Brasília, quer de Curitiba, mas, sim, por milhares de promotores de Justiça deste imenso Brasil. Os efeitos da pulverização da legitimidade de negociação e homologação, então, implicam que teremos muitas novidades, acordos os mais variados, e muitas surpresas, até porque a Lei 12.850/13, no tocante aos benefícios, não é cumprida pelo STF, abrindo espaço para ampla negociação, conforme já sublinhamos em outros momentos, inclusive no livro novo[1].
 
8. As decisões recentes do STF podem ter trazido consequências pensadas e/ou impensadas. Nunca se sabe. O ponto a ser destacado, todavia, é um só: se a competência é (e sempre foi) da Justiça Eleitoral, prevalece sobre a federal, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Logo, teremos revisões criminais, Habeas Corpus, dentre outros remédios constitucionais.
 
Esperamos que o STF mantenha a coerência e assuma os efeitos normativos da decisão que reconheceu, ex tunc, a competência da Justiça Federal. Estamos tratando de uma das garantias basilares do processo penal: a garantia do juiz natural, competente em razão da matéria, pessoa e lugar. Não há espaço, em democracia, para um juiz com competência “esponja” ou “à la carte”, como temos visto, infelizmente. O tema é muito sério e muito caro à Constituição. O baile recomeçou.
 
[1] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de: LOPES JR, Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Delação Premiada no Limite: a controvertida Justiça Negocial made in Brazil. Florianópolis: EMais, 2018.
 
Aury Lopes Jr. é doutor em Direito Processual Penal, professor titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.
 
Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

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  1. Bobinhos… o supremo já viu

    Bobinhos… o supremo já viu que tem maioria pró golpe (6×5). Então se perguntou: porque precisamos de um preposto para fazer algo que nós mesmos podemos fazer? Simples assim.

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