A era da ignorância, por Charles Simic

Enviado por Felipe A. P. L. Costa

A era da ignorância

Por Charles Simic [1]

Ignorância generalizada, beirando a idiotice, é a nossa nova meta nacional. Não adianta fingir o contrário e nos dizer, como Thomas Friedman o fez no Times, alguns dias atrás, que as pessoas educadas são os recursos mais valiosos da nação. Elas o são, claro, mas nós ainda as queremos? Não me parece que sim. O cidadão ideal de um estado politicamente corrupto, como o que nós temos agora, é um tolo ingênuo incapaz de diferenciar a verdade da lorota.

Uma população educada e bem-informada, o tipo que uma democracia necessita para funcionar, seria difícil de enganar e não poderia ser dominada completamente pelos diversos capitais aplicados que atacam às cegas neste país. A maioria dos lobistas e dos nossos políticos e seus assessores perderiam o emprego, assim como os tagarelas que se fazem passar por nossos formadores de opinião. Felizmente para eles, nada tão catastrófico, ainda que perfeitamente merecido e amplamente bem-vindo, tem qualquer probabilidade de ocorrer em futuro próximo. Para início de conversa, há mais dinheiro a ser tirado do ignorante do que do ilustrado e enganar os estadunidenses é uma das poucas indústrias domésticas que ainda crescem neste país. Uma população verdadeiramente educada seria ruim, tanto para os políticos como para os negócios.

Foram necessários anos de indiferença e estupidez até nos tornarmos tão ignorantes como somos atualmente. Qualquer um que tenha lecionado em uma faculdade ao longo dos últimos 40 anos, como é o meu caso, pode lhe dizer o quão menos sabem os estudantes que saem do ensino médio a cada ano. No início foi um susto; porém, não é mais nenhuma novidade para qualquer professor auxiliar que os simpáticos e ansiosos jovens matriculados em suas turmas não conseguem apreender a maior parte do material que está sendo ensinado. Ensinar literatura estadunidense, como eu tenho feito, tornou-se mais e mais difícil nos últimos anos, visto que os alunos leem pouca literatura antes de entrar na faculdade, carecendo muitas vezes da informação histórica mais básica a respeito do período em que o romance ou o poema foi escrito, incluindo as questões e as ideias mais importantes que ocuparam as mentes pensantes da época.

Mesmo a história regional tem sido tratada sumariamente. Estudantes que vêm de antigas cidades fabris da Nova Inglaterra, como eu descobri, nunca ouviram falar das famosas greves em suas comunidades, durante as quais trabalhadores foram mortos a sangue frio e os autores escaparam impunes. Não me surpreendi que as escolas de ensino médio evitassem o assunto; mas me admira que pais e avós, e qualquer outro com quem eles tenham tido contato durante a infância, nunca mencionassem esses grandes exemplos de injustiça. Ou as famílias nunca falavam a respeito do passado ou, quando o faziam, os filhos não estavam prestando atenção. O que quer que tenha acontecido, a gente está diante do problema de como remediar a vasta ignorância deles a respeito de coisas com as quais já deveriam estar familiarizados, como as gerações anteriores de estudantes estavam.

Ainda que essa falta de conhecimento seja o resultado de anos de apatetamento do currículo do ensino médio e de famílias que não falam com as suas crianças a respeito do passado, há outro tipo de ignorância, ainda mais pernicioso, com o qual nos defrontamos hoje em dia. É o produto de anos de polarização ideológica e política e de esforços deliberados, nesse conflito para produzir mais ignorância, por parte dos partidos mais fanáticos e intolerantes, mentindo a respeito de muitos aspectos de nossa história e mesmo do nosso passado recente. Lembro de ter ficado estupefato, alguns anos atrás, ao ler que, em uma pesquisa de opinião, a maioria dos estadunidenses afirmou que Saddam Hussein estava por trás dos ataques terroristas de 11 de setembro. Isso me bateu como uma proeza da propaganda, algo sem paralelo nos piores regimes autoritários do passado — muitos dos quais tiveram de recorrer a campos de trabalho e pelotões de fuzilamento para obrigar o povo a acreditar em uma inverdade, sem o mesmo sucesso.

Sem dúvida, a internet e a TV a cabo permitem que diferentes interesses políticos e corporativos espalhem a desinformação em uma escala que não era possível antes, mas acreditar nisso exige uma população mal-educada, desacostumada a verificar as coisas que estão sendo ditas. Onde mais na Terra um presidente que salvou os grandes bancos da falência, com dinheiro dos contribuintes, deixando que o resto de nós perdesse 12 trilhões de dólares em investimentos, aposentadoria e valores imobiliários, seria chamado de socialista?

No passado, se alguém não sabia nada e falava besteira, ninguém prestava atenção a ele. Agora não. Agora essa gente é cortejada e exaltada por políticos e ideólogos conservadores como sendo os ‘Verdadeiros Estadunidenses’, defendendo o seu país contra o Estado e as elites liberais educadas. A imprensa os entrevista e reporta as suas opiniões seriamente, sem apontar a imbecilidade daquilo em que eles acreditam. Os agentes de publicidade, que os manipulam a favor de poderosos interesses financeiros, sabem que eles podem ser convencidos de qualquer coisa, pois, aos ignorantes e intolerantes, as mentiras sempre soam melhor que a verdade:

            + Os cristãos são perseguidos neste país.

            + O Estado vem pegar as suas armas.

            + Obama é muçulmano.

            + O aquecimento global é uma farsa.

            + O presidente está forçando a homossexualidade assumida nas Forças Armadas.

            + As escolas passam uma agenda de esquerda.

            + O seguro social é um direito subjetivo, igual ao bem-estar.

            + Obama odeia os brancos.

            + A vida na Terra tem 10 mil anos de idade, assim como o Universo.

            + Os programas sociais contribuem para a pobreza.

            + O Estado está pegando o seu dinheiro e dando a universitárias taradas, pagando para que elas não engravidem.

Poderíamos facilmente listar muitos outros desses delírios banais em que os estadunidenses acreditam. Eles são mantidos em circulação por centenas de políticos de direita e pela mídia religiosa, cuja função é fabricar uma realidade alternativa para os seus telespectadores e os seus ouvintes. “A estupidez às vezes é a maior das forças históricas”, disse Sidney Hook em certa ocasião. Sem dúvida. O que temos neste país é a rebelião das mentes obtusas contra o intelecto. É por isso que eles amam políticos que se zangam com professores doutrinando crianças contra os valores de seus pais e se ressentem daqueles que mostram capacidade de pensar a sério e de modo independente. A despeito de suas bravatas, esses tolos sempre podem votar contra os seus próprios interesses. E isto, no que me diz respeito, é a razão de milhões estarem sendo gastos para manter meus concidadãos ignorantes.

Nota

[1] Charles [Dušan] Simic [Simić] (nascido em 1936). O artigo original, ‘Age of ignorance’, foi publicado no The New York Review of Books, em 20/3/2012. A tradução é de Felipe A. P. L. Costa, autor de O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna (2017).

Redação

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Caramba!

    Eu pensei que o cara estava falando dos imbecis tupiniquins.

    De qualquer forma, os miquinhos amestrados daqui, imitam tudo o que é de lá e pior.

    A raiz do problema certamente está na religião e na glamurização da ignorânica, superficialidade e a valorizaçõ do “ter” em lugar do “ser”.

    1. Eu também pensei, caro Vixe.

      Eu também pensei, caro Vixe. Mas aqui de fato é pior, muito pior. Lá nos Estates o fascismo que usa e abusa da ignorância coletiva pelo menos é nacionalista. O rico americano vale mais que o pobre americano. Mas este vale mais que o pobre de outros países. Essa é a mentalidade da era Trump.

      Aqui qualquer pobre dos EUA vale mais que nós todos, pobres ou remediados, menos os 1% da lista da Forbes, claro

  2. Governo nao quer educacao porque povo educado derruba governos

    * Kit Gay

    * Mamadeira erótica

    * Comunismo/Venezuela/Cuba

    * Livro sobre incesto

    * Jesus é um travesti

    e a minha preferida:

    * a lava a jato é contra a corrupção

    1. A lenda da Lava Jato

      Essa da Lava Jato ser contra a corrupção pegou mesmo foi na classe média. Em junho deste ano, fui à uma palestra que o Vladimir Safatle deu para doutorandos e mestrandos em Paris e a maioria presente, ciristas e psolistas, defendia a Lava Jato. E o Safatle que faz um bom esboço da situação brasileira naquele momento (não acreditavamos que bolsonaro iria levar – sabe deus como- essas eleições), não disse claramente a que ou a quem servia a Lava Jato. Eu tive que dizer e, claro, houve hostilidades. Ao meu ver, a ida de Sergio Moro para o ministério do Capilouco deve ter desintegrado as ilusões dessa galera classe média, bolsista ainda dos governos petistas e que acreditara na lorota de que o PT é o mais corrupto do Brasil, quiça do planeta e de que Sergio Moro seria um bom juiz.

  3. Fenômeno Global

    Qualquer semelhança com a situação do Brasil não é mera coincidência. Esse processo de emburrecimento geral da população é um fenômeno global e  tem como fator gerador o ápice da Ideologia do Consumismo que utiliza todo o potencial da revolução dos meios de comunicação para formar mentes com um único propósito de vida, comprar. Todo o arcabouço de elementos reacionários usados são apenas subterfúgios para manter as pessoas focadas na Ideologia do Consumismo e desviar sua atenção de qualquer outro assunto importante.

  4. ” + O aquecimento global é

    ” + O aquecimento global é uma farsa.”

    Claro, nosso deputado mais votado, o Coiso junior foi esquiar em Bariloche e constatou que sim é uma farsa de “comunista, viado e depravado”

  5. DILEMA OCIDENTAL

    O problema não está em identificar o idiota. O problema está em como reagir a ele sem descer ao seu nível. Ignorá-lo é perigoso. A bobagem de um logo vira mote de uma turba inteira. Voar-lhe na goela e cobri-lo de sopapos pode ser prazeroso, mas só endossa o que ele disse. É como pão, quanto mais bate, mais cresce, até que tudo vire casca e se esvazie o parco miolo que lhe resta. Contra-argumentar não adianta. Você é execrado ao limite da violência física.

    Vou lhes dizer uma coisa: não há nada mais incômodo do que viver com medo. Sofro de síndrome de pânico desde a infância. O efeito colateral é uma profunda e constante auto-avaliação. Você se culpa e acha que todos estãosempre corretos. Você pensa que está enlouquecendo, que não vale nada, que precisa aprender. Você esperimenta milhares de situações de conflito interno até chegar a alguma conclusão que possa lhe servir sobre certos “gatilhos” que deflagram os sintomas da doença. É preciso superá-los, pouco a pouco. O curioso é que, depois deste processo, todos passam a elogiar sua sensatéz em certas situações conflitantes do cotidiano. Não é nada disto. Só você sabe o quanto lhe custou aprender a lidar com estas coisas. 

    Pensar que o mundo todo está contra você ou sentir que pode ser atacado a qualquer momento lhe força a buscar a maneira certa de se enfrentar as limitações. Parece auto-ajuda, é verdade. Mas, pelo menos pra mim funciona. A conclusao que pude tirar da idiotia e cretinicie do brasileiro (ou do americano, por que não dizer?) é uma boa dose de depressão. Este remédio se produz a partir da entrega do cretino à sua própria sorte. Afaste-se, dê-lhe a corda. Cuide dos seus. Depois, divirta-se. O problema do oprimido advém de não aceitar o fato de que seus pequenos atos opressivos só o fazem patéticos, não opressores. 

    Portanto, comprem a pipoca. Não há muito o que fazer agora, a não ser assistir. E rir muito.

    A propósito, viram o filho caçula do coiso? Sai no MSN. Bonitinho que só. Descolado… Adorei o video com a dancinha ao lado do pai, O orgulho do velho ao ver seu sósia mais novo, todo gatinho, com o cabelo moderninho, dançando alegremente na frente dele é de emocionar quaquer coração. Ô gente maldosa no mundo!!! É isto mesmo. As amiga tão maldando o rapaz. O leke é pura testosterona, pô! Inveja da sociedatch!!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador