Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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A longa crise brasileira, por Aldo Fornazieri

Os sinais primeiros da atual crise surgiram em 2013. Naquele momento, nem o governo Dilma e nem as oposições foram capazes de apresentar uma saída satisfatória para aqueles sintomas.

A longa crise brasileira

por Aldo Fornazieri

Nenhum país funciona politicamente se não tiver um ou mais centros de coordenação política dos grupos adjacentes e da sociedade. Normalmente, se configuram dois centros de coordenação política: um é dado pelo governo e outro pelo principal partido da oposição ou por uma frente oposicionista. Quando faltam ou falham esses centros de coordenação o país entra em crise política. As crises tendem a ser rápidas, da mesma forma que surgem subitamente. Em regra, propendem a soluções positivas pela superação ou deslocamento da força que representa o status quo ou pela sua regeneração.

A atual crise brasileira foge a essas características: veio se instalando paulatinamente; colapsou as principais forças políticas do governo e da oposição; o momentum de sua superação (eleições de 2018) representou não só a sua continuidade e seu agravamento, mas também o seu deslocamento para um sentido negativo, retrógrado; e, por fim, a sua duração será longa. No mínimo, até 2022, mas pode ir além.

A crise política veio acompanhada por dois anos de grave recessão econômica e por anos continuados de baixo crescimento, baixo investimento público e privado, alto desemprego e elevada dívida pública. A crise de coordenação política nacional se reflete também na economia e na sociedade.

Os sinais primeiros da atual crise surgiram em 2013. Naquele momento, nem o governo Dilma e nem as oposições foram capazes de apresentar uma saída satisfatória para aqueles sintomas. Não apresentaram direção ou sentido para a sociedade e para o Brasil.

As eleições de 2014 ofereceram a oportunidade de surgimento de uma saída para a crise que já se aguçava. Mas, a campanha eleitoral polarizada, caracterizada pela falta de propostas e pelos xingamentos, não se tornou auspiciosa. Com a posse de Dilma para um novo mandato a crise se agravou, por vários motivos, mas por dois principais: a contestação da legitimidade das eleições por parte de Aécio Neves e do PSDB, o que fez surgir um elemento golpista na conjuntura; e, a crescente perda da capacidade de Dilma de coordenar politicamente o governo e uma maioria no Congresso.

O golpe do impeachment, a radicalização da Lava Jato, a avalanche de denúncias de corrupção as inúmeras prisões de agentes políticos e partidários e, finalmente, a prisão de Lula e o fracasso do governo Temer, colapsaram, primeiro, o PT; depois, o atual MDB e, finalmente, o PSDB. Assim, se abriu o espaço para o fortalecimento de uma força política secundária entre as existentes ou para o surgimento de uma nova força. A sociedade escolheu a última opção, através de Bolsonaro.

É preciso perceber que depois da crise que derrubou Fernando Collor, o Brasil viveu um período de significativa estabilidade política que dourou 20 anos, sendo 8 com FHC, 8 com Lula e 4 com Dilma. Isto ocorreu porque PT e PSDB se instituíram como dois centros de coordenação política nacional junto com a legitimidade e reconhecimento de seus dois respectivos líderes: Lula e Fernando Henrique Cardoso. A coordenação política nacional é exercida por partidos fortes e representativos, por líderes legítimos e reputados ou por uma combinação de partidos e líderes, que foi o caso desse período de estabilidade política. Neste período, o PMDB também jogou um papel importante pois, como tertius, cumpria o papel de garantidor da governabilidade de um e de outro grupo. A traição perpetrada pelo grupo de Michel Temer contra Dilma foi decisiva para romper essa relativa estabilidade que existia.

O resultado de todo esse processo foi o enfraquecimento dos partidos, bancadas encolhidas no Congresso, carência de líderes fortes e populares e vitória de Bolsonaro. Lula foi o único líder cuja liderança havia sobrevivido a essa avalanche destrutiva. Mas, deliberadamente, foi tirado do jogo pelo arbítrio judicial que agiu de forma consciente como representante das forças retrógradas e conservadoras.

A vitória de Bolsonaro é uma desgraça para o Brasil e para as perspectivas de superação da crise. De forma consciente ou atabalhoada, Bolsonaro é em tudo o contrário daquilo que um presidente deveria ser, principalmente neste momento. Um presidente deve unir e apaziguar. Ele desune, agride e dissemina ódio e ressentimentos. Um presidente deve agregar forças. Ele as dispersa, divide e desagrega. Um presidente, como magistrado mais alto do país, deve ter uma conduta respeitosa, respeitada e exemplar. Bolsonaro tem atitudes de um arruaceiro político e perde o respeito dos políticos e da sociedade. Um presidente coordena o ministério e governa. Bolsonaro desgoverna, tuita, desacredita seus ministros, não tem programa, não tem ideias, como disse Rodrigo Maia.

Bolsonaro é o principal opositor à sua principal proposta de reforma: a da Previdência. Os seus dois superministros – Guedes e Moro – viraram ministrinhos. O ministério não tem experiência e nem capacidade. Poucos sabem o que estão fazendo. O presidente afirmou que veio para desconstruir o Brasil. Nisso ele deve ser levado a sério. Um homem que nada fez durante 30 anos de mandato parlamentar, não seria como presidente que viesse fazer alguma coisa. Bolsonaro terçou mentiras durante a campanha inteira. Não era de se esperar que na condição de presidente viesse a ser um laborioso promotor da verdade.

Sem força política partidária, sem força política no Congresso e sem força política popular, o governo Bolsonaro será um governo de crises e destinado ao fracasso. Para sobreviver até 2022, Jair Bolsonaro terá que reinventar-se, acautelar-se. A eventualidade de um governo Mourão também não é auspiciosa, pois também careceria de força política e social. A única viabilidade de um governo Mourão consistiria num pacto nacional no qual ele se colocaria na condição de um governo de transição.

Se o governo vai muito mal, a oposição não vai bem. O PT, principal partido de oposição, vem perdendo, desde 2015, capacidade de coordenação política nacional do campo progressista e democrático. Este campo agora orbita em torno de dois polos: um, constituído pelo PT e outro, constituído pelo PDT, PSB e PCdoB. O PSol se articula numa faixa própria. Com alianças pontuais, os dois polos tendem a caminhar separados até 2022, quando cada um tende a apresentar sua própria alternativa presidencial.

A fraqueza relativa dos partidos e a ausência de um líder inconteste favorece essa fragmentação e a consequente incapacidade de estabelecer uma coordenação política nacional a partir de uma visão de país, de uma plataforma programática e de uma pauta de lutas. Esta incapacidade fragmenta também as lutas dos movimentos sociais que se refugiam em suas especificidades e muitos tendem ao sectarismo invocando o lugar de fala como uma posse privativa, uma exclusividade. Sem a perspectiva de um programa universalizante, partidos e movimentos do campo progressista operarão com suas fraquezas e limites.

A crise política, desta forma, vai se mantendo e prolongando a agonia do Brasil e de seu povo. É uma crise de organização das forças políticas partidárias e uma crise de liderança. É uma crise de capacidade de coordenação e de condução do país. É uma crise de força política. Sem partidos fortes e sem lideranças fortes não há capacidade de coordenação, de aglutinação das forças dispersas e fragmentadas. Partidos e líderes fracos resultam em governos fracos, em fracassos políticos e administrativos.

A direita bolsonarista tende a ser um sopro passageiro, pois Bolsonaro não é um líder autêntico e o PSL é um aglomerado difuso e confuso. O problema está na centro-direita e na esquerda. É preciso construir novas capacidades, renovar as lideranças. Se isto não ocorrer, o Partido Novo, de um lado, e o PSol, de outro, terão espaço para crescer. Esta perspectiva também é de médio prazo. Enquanto isso, os problemas e as tragédias do Brasil se multiplicam.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

10 Comentários

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  1. É, o professor faz uma bela análise retrospectiva, mas sempre eivada de ranço contra o PT, que diante de todo o caos que aponta é a maior bancada da Câmara, e não pode ser responsabilidade pela desunião da esquerda, que acontece porque os partidos menores desse campo, alguns nanicos, não se apercebem da necessidade de união, diante da conjuntura adversa. Quanto ao futuro, que me perdoe, mas é muito pessimista, principalmente em não ver a possibilidade de o Presidente Lula ganhar a liberdade e dar a liga que falta para a união das esquerdas.

  2. Nao esquecer o elemento externo desagregador na forma de custeio ao MBL e Vem Pra Rua e na cooptação do MPF (principalmente de Curitiba) e da PGR de Janot, pelos norte americanos.

    Sem cortar esse apoio, que Dilma não teve coragem quando Snowden dedurou a espionagem da NSA sobre ela e a Petrobras, nenhum governo nacionalista terá futuro.

  3. Essa desunião foi intencional. Quem controla essa desunião é a imprensa.

    E quem controla a imprensa, é um grupo da elite do país, ligada a elite internacional que planejou todos esses atos de sabotagem ao país.

    Nossos líderes políticos não foram e ainda não são capazes de perceber essas forças financeiras, midiáticas
    e políticas que controlam toda essa crise. E jogam uns contra os outros.

    Aliados a tudo isso o desespero de quem é corrupto e teme a prisão. Então eles se atiram no escuro
    no jogo dessa gente, invisível.

    É preciso identificá-los para que a classe política do país ponha os pés no chão e planeje o futuro.

    1. Acho que os tais “líderes políticos”, ainda que tácita e inconscientemente, percebem as forças midiáticas e financeira e não se opõem a ela. Que líder político afasta a ideia central do pessoal das finanças que é concentrar poder em lugar de distribuir? Que político, estando no poder, estimula a organização das pessoas senão em torno dele mesmo? No Brasil, eu só vi o PT fazendo isso…

      Por isso é que o pessoal das finanças gasta os tubos em tentativas de convencimento de que esse poder deve permanecer concentrado, seja por armas de fogo ou armas morais (propaganda). Se o socialismo não fosse altamente democrático, promissor e positivo, porque o capitalismo – essencialmente plutocrata e elitista) precisaria empregar tanto em violência e negatividades?

  4. A crise é endêmica nos anos 1980 já escuta a piada :
    Uma pobre crise que atravessa um terrível país.

    Quando não é política é econômica ou viceversa , quando as coisas se arrumam inventam uma …

  5. Vamos ser claros: ha divisões dentro das esquerdas. Quem não milita, não participa é quem desconhece, mas é conhecido até do mundo mineral as divergências, disputas etc dentro das correntes de esquerda, como na Direita também. Isso foi exarcebado porque o PT tornou-se governo e Lula teve que fazer concessões para poder governar e, claro, teve a ajuda luxuosa da imprensa. O que temos que fazer neste momento grave para o futuro do povo brasileiro é fazer entender a esquerda, os movimentos sociais e sindicais, que temos que nos unir em que pese divergências ideologicas e criar uma Frente Ampla, como diz Boaventura de Souza Santos, capaz de ser oposição ao governo atual e também de proposições e de dar alento ao povo de um recomeço. Nada disso é facil. A prova…

  6. longa crise porque com esta receita ultra-neoliberal nao há consumo, as empresas produzem menos, nem o setor exportador eleva o pib. O prof. Aldo diz algo signigficativo: a estabilidade se assentava sobre 2 grupos distintos: pt, tucanos. Mas pra derrubar o pt e entregar tudo pros EUA e retirar direitos e poder aquisitivo do povo, o judiciario e a midia criminosos jogaram a classe política na lama mais putrefata e pros eleitores restou votar em quem parecia nem ser politico: policiais, e neo-pentecostais e todos tipos de incapazes cultuadores da violencia (fascistas). O pólo centro-esquerda, citado por Aldo, poderia estar bem melhor nao fosse um dos maiores traidores ególatras da História: ciro. O governo parece cair qual uma fruta podre cai da
    arvore. O vice é bastante direitista mas poderia dar-nos a estabilidade
    de um povo que vive na miséria e nem acha que a elite seja culpada. Se nao houver parlamentarismo e se em 2022 Lula estiver impedido, é óbvio que é o j wagner. Sendo verdade que recusou o convite no ano passado, facilitando pro fascismo, devia ser expulso. Gleisi é um bom nome, mas os processos sempre estarao associados a ela. Candidatura Boulos ou freixo é um delirio, apesar do extremo valor do boulos.. E por anos o povo vai grunhir igual grunhiam no tempo do figueiredo, FOME E MISÉRIA DOMINANDO O POVO. Que talvez encontre consolo nos gritos do malafaia ou em linchamento e mutilaçao de suspeitos

  7. Concordo com várias colocações do professor, mas tenho dois reparos:

    1 – Bolsonaro não foi eleito democraticamente. Desta forma, não se pode considerar que sua eleição é a “voz da sociedade”
    2 – 2022 não é projeto viável. Se a esquerda não mobilizar as bases para iniciar uma campanha para derrubar o governo e libertar Lula, acontecerá o que acontece na França: os descontentes farão sua rebelião e a esquerda será relegada à insignificância política.

  8. O prof. Aldo, um brilhante intelectual e que demonstra consciencia social, parece nao aceitar comentário de pobre. Porque pobre usa teclado “marca diabo” que nao tem til . Parece que só vou ter um comentário publicado nos espaços do prof. Aldo quando eu comprar um iphone. Desde o golpe comento nos espaços de vários cientistas sociais de destaque, e até hoje só dois deles recusaram comentários deste teclado de pobre: Aldo Fornazieri e gustavo conde, mas este segundo foi por intolerancia arrogante e narcisista mesmo, porque eu sempre divirjo com muito respeito. ” me chamam de grosso, nao tiro a razao. Eu reconheço a minha grossura. Mas sei tratar a qualquer cidadao. Até representa que eu tenho cultura”.

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