A revolução dos ressentidos
por Thiago Antônio de Oliveira Sá
Apesar da incompetência administrativa, da inaptidão política e dos resultados pífios ao longo de um ano e três meses de mandato, um terço do eleitorado persiste aprovando o atual presidente. Um eleitorado que o apóia irrestritamente, apesar dos saldos em termos de geração de emprego, distribuição de renda, aumento do consumo, PIB, financiamento público e preservação ambiental. E apesar da postura patética, da truculência, dos desmandos, das macaquices performáticas, da sua desorganização administrativa e de sua inépcia política.
Entre esses 30% fidelizados, não se pode esquecer os incautos envolvidos por redes sociais de desinformação, que propagam diariamente notícias falsas, outras parcialmente verdadeiras (que superestimam pequenas realizações), memes e outros conteúdos destinados a encorajar e a insuflar ódio. Uma parte destes 30% vive uma ilusão de realidade, evitando os jornais a pedido de seu próprio mandatário.
Mas, além dos desinformados da era da informação, há nestes 30% o eleitorado atento aos rumos da política e que, apesar dos resultados adversos, das mazelas gestoras de nosso capitão e de sua equipe, reiteram seu apoio. Seguem com o presidente, apesar do presidente.
Por que o fazem? Primeiramente, porque já não esperam transformação. Não esperam nada da política. Aliás, é contra ela que insurgem (nada mais político que a antipolítica). Por isso já não se incomodam com as trapalhadas, com o trato com jornalistas, com o nepotismo descarado, com as obscuras relações com a milícia ou com o ministro da educação que é, em si, uma aberração.
Este eleitorado atento e, por vezes, envergonhado, reitera seu apoio por motivações subjetivas: vingança e ressentimento.
Uma vingança difusa, contra inimigos variados (e por vezes, imaginários). Contra o politicamente correto, que obriga a respeitar as pessoas e reprime o sagrado direito à infâmia, à injúria e às piadas jocosas sobre grupos oprimidos. Contra protocolos internacionais de sustentabilidade ambiental e direitos humanos, que não deixam destruir nada (nem a natureza nem pessoas). Contra a democratização do ensino superior. Contra partidos progressistas e o legado dos governos populares, aqui e ao largo do Cone Sul. Contra as insolentes reivindicações igualitárias, que ousam transformar privilégios em direitos. Contra as normas de trânsito que regulam o tráfego, que só servem para tirar o prazer de dirigir. Contra minorias empoderadas e insubmissas que, com mobilização coletiva e visibilidade crescente, obtiveram conquistas políticas expressivas. Contra adversários políticos, tornados inimigos a serem combatidos e, eventualmente, eliminados. Contra a morosidade do regime de democrático, que não leva a soluções contundentes e paralisa do país. Contra pilares da civilização como órgãos de controle e de fiscalização, imprensa, parlamentos e tribunais, que não fazem outra coisa a não ser impedir o mito de salvar o país. Contra o saber e a cultura, esse povo que se acha: professores, estudantes, pesquisadores, intelectuais, artistas e peritos de toda ordem (é divertido ver os ministros lutando contra evidências empíricas obtidas pelo método científico. Culpam o termômetro pela febre). Contra os povos originais – esses sim, donos da terra. Contra as diversas formas de amar e as múltiplas configurações familiares. Contra todo mundo que, de uma forma ou de outra, escapa da ortodoxia cristã, mas que, justamente por isso, não escapa dos cristãos.
O tiozão do churrasco, o vizinho pilantra, o colega de trabalho machista e misógino e a classe média frustrada se sentiram destronados. O que nem sempre se explica por uma questão de ódio de classe, pois boa parte dos ressentidos revolucionários são pobres. E de direita (o que sugere que a pobreza não é apenas socioeconômica). Agora, só falta criarem a semana da consciência racista, o dia internacional do misógino e parada do orgulho homofóbico (embora a Marcha para Jesus já desempenhe bem essa função).
A revolução dos ressentidos é violenta e está em marcha. De famílias fuziladas gratuita e impunemente pelo exército. Da Amazônia posta abaixo enquanto São Paulo anoitece às três da tarde por causa da fumaça. O país em chamas. Inclusive literalmente. De causas assassinadas junto com a vereadora que as defendia.
Pela revolução dos ressentidos o Brasil reencontra a si mesmo. Reencontra suas estruturas de poder e sua base econômica arcaica, sua vocação colonial. Sua herança escravagista, patrimonialista, patriarcal, subserviente, dependente, periférica e agroexportadora. O Brasil de tiranos e da violência miliciana. De policiais partidarizados, de mulheres assassinadas, de negros escrachados e indígenas massacrados. De professores perseguidos. O Brasil em que a justiça tem lado e o poder tem dono. Em que o privado compra e vende o público. Estado mínimo para os pobres, Estado interventor na bolsa para investidores fracassados. Pela revolução dos ressentidos, o Brasil finalmente se revê no espelho.
E é uma insurgência tragicômica. Como manifestar-se democraticamente nas ruas contra a própria democracia. Uma passeata contra os poderes da república significa fazer valer o direito à ditadura. Cães implorando carrocinha.
E assim segue a revolução dos ressentidos: cega, estúpida e passional. Alheia ao futuro do país, aos desempregados e precarizados. Uma revolução sem destino, sem projeto, sem objetivo, gratuita, numa revanche furiosa contra qualquer mínimo gesto rumo a uma socialdemocracia na qual caiba todo mundo. Na revolução dos ressentidos, cidadania é palavrão.
Thiago Antônio de Oliveira Sá é sociólogo, professor e doutor em Sociologia.
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Bom dia Thiago
Excelente teu artigo. Gostaria de te enviar um exemplar do meu livro A síndrome do mal no qual desenvolvo uma análise sintonizada com a tua.
Podes me informar um endereço postal?
Antonio David Cattani – UFRGS
Grande Antonio! Aceito com muito prazer. Será uma honra lê-lo. Escreva para mim que te passo meu endereço, pode ser? [email protected]. Muito obrigado! abs
Grande Antonio! Aceito com muito prazer. Será uma honra lê-lo. Escreva para mim que te passo meu endereço postal, pode ser? [email protected]. Muito obrigado! abs
Parabéns Thiago, gostei das analogias e comparação com figuras cômicas do cotidiano. Valeu
SÃO OS COXAS
AINDA OS COXAS
OS MINIONS SÃO LEVADOS PELA COLEIRA, PELOS COXAS
Brasil está parecendo mais uma prisão de segurança máxima de onde expulsaram o diretor e as facções internas recebem ordens de outros presídios.
Parabéns pela análise. Assino embaixo.
Professor, doutor tinha obrigação de ser um pouco mais profundo em sua análise, ajudar a platéia a sair dos debates do Facebook
https://youtu.be/3qv1xx8gxi8
Professor, doutor tinha obrigação de ser um pouco mais profundo em sua análise, ajudar a platéia a sair dos debates do Facebook
Por que a direita cresceu no Brasil? Nildo Ouriques (Conservadorismo em Foco)
https://youtu.be/3qv1xx8gxi8
Excelente leitura da realidade, muito bem exposta!!! Simplesmente magnífico.