A sociedade do espetáculo e cilada da ‘representatividade’, por Vitor Fernandes

A ascensão das redes sociais nesse contexto de triunfo do capitalismo, fez com que a nossa militância se resumisse a lacrações efêmeras nas redes, que serão esquecidas na semana seguinte e não resultam em quase nenhuma ação política concreta.

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A sociedade do espetáculo e cilada da ‘representatividade’

por Vitor Fernandes

Com o fim da URSS e enfraquecimento do ideal comunista nas esquerdas de todo o mundo ocidental, ficamos perdidos.

Francis Fukuyama anunciava o fim da História nos anos 1990 e foi muito elogiado e criticado por esse livro. A direita vibrava com o fim da URSS, e considerava como a prova que o capitalismo é inquestionável, muito superior ao socialismo/comunismo, que acabara, para eles de ser definitivamente derrotado. A esquerda não gostou da tese do Fukuyama, argumentando que o que foi derrotado foi apenas uma “experiência socialista”, não o socialismo/comunismo, como sistema social.

No entanto, parte da esquerda, na prática, aderiu à tese do “fim da História” e da vitória definitiva do capitalismo sobre o socialismo.

Essa esquerda ou ex-querda, abandonou por completo a luta de classes, o internacionalismo, o anti-imperialismo e abraçou por completo as pautas identitárias como SUBSTITUTAS da luta de classes, embora use muito da terminologia marxista. No entanto, em vez de aplicar à luta de classes, aplica à “luta de raças”, gênero e sexualidade.

Hoje, no senso comum, ser de esquerda é defender as pautas identitárias e liberdades individuais, como descriminalização das drogas e legalização do aborto. Parte disso é propaganda dos conservadores contra a esquerda e outra parte é responsabilidade da própria esquerda.

A centralidade dada às pautas identitárias deixou para terceirou ou quarto plano a luta de classes. Hoje, há esquerda que ama o imperialista Obama por ele ser negro, ama qualquer liderança por ser mulher. Se for LGBTQUIA+ então, é amor platônico.

Lógico que a direita é inteligente e já absorveu isso pra ela. Veja Binden, presidente dos EUA, que nomeou diversas pessoas LGBTQIA+ para altos cargos, inclusive para militares, escolheu como vice uma mulher negra, em nome da “representatividade”.

Vejam as empresas que exploram os trabalhos de pobres e negros e colocam uma “Djamila” (crítica ferrenha do marxismo e promovida pela mídia de direita como maior representação das mulheres negras no Brasil), para fazer campanha publicitária de app de alimentos na semana de uma greve feita pelos trabalhadores majoritariamente negros, contra a exploração. Mas parte da ex-querda, considerou o app “inclusivo” pela propaganda.

A ascensão das redes sociais nesse contexto de triunfo do capitalismo, fez com que a nossa militância se resumisse a lacrações efêmeras nas redes, que serão esquecidas na semana seguinte e não resultam em quase nenhuma ação política concreta.

Justamente no período onde mais militamos nas redes, “cancelando” todos aqueles que divergem de nós em alguma pauta identitária (sempre é o identitarismo que causa cancelamento), é o período onde menos militamos no mundo real, concreto, material. Quantos de vocês que estão lendo atuam em algum partido político, sindicato, movimento social concreto (não apenas virtual)? Mas nos envolvemos sempre nas “tretas” da semana. Sempre sobre alguma pauta identitária.

Estamos completamente imobilizados com a lacração e a política de cancelamento. Vivemos a sociedade do espetáculo da militância virtual efêmera que não apenas não produz quase nada de concreto, como imobiliza as lutas classistas.

É como se pensássemos: já que não dá para mudar o mundo real, vou mudar pelo menos a aparência. A ênfase na representatividade está se resumindo basicamente a isso. A direita liberal já absolveu isso. E a direita jamais transgredirá em princípios, na defesa da propriedade privada, das políticas geradoras de desigualdades sociais, etc. Mas parece que se tiver umas minorias representadas aqui e ali, está tudo bem.

Assistimos big Brother, um programa de ENTRETENIMENTO, onde pessoas são confinadas para brigarem entre si e nós ficarmos na torcida por um ou outro glamourizando o cotidiano alheio e atribuímos a ele significado político.

Não estou criticando o entretenimento de ninguém, mas a tentativa de atribuir significado político, apenas por ter “representatividade”, leia-se ter negros, mulheres, LGBTQIA+.

Parece que o vencedor do big brother ser de alguma minoria, altera a vida real das minorias. Parece que ter uma bancada de mulheres no “manhattan conection” torna ele menos elitista e promotor de políticas contra os pobres. Se for mulheres negras então, aí tem isenção completa para defender o capitalismo mais selvagem. Tudo em nome da “representatividade”.

Isso não significa que eu seja contra as pautas identitárias. De forma alguma. São extremamente importantes. Chamo atenção para a cilada que a direita criou e a ex-querda, caiu em SUSTITUIR a luta de classes pelo identitarismo e a representatividade burguesa, vazia de conteúdo, vazia de possibilidade de alterar algo na estrutura social.

Esquecemos que os pobres são evangélicos e estão votando na bancada evangélica. Direcionamos nosso discurso às classes médias e depois ficamos surpresos quando parte importante dos pobres vota nos conservadores que são todos de direita, pois os pobres de modo geral não votam na direita, mas nos conservadores. Conservadorismo é mecanismo de captura de voto dos pobres para os ricos.

Vivemos uma espetacularização da política, onde vale mais lacrar e cancelar, sem que isso altere em nada as estruturas, não apenas sociais, mas inclusive das próprias pautas identitárias no mundo real.

Ou voltamos a nos lembrar dos pobres, da luta de classes, ou em breve, tudo será apenas “representatividade’ (burguesa).

Redação

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