Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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Albert Einstein, a relatividade e o Brasil, por Urariano Mota

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Por Urariano Mota

Num 21 de março de 1925, Albert Einstein passou pelo Rio de Janeiro. Depois, voltou em 4 de maio  Mas quase ninguém fala do desastre cômico da passagem do cientista pela boa sociedade do Brasil. Muitos personagens daquela elite continuam vivos, com uma atualidade arqueológica.

Na chegada de Einstein ao porto do Rio de Janeiro só não lhe tocaram Cidade Maravilhosa porque a banda não podia tocar o que ainda não existia. Mas as fotos mostram o cientista em um mar de curiosos, que lhe acenavam e sorriam como se ele fosse um astro de cinema. Se tivesse tempo para refletir, certamente ele diria o que certa vez comentou Borges, ao ser cumprimentado por muitas pessoas nas ruas de Buenos Aires: “eles acenam para um homem que pensam que sou eu”.

Dali, sempre cercado por uma comitiva das mais doutas toupeiras, visitou o Presidente da República e deu três conferências, no Clube de Engenharia, na Escola Politécnica e na Academia Brasileira de Ciências. Com direito a almoços e jantares nos intervalos, em locais diferentes, no prazo de uma semana.

Não havia entre os doutores que o cercavam um só físico ou matemático. Os doutores eram médicos, advogados, políticos, militares, embaixadores e  engenheiros. Eram os doutores clássicos do Brasil, donos de uma posição social, e que por isso mereciam e merecem o tratamento honroso, como o chamado Doutor Jornalista Roberto Marinho. Com tal gente, o resultado foi o que se viu.

Na primeira palestra, no Clube de Engenharia, o salão ficou completa e absolutamente lotado. Políticos, graduados oficiais das três forças armadas, altos funcionários, engenheiros, esposas, filhos e filhinhos, todos muito unidos na mais absoluta ignorância do que vinha a ser aquele indivíduo estranho e suas ainda mais estranhas e cabeludas ideias. Com a vantagem, que os deixava ainda mais unidos, de não entenderem uma só palavra da língua alemã. O que importava era ver o homem famoso em ação.
Einstein anotaria em seu diário, mais tarde: “Às 4 horas, primeira conferência no Clube de Engenharia numa sala superlotada, com ruído da rua, as janelas abertas. Não tinha nenhuma acústica para que me entendessem. Pouco científico”.

No dia seguinte, para ser mais científico, foi à Academia Brasileira de Ciências. Se alguma dúvida ele possuía que estivesse no Brasil, ali os acadêmicos trataram de resolvê-la, porque lhe fizeram três longos, vazios e tenebrosos discursos. Entre outros, falou o doutor Juliano Moreira, Vice-Presidente, sobre a influência da Teoria da Relatividade na Biologia. É lamentável faltar um registro preciso desse discurso, pois teríamos um documento importante do nível mental daqueles acadêmicos.

Então veio o melhor dia. Na terceira e última palestra, na Escola Politécnica, não houve a invasão do grande público, das senhoras mães com seus filhinhos, dos oficiais com galões e de velhos generais do século dezenove. A julgar pelos jornais, “o Professor Einstein pôde desenvolver a sua palestra sob um ambiente tranqüilo, e dessa maneira os cientistas brasileiros acompanharam-no passo a passo na sua exposição”. Nem tanto, e por favor acreditem, porque nada é mais rico que a própria realidade. Um desses grandes nomes da ciência, um desses físicos foi o jurista Pontes de Miranda! Ele, a falar em alemão, desafiou Einstein, para maior fascínio dos doutores presentes:

– Data venia, Herr Einstein, a Teoria da Relatividade não considerou as implicações metafísicas das hipóteses que aventa. Das ciências físicas até as ciências jurídicas a diferença é de grau…

A plateia delirou diante de tal brilho. O cientista sorriu e manteve silêncio. Quando acabou o discurso do jurista, que derrubava a Teoria da Relatividade naquele tribunal, o físico se levantou, e como a se despedir entregou a um dos acadêmicos um papel onde se lia:

“A questão, que minha mente formulou, foi respondida pelo radiante céu do Brasil.”

Era uma referência ao eclipse do Sol, observado em Sobral, no nordeste brasileiro, que em 1919 comprovara a previsão do cientista quanto à deflexão da luz pelo campo gravitacional do Sol. Mas assim não entendeu bem o ilustre jurista, que ao ler aquelas palavras interpretou-as como uma resposta à sua intervenção. Pois não era de sol e azul o céu do Rio de Janeiro?

Sim, salvo melhor juízo.  

*Diário de Pernambuco http://www.impresso.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/cadernos/emfoco/2017/03/20/interna_emfoco,165127/albert-einstein-a-relatividade-e-o-brasil.shtml

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Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

20 Comentários

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  1. Comme il faut …

    Claro que tinha que ocorrer a cereja no bolo, ou melhor, um jurista brasieleiro se metendo a falar do que não entende. Um país que se queira atrasado só precisa de duas coisas: mais idiotas brincando com celulares e mais juristas em suas arengas incompreensíveis !

    1. Pontes de Miranda…

      Pontes de Miranda morreu em 1979, com 87 anos. Quando eu entrei na faculdade de Direito, em 1989, ele já era sinônimo de vetusto, de atrasado. Citar Pontes de Miranda era motivo de chacota, ou algo que fazíamos em tom de piada.

      Pois acredita que ainda hoje uma penca de advogados novos, meninos recém-formados inclusive, adoram citar Pontes de Miranda? Uma vez encontrei com um, que foi meu aluno, carregando um livro do sujeito, que havia garimpado em algum sebo aqui do DF. Orgulhoso, contou-me ter profunda admiração por Pontes de Miranda, e que este era tão gênio que sabia escrever haicais em japonês!

      Nunca procurei saber se essa informação sobre os haicais é verdadeira. E se fosse, pra mim seria tão importante quanto a primeira fralda que usei…

      1. Foi o que imaginei …

        E não é que a RT está republicando o tal “Tratado de Direito Privado” dele ? Atualizado (dizem … Se é que é possível.)

        Estou convicto que nossos juristas são os artífices do atraso do país: grandes beletristas, egos inflados e nenhum senso da realidade. Achar que Sérgio Moro entende de Brasil é ser pra lá de tolerante. Melhor dizendo: não é pela falta de juristas que as instituções são um lixo, mas pela presença deles.

         

  2. A mesma estupefação

    A mesma estupefação embasbacada ocorreu quando o Sex Pistols passou pelo Brasil. Só que desta vez as doutas toupeiras que cercavam os membros da banda eram os jornalistas brasileiros.

  3. Quanto menos alguém entende dum assunto, mais ele deita falação

    “Data venia, Herr Einstein, a Teoria da Relatividade não considerou as implicações metafísicas das hipóteses que aventa. Das ciências físicas até as ciências jurídicas a diferença, saiba, é de grau. A Física mantém um pacto com o mundo da sociedade também, e é pacto que tira e põe, mas não deixa intacto o que estava. A questão é tanto mais delicada quanto a afirmação de não se poder alegar o erro e a de se exigir a capacidade objetiva e o além da capacidade objetiva, que leva a argumentos a favor de uma e de outra opinião. Falta na Teoria da Relatividade o conhecimento, a informação de que não é só o mundo em si, an sich, de que ela trata. Há de se ver que nas suas consequências falta o desdobramento de um mundo para nós, für uns…” Pontes de Miranda

    Essa intervenção Pontemirandiana se parece com aquele trecho de o ‘Rei está nu” que trata do Ministro da Cultura, Curador das Artes do Reino,  contando ao Rei que teria visto os Tecelões tecendo a sua nova roupa, inobstante os Tecelões não estarem tecendo porra nenhuma:

    “Majestade, a sua nova roupa é um trabalho sublime… em seus aspectos de inconcretude material… hã… uma obra-prima em sua fundamentalidade semântica… e visualidade sígnica… hã… o imagético e o invisível se fundem num todo de… hã… expectativas estético-formais… neste simulacro crítico… se percebe a função… hã… as funções, semióticas… da transcendente imaterialidade da arte…

    Assim, neste procedimento referencial do não-objeto… hã… em sua virtual vacuidade… o deslocamento do olhar… em sua intensa… hã… re-significação… a obscurecer ao limite extremo… toda e qualquer possibilidade de reflexão perceptiva… hã… insere-se nesta vertiginosa… pós-modernidade… hã… Mas, por outro lado… o discurso estético… das poéticas da segunda metade do século XX … hã…”.

     

    “Quanto menos entende, mas deita falação
    Pedro Mundim 17/12/2010 12:22
     

    É paradoxal: o estudioso, após anos de estudo, consegue entender de um ou dois assuntos; o ignorante já nasce sabendo tudo! Uma coisa que me impressiona aqui no CMI é como o pessoal deita falação sobre temas de que não entende nada. Esquerdista sempre tem resposta para tudo. Não cola, mas eles têm. Na verdade, não leram nem O Capital, haja visto a salada que volta e meia eles fazem aqui com conceitos marxistas… Se os esquerdistas se dedicassem a falar apenas sobre o que realmente entendem, se faria um grande silêncio, que eles poderiam aproveitar para o estudo.

    É óbvio que a estabilização da moeda tem uma relação direta com o aumento do poder aquisitivo da camada mais pobre da população. Não só o pobre só dispõe de papel-moeda, que se desvaloriza enquanto as aplicações financeiras do rico só ganham valor com a inflação, como também o pobre não tem a quantia necessária para pagar à vista, e depende de financiamentos longos e de juros razoáveis para comprar sua geladeira nas Casas Bahia. Esses crediários só existem em um quadro de estabilidade da moeda. Lula sempre soube que a fórmula de seu sucesso repousava na estabilidade herdada de FHC, graças a ela o pobre melhorou de vida e pôde dar apoio ao governo. O resto foi usar o seu carisma para fazer as pessoas acreditarem que era ele o verdadeiro autor do tempo das vacas gordas, e deixou as vacas magras para FHC.

    Mas o paradoxal é que, ao invés de idolatrar o presidente que abriu caminho para o sucesso político das esquerdas, os esquerdistas, ao contrário, abominam-no com um ódio tão intenso, esforçaram-se para queimar o filme dele com tal disposição que hoje até o partido de FHC evita vincular-se a seu legado. A explicação? Lula já deu: não se pode dar cavalo-de-pau em um transatlântico. No tempo da inflação, o Brasil era uma pista de kart’s; FHC transformou-o em um transatlântico. A esquerda sente saudade dos cavalos-de-pau, fechadas, pegas e bandalhas que podia fazer no tempo em que o país era uma pista de kart’s. FHC possibilitou que os esquerdistas chegassem ao poder, mas ao preço de domesticá-los, obrigando-os à racionalidade econômica e à prática do capitalismo. Ele jamais será perdoado por isso.”

    http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2010/12/482565.shtml

    Será que o Pontes de Miranda era socialista?

  4. A velha senhora corrupção…

    Ele tinha um “colega” que dava aulas de física na USP e tinha saido dos EUA por causa do Macartismo e numa carta revelou a tristeza que sentia pelo povo brasileiro governado por “corruptos”!

    O Einstein sabia isso também!

    Ele sabia muitas coisas…

    Isso vem de longe…

    Corrupção aqui é mundialmente famosa, e há tempos!

    Só o MP se espanta…

    1. MP se espanta mas não abre mão dos supersários supra-tetos

      Dallagnol abriu do supersalário fura-teto e disse que vai devolver tudo que lhe foi pago indevidamente. Moro disse a mesma coisa.

  5. Reza a lenda que Austregésilo

    Reza a lenda que Austregésilo de Athayde ciceroneou Einstein e que Einsten ficou intrigado com o caderninho de anotações de Athayde. O jornalista sacava o caderninho a todo o momento para anotar algo. Einstein perguntou: “O que você tanto anota aí?”. Austregésilo respondeu: “Toda vez que eu tenho uma ideia, eu anoto, senão eu esqueço. Você não anota suas ideias?”. E Einstein lascou: “Só tive uma”.

    1. Tudo junto e misturado

      Desde 1925 a elite brasileira passando atestado de não saber nada e querer falar de tudo.
      Pedantismo, falsa erudição, coloca tudo num liquidificador. É o mix tupiniquim

  6. O Pontes de Miranda ignorava que o Einstein não era metafísico

    Ninguém avisou ao Pontes de Miranda que o Einstein era físico, e não metafísico?

    Porque pagamos tantos micos gratuitamente?

    Calado, o Pontes de Miranda era um jurista.

  7. Achei estranho Urariano Mota

    Achei estranho Urariano Mota situar Sobral “no nordeste brasileiro”. O Nordeste é composto por nove estados. Não custava nada dizer que Sobral fica no Ceará.

    1. Custava tanto quanto afirmar que Macaé fica no Brasil

      Você quer fazer tempestade num copo d’água. Ora, porventura, Sobral não fica no Nordeste?

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