Algumas questões sobre psicologia-paciente identificado, por Matê da Luz

Por Matê da Luz

Você já fez terapia? Não? Não precisa, né? Ninguém precisa, afinal… o problema é a mãe, o cachorro, o gato, o pai, os irmãos e nunca as decisões que tomamos pra lidar com cada um deles. E quem faz terapia tem mania de psicologizar tudo, né? Uhun, tem sim, porque vez ou outra esta é a única forma de manter/equilibrar/viver sem se perder, porque haja normativa pra atenuar alguns cenários familiares. 

Eu, que acredito piamente em motivação evolutiva, aquela que diz que cada um “cai” na família que tem que cair pra que possa desenvolver algumas aptidões, engrosso o coro que diz “procure análise, procure análise, procure análise”, especialmente quando muito tudo e qualquer coisa começar a cair nas suas costas. Toda família, enquanto grupo, tem seus contextos, seus segredos, suas dinâmicas – até aí, ok. Doentio mesmo é quando enorme parcela das respostas para as problemáticas recai sobre um elemento, transformando esta pessoa no paciente identificado, um dos fenômenos terapêuticos mais complexos de desenvolver, na minha opinião, pois mexe com ciclos enormes e profundos de pertencimento, identidade e amor – que, em algum momento, alguém falou, deve ser disso que se tratam as famílias (mesmo que a gente saiba que nem é preciso chegar tão perto assim pra perceber que, bem, o buraco é mais embaixo).

Encontrei um texto que descreve bem a questão do paciente identificado e quero compartilhar com vocês, reiterando a dica: se sua família tem 10 problemas e fala que a causa de cinco deles está localizada em você, procure um analista, procure um analista, procure um analista – é bem provável que você seja ete tipo de pessoa. 

Por: Daniela Carneiro, psicóloga

Uma família cujo funcionamento é repleto de dificuldades é aquela que responde as exigências internas e externas de mudança padronizando seu funcionamento. Significa que relaciona-se sempre da mesma maneira, uma forma rígida, que não permite possibilidades de alternativa, ocorrendo um bloqueio no processo de comunicação familiar. Paradoxalmente, ainda que este comportamento pareça doentio, ele tem que ser mantido, mesmo que para isso um membro da família seja eleito para ‘ser’ ou ‘ter’ o problema. Os sintomas do ‘paciente identificado’ constituem a expressão de uma disfunção familiar e o tratamento deve ser feito considerando as inter-relações que se estabelecem no grupo. As famílias que estão doentes podem eleger um dos membros para ‘representar’ a doença da família […](SAMPAIO, 2007).

O indivíduo portador do sintoma, na família, recebe o nome de paciente identificado. Ele é o elemento que “porta o problema” do grupo, conhecido na terapia sistêmica por “dar uma carona a todos”.

O que habitualmente leva uma família à terapia são os sintomas de um dos seus membros. Ele é o paciente identificado, a quem a família classifica como “tendo problemas” ou “sendo o problema”. Mas, quando uma família rotula um dos seus membros como “o paciente”, os sintomas identificados podem ser pressupostos como sendo um recurso de um sistema em manutenção ou de um sistema mantido. Os sintomas podem constituir uma expressão de uma disfunção familiar ou podem ter surgido no membro individual da família, devido a circunstâncias da sua vida particular e, então, terem sido apoiados pelo sistema familiar.

Em qualquer caso, o consenso familiar de que um membro é o problema indica que, em algum nível, o sintoma está a ser reforçado pelo sistema (MINUCHIN, 1982, p.108).

O Paciente Identificado é uma tentativa de equilíbrio de um sistema disfuncional em si; o eleito, com a finalidade de servir aos demais, submete-se a essa exigência em um processo auto-destrutivo. Torna-se o depositário dos problemas subjacentes do grupo. O indivíduo torna-se “o” membro problemático por meio dos principais controladores do grupo (comumente os pais), e, por decorrência da pressão emocional incumbida, este se dá acreditado em ser realmente o único e grave problema. Consequentemente, assume todas as responsabilidades sobre o ato familiar. Faz-se importante referir que, como os pais são os principais transmissores de conhecimento (afetivo e intelectual) da estrutura psíquica do indivíduo, e, em especial neste caso, os limites (o superego), os filhos tornam-se muito sucessíveis as suas pressões e desejos. A família vive uma ilusão supondo que, se resolver o problema deste indivíduo, os demais problemas serão resolvidos. A família persegue o “bode expiatório”, fantasiando que ao livrar-se dele, livra-se dos conteúdos indesejáveis nele projetados.

A família tem geralmente identificado num membro a localização do problema.[…] E espera que o terapeuta se concentre nesse indivíduo, trabalhando para mudá-lo. Para o terapeuta de família, porém, o paciente identificado é somente o portador do sintoma; a causa do problema são as transações disfuncionais da família; e o processo de cura envolverá a mudança destas transações disfuncionais (MINUCHIN; FISHMAN, 1990,p.37).

Os conteúdos problemáticos dos principais elementos coordenadores do grupo (dos pais) são projetados e introjetados nos filhos, não sendo mais preciso que ele funcione como intermédio entre os pais e suas dificuldades emocionais. O “Bode Espiatório” é elemento importantíssimo para o terapeuta quando o enfoque do trabalho é o grupo, na medida em que é porta voz da problemática familiar e via de acesso ao inconsciente familiar, pois expressa os conteúdos que na verdade são de todos.

Mariana A. Nassif

3 Comentários

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  1. Constelação Familiar

    Por isso, vejo que é muito importante o trabalho de Constelação Familiar, que ajuda a identificar as causas das disfunções familiares, ao invés de ficar apenas olhando para os sintomas que recaem, muitas vezes, com mais intesidade em um dos membros da família.

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