Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Brasil, o verde proibido, por André Motta Araújo

O valor das nossas florestas está na biodiversidade de flora e fauna e não no capim que se coloca depois do desmatamento.

Amazônia devastada – Foto Araquém Alcântara

Brasil, o verde proibido

por André Motta Araújo

O Brasil é o terceiro País do planeta em área florestada, perdendo para a Russia e Canadá. Em percentagem do território florestado perde para o Japão.

O Brasil tem 4,77 milhões de quilômetros quadrados de florestas, a Russia tem quase o dobro, 8,14 milhões de quilômetros quadrados e o Canadá também tem mais que o Brasil, 4,91 milhões de quilômetros quadrados. Já em percentagem do território, Russia, Canadá e Brasil estão próximos, mas países da Europa e Ásia têm mais percentagem do território florestado que o Brasil, que tem 56% de florestas, o Japão tem 67%, a Finlândia tem 72% e a Coreia do Sul tem 63%, já a Estônia tem 61%. Os EUA estão como a Europa, tem 1/3 do território florestado e crescendo, hoje são 3,1 milhões de quilômetros quadrados.

É uma lenda contada por anti-ambientalistas que a Europa devastou suas florestas. Não devastou! A Alemanha tem um terço de seu território com florestas, todos os países europeus têm boa cobertura florestal, os países nórdicos têm a maior parte do território florestado, muito mais que o Brasil.

Mas o que o Brasil NÃO tem é o amor pelo verde. Capitais da Amazônia, como Manaus, Boa Vista, Porto Velho surpreendem o viajante que se aproxima de avião, veem cidades cruas, peladas, feias, com muita construção, poucos jardins, praças vazias, ruas de asfalto e cimento, sem árvores. E isso na Amazônia.

AS CAPITAIS TEM POUQUÍSSIMO VERDE, parece que não gostam de árvores, a exceção é Belém. No interior do Estado de São Paulo é chocante a falta de arvores nas cidades médias, deveriam ter muito mais verde, mas tudo indica que não gostam de árvores, acham que “progresso” é cimento.

O mais impressionante são os conjuntos de moradias populares. Os mais novos e imensos paliteiros em São Paulo, Jundiaí, Campinas, Osasco e Guarulhos NÃO TÊM UMA ÁRVORE. Em São Paulo, nos pátios de estacionamentos de shoppings e supermercados NÃO HÁ ÁRVORES, nem arbustos , espaço não falta, falta bom gosto, educação, cultura, civilidade, sobra cafonice, os bregas não gostam de vegetação, gostam de lenha para churrasco.

Nos prédios de apartamentos de classe média, média alta e da elite rica, há poucos e rasos jardins, NÃO HÁ FLOREIRAS NAS JANELAS E POUCAS PLANTAS NOS TERRAÇOS, isso é cultural, não há falta de dinheiro ou de vontade, falta CULTURA E CIVILIDADE, para gostar de plantas é preciso bom gosto.

Em Buenos Aires, praticamente todos os prédios de apartamento da área central, de classe baixa, média e rica tem floreiras nas janelas e plantas nos terraços, além da abundância de parques e praças por todo centro, Palermo, Zona Norte, Palermo Chico, muito verde, como eles gostam de flores, dão outra visão da cidade, muito mais agradável, além de ajudar muito na despoluição do ar. Nos arredores da capital argentina nem se fala, em Olivos,  Martinez, San Isidro, San Fernando, há muita vegetação, ruas todas arborizadas com bom gosto e cuidado, o mesmo em Cordoba e Mendoza.

O VERDE NAS COMUNIDADES

Nas comunidades pobres das grandes e médias cidades brasileiras a ausência de verde contribui para a má qualidade de vida e o aumento das tensões sociais. O verde civiliza e acalma. São Paulo tem uma Secretaria do Verde que faz pouquíssimo. Falta verde nas avenidas, nos parques, nas encostas, nas praças. O que resta de boas árvores em São Paulo, nos Jardins, Higienópolis e em Santo Amaro são resquícios de gerações antigas e educadas.

São Paulo dos anos 20, 30 e 40 era uma cidade quase europeia, altamente civilizada,  elegante. Por isso ainda existem, e cada vez menos, árvores majestosas nas áreas mais antigas da cidade, cada vez menos porque nunca foram bem cuidados, estão sufocadas por cimento e por ignorância, sem conservação. Nas grandes chuvas e ventos caem, em um só dia, 200 ou até 500 árvores em SP, frágeis e apodrecidas pelo sufocamento, falta de trato, de um mínimo de cuidados de conservação. Há muito  mau humor contra as árvores, tem gente que acha que atrapalham.

Por causa das quedas há paulistanos com raiva de árvores na cidade. Sugiro visitarem Berlim, que tem infinitas vezes mais verde que São Paulo, a mesma coisa em Paris e Londres. O VERDE VEM COM A CIVILIZAÇÃO E DESPARECE COM A IGNORÂNCIA, o verde é um termômetro de qualidade de vida.

A VEGETAÇÃO NAS MARGENS DOS RIOS

O Brasil tem o maior patrimônio fluvial do mundo mas muitos rios estão morrendo POR FALTA DE VEGETAÇÃO NAS MARGENS, é o caso do icônico Rio São Francisco, com vazões cada vez menores por dilapidação da cobertura vegetal nas margens. É uma insensatez porque prejudica o próprio desmatador.

Há outros efeitos prejudiciais na extinção do verde. SEM VERDE NÃO HÁ INFILTRAÇÃO DE ÁGUA NOS AQUÍFEROS. Sem verde, que segura as chuvas, os morros deslizam e provocam tragédias, como as do Rio de Janeiro neste ciclo de chuvas, isso já se sabe desde a descoberta do Brasil.

O VERDE NA AGRICULTURA

Imensas plantações de soja SEM UMA ÚNICA ÁRVORE ao lado, como barragem de ventos, não se perde um grão de soja se houver de quando em quando uma cortina verde nas plantações. Quem conhece a França de balão vê que em todas as plantações e pastos há florestas de árvores de trecho em trecho no entremeio do solo produtivo, em distâncias curtas. A França inteira, e a Alemanha também, é uma agricultura com jardins no meio. A função não é apenas estética, é funcional. A floresta de entremeio segura as chuvas e protege as plantações e pastos. Aqui nem se cogita, para atestar a ignorância.

Temos uma imensa área de pastagens degradadas no Brasil, que se avalia em 1,4 milhões de quilômetros quadrados, terras com erosão e perda de eficiência agriculturável por falta de cuidados com a cobertura vegetal, uma imensa área improdutiva, erodida, com riachos secos e brotamento de pragas.

A AUSÊNCIA DE CULTURA DO VERDE

Verde é civilização, os bárbaros  não gostam de vegetação. Lembro de um estacionamento na rua Treze de Maio em São Paulo, de propriedade e usado pelo Empório e Padaria Basilicata, tradicional em São Paulo. Os carros paravam debaixo de lindas árvores. Um domingo cheguei e não havia nenhuma árvore.

Perguntei a um dos donos, respondeu, “cortei porque estava atrapalhando os carros”. As árvores estavam coladas aos muros, não atrapalhavam nada.

Nunca mais fui a esse empório, a estupidez do ato me chocou. No imenso estacionamento do Shopping Eldorado, em São Paulo, NÃO HÁ UMA ÚNICA ÁRVORE para ao menos fazer sombra aos carros. Em outros grandes shoppings é a mesma coisa. Árvores não tiram espaço, fazem a divisa entre espaços.

São Paulo tem sim uma pequena parte da sociedade com consciência do verde, mas a imensa maioria não está nem ai. Além do fator estético, a vegetação tem fundamental importância para a estabilidade do solo, a sua ausência causa tragédias porque as chuvas não encontram esgotamento e barreiras, o enraizamento das árvores segura a terra que sem isso vai junto com a chuva. É coisa que se sabe há 10.000 anos.

O PANO DE FUNDO ECOLÓGICO

O Brasil tem pela natureza grande reserva florestal, MAS ESTAMOS DESTRUINDO ESSE PATRIMÔNIO. Outras áreas do planeta já tiveram patrimônio vegetal natural e o perderam. O VALOR DAS NOSSAS FLORESTAS ESTÁ NA BIODIVERSIDADE DE FLORA E FAUNA e não no capim que se coloca depois do desmatamento. A BIODIVERSIDADE vale 1.000 o capim vale 1, derrubar floresta para plantar capim NÃO É DESENVOLVIMENTO, é burrice.

Já devastamos 15% da Amazônia e 93% da Mata Atlântica e continuamos a desmatar todos os dias do ano, uma hora a conta chega.

VERDE É SINAL DE CIVILIZAÇÃO, o Brasil está muito atrasado nesse grande indicador de  País desenvolvido.

AA

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

11 Comentários

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  1. Sem palavras para o post do André Araújo.. no RJ é a mesma coisa, fora as florestas não há cuidado da população com o verde, a situação é um pouco menos pior na zona sul. A propósito, só 15% da Amazônia foi desmatada?

  2. André,
    Que belo texto.
    É isto mesmo que percebo da classe média, odeiam árvores, porque as folhas sujam as calçadas.
    Na periferia é ainda pior, ruas inteiras sem uma árvore.
    Muito triste.

    1. só uma ressalva.. a classe média emporcalha as ruas Brasil afora, não é porque as folhas sujam as ruas que a classe média ideia árvores.. é de difícil explicação o ódio/desprezo da classe média brasileira ao verde, em nenhum outro país do mundo isto acontece.

    2. e com certeza, essa mesma classe média que vilipendia o verde brasileiro em Miami ou Nova York deve idolatrar os verdes de lá. É muito cafona a nossa classe média e elite.

  3. Isso é impressionante. Os arquitetos fazem uma meia duzia de viagens pra Europa e EEUU e voltam cheios de arquitetices, incapazes de trabalharem com árvores.

    Aqui no Rio, recentemente, fizeram um museu e refizeram a Praça Mauá: o que saiu foi uma esplanada revestida de chapas de concreto com uns tres ou quatro “pés de arvore”; até no inverno o chao fica “fervendo”…

    Deve ser pra nao atrapalhar a foto do “monumento” criado pelo “genio da arquitetura”… Não é o construtor individual disputando cada palmo de espaço na selva urbana regulada para o lucro imobiliario predatório, nao, é arquitetice mesmo.

  4. As árvores servem também, no ambiente urbano, para amenizar o calor, a poluição atmosférica e o ruído, além de mais algumas utilidades como prazer estético, valorização dos imóveis, etc.

  5. Morando em Brasília a 5 anos, isso é uma das coisas que mais me agrada aqui. O Plano Piloto é uma cidade-parque. Quando saio daqui e vou para qualquer outra capital vejo o desgraça que é.

  6. Excelente postagem.
    Isso parece coisa relativamente recente; em algumas regiões de alto poder aquisitivo da capital paulista, provavelmente por influência de urbanismo estrangeiro aqui no século passado, há alamedas monumentais – ruas largas ladeadas por grandes árvores – e onde a sensação de bem-estar ao passar é imediata, a respiração parece reconhecer que está em território favorável, e relaxa e sorri, rs.
    Moro no extremo leste da capital, e há algumas poucas ruas com essa característica também.
    Nas ruas próximas, um vizinho criou de maneira gradativa um jardim na calçada de sua casa, uma pintura a desafiar o deserto ao redor.
    A casa de minha mãe é uma mini-floresta com árvores frutíferas quase “voluntárias” onde vizinho/as amigavelmente colhem acerola, amora e outras dádivas gratuitas e inestimáveis da Natureza, e recentemente tive que ser pouco simpática com uma vizinha arrogante que veio exigir, de maneira invasiva e inaceitável, a retirada de uma árvore porque estava “invadindo” o espaço de sua casa… Ainda que tivesse o direito de reclamar por algo que caiu em seu telhado, a forma ofensiva com que se referiu às árvores como se fossem um inimigo perigoso e impondo a morte de uma delas – exuberante e que não respeitou limites artificiais mas apenas sua própria natureza de abraçar o espaço no entorno -, não apenas negociando a solução do seu problema mas querendo ditar ordens duvidosas na casa alheia (informada de que retirada de árvores, o que não era o caso, depende de autorização municipal, insistia em sua ânsia arboricida intolerável…), me fez ter desprezo pela humanidade refletida naquela atitude ignorante e autoritária. Outro dia, em outra rua, vi troncos cortados e galhos retorcidos, o que me partiu o coração e fez achar bem feito quando há enchente, quando não há sombra e ar puro para suportar o calor, quando têm que pagar caro por frutas mirradas e envenenadas na feira… Como cantou Renato Russo, “não tenho pena de ninguém” (Legião Urbana, O teatro dos vampiros).
    O resultado dessa estupidez é que na vizinhança não se encontram mais espécies de plantas medicinais e aromáticas como há vinte anos, e mesmo em nosso quintal muitas já não vingam…
    Só quem já tomou em ritual individual ou familiar um bom chá ou infusão de capim ou erva cidreira colhida à hora do consumo sabe que isso não tem preço e como aquece não só o corpo (lição da medicina chinesa) mas a alma…
    Não deve ser por acaso que pessoas que rejeitam a própria humanidade e a alheia tenham tanta hostilidade em relação à Natureza em todas as suas formas e expressões. Azar delxs, seguiremos “abraçadores de árvores”, como flores tênues que irrompem do asfalto quebradiço, porque viver é um milagre que não precisa de pedágio para acontecer, nem deve desculpas a ninguém.
    Enquanto isso, ricaço/as privatizam ilhas intocadas para desfrutar da Natureza com um bem de luxo, o que deveria ser um direito coletivo e público que sequer o povo reivindica mais, enganado por espelhinhos imprestáveis.

    Nelson Sargento e Chico César – Cântico à Natureza
    https://www.youtube.com/watch?v=DOmoIDpmrU4

    Sampa/SP, 15/04/2019 – 17:48

  7. Já tratei sobre essa questão em diversas conversas particulares. O que me causa transtorno, é a falta de parques, áreas verdes por número de habitantes. O subúrbio do Rio de janeiro é clássico nisso, um amontoado de gente, sem uma área para levar as crianças ou apenas para uma caminhada. A zona norte tem a Quinta da boa vista e a floresta da Tijuca graças a preocupação da família real. A Barra da Tijuca que é um bairro relativamente novo, é um fracasso em urbanismo. A Avenida das Américas é caldeirão a céu aberto.

  8. Uma correção
    A Europa destruiu sim suas florestas, ocorre que está recuperando suas àreas.
    A prova disso é que com o terrível incêndio da catedral de Notre Dame, os especialistas estão anunciando que o telhado jamais será recuperado conforme o original, haja vista não mais existirem carvalhos das dimensões daqueles usados originalmente.
    Ou seja, se a Europa não devastou suas florestas, onde estão esses carvalhos antigos?

    1. È evidente que havia mais florestas há 800 anos do que hoje, em qualquer lugar. Mas isso não significa que a Europa devastou suas florestas, a França tem hoje 36,76% de seu solo florestado.

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