Carta para a mulher que vem aí, por Mariana Nassif

Imagem: Fragmentos de obra de Klimt

Carta para a mulher que vem aí, por Mariana Nassif

Olá, estranha.

Dessa vez não posso falar que sei como você se sente, porque realmente existe algo muito desconhecido acontecendo por aí, não é mesmo? Não é como daquela vez, aos 19 anos, quando você fez um exame de sangue e mesmo tão nova não temeu o resultado – desejos de alma, encontros programados, um amor tão grande que precisa de dois peitos pra habitar, a gente sabe como se deu. Gestar filho é forte, claro, não há dúvida alguma sobre isso.

Mas gestar mãe? Nossa, não há texto ou troca de experiência nem com quem já passou por este processo que possa acalmar a tormenta que este nascimento promove. Não, não é só porque você é de Iansã, mas pode ser que sim, você sinta as coisas todas com intensidade e velocidade sempre viscerais. Ainda tem isso de você ser sagitariana e gostar muito da rapidez de cavalgar pela vida, ah, esse vento sempre batendo no rosto, eu sei como é. Acontece que os tempos mudaram. Além daqueles que você conhece, marcados pela obrigação de um, três, cinco e sete, inicialmente, tem um outro fator que corre junto e que você vem tentando desvendar, tenho te olhado, que coloca uma maiúscula no começo disso tudo e vira areia que a gente não dá conta de segurar. É difícil dar conta do que a gente não vê, só sente, mas posso te dar uma  sugestão? Dance.

Deixe fluir essas sensações que você acha que não te cabe mais e que andam insistindo pra serem sentidas, especialmente as de insegurança. Como bem disse aquela amiga que sim, gosta muito de você, “isso já não te pertence mais”., e você mesma sabe que quando a gente fica quase obcecado em sentir algo, pode ser uma chance enorme de aproveitar que está tudo na superfície e passar uma peneira que nem aquelas de piscina pra limpar – sim, tá certa, tem que fazer isso com cuidado pra sujeira não espalhar tudo de novo, não ir pro fundo, onde é mais difícil de pegar e, então, te peço: respira. Respira e dança. Além do que, você sabe cuidar.

É, eu também não sei de onde aparece tanta lágrima assim, entendo tua ânsia para estra feliz e segura, não foi pra isso que passou por todo esse tanto? Passou não, está passando. Não acabou só porque o grito foi dado, as cores e o amor, ah, que saudade dele, foram liberados. Não acabou, lembra? Pra morrer a gente leva uma vida e, neste caso, quando a gente morre por escolha pra se comprometer a renascer em vida, olha só, já é complexo demais de explicar, imaginar de sentir. Tá tudo bem. Dance. E chore, menina, porque cada choro teu é sentido como uma despedida que dá lugar pra entrar a mulher que você quer ser, essa que até pouco tempo atrás era apenas um sonho, um projeto desconfiado de possibilidades e, desde que você sentiu a potência de nunca mais estar sozinha, porque agora sua mãe mora dentro de você, vem bailando nos salões desconhecidos dos seus arredores, pode chorar porque ela te ocupa de carinho enquanto você acha que aquilo é um adeus. Ela não vai te deixar, ela está só começando a chegar, mas precisa de espaço pra quê? Pra dançar.

Ah, esse medo. Quantas noites você já atravessou conversando com ele? Percebe que é um velho conhecido teu, e que não há momento mais propício para se despedir também destes convidados habituais? Você pode não querer, isso eu sei que é algo muito, muito novo de verdade por aí e, olha só, pode querer gritar pra falar não. Minha sugestão é que não grite, pelo simples fato de que você não precisa mais, exceto cantando aquela música da Alanis no chuveiro, deste lugar que quando você povoa, abre a janela e olha o mar.

Pronto, taí: quando você ficar com medo do que está acontecendo, e, inclusive, quando ficar aflita por aquilo que não está acontecendo, olha pra trás. Pode olhar bem atrás mesmo, lá longe, onde essa coisa toda começou. Olha lá e vem caminhando, pode voar até aqui se preferir – esse tempo é seu, sim, e sempre vai ser. Olha, abre a janela que tem no chuveiro, chora profundo e me diz: em algum momento você se imaginou aqui? Não, né? Viu, agora pode confiar. O invisível existe e pode ser muito maior do que insistiram em te contar.

Leia novos livros, cultive novas conversas, experimente comidas e sinta saudades. Pode deixar o amor entrar, não é ele que machuca, mas a inabilidade de se despedir quando ele quer sair – e isso só dói em quem nunca experimentou nova chance de encontrar (e você já). Aprenda as rezas em ioruba, tome água enquanto toma vinho, prepare o café da manhã somente se estiver om fome. Use sua mágica para ser feliz, compre um freezer maior, guarde dinheiro e boas lembranças, não esqueça de colocar o anti-mofo debaixo da escada e, quando nada do que eu sugeri aqui fizer sentido, dance.

Mariana A. Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador