“Contágio”, “American Factory” e coronavírus: guerra semiótica ou armas biológicas?, por Wilson Ferreira

Como sempre, encontramos sincronismos, conveniências, timing com a velha pergunta em mente: quem ganha com o medo da pandemia?

por Wilson Ferreira

Milhões de pessoas em quarentena por ordem do Governo chinês. Uma misteriosa mutação de um coronavírus surge numa província da China, ameaçando dar início a uma pandemia, provocando alerta global da OMS. Esse é um breve resumo das notícias de uma crise que apavora o mundo, com expectativas de consequências econômicas imprevisíveis. Mas também é o plot do filme de 2011 “Contágio” de Steve Soderbergh. Muitos cinéfilos estão apontando as incríveis coincidências entre ficção e realidade. Ao mesmo tempo, o documentário “American Factory” é o favorito ao Oscar, no qual os chineses figuram como exploradores capitalistas que compram uma fábrica falida da GM para destruir sindicatos e oprimir americanos.  Estamos em meio a uma guerra semiótica como arma híbrida dentro da batalha comercial e geopolítica EUA vs. China? Coronavírus é uma arma na guerra da informação ou uma arma biológica? Será que mais uma vez a ficção hollywoodiana (e dessa vez também um game chamado “Plague Inc.”) é usada como arma semiótica para tornar verossímil eventos arbitrários? No mínimo, os fatos apontam para uma dúvida plausível – como sempre, encontramos sincronismos, conveniências, timing com a velha pergunta em mente: quem ganha com o medo da pandemia?

O ator Jack Nicholson surpreso olha para trás onde está suspenso um enorme telão, no fundo do palco da 85o cerimônia do Oscar 2013 em Hollywood. Nele aparece a imagem de Michelle Obama em um link ao vivo direto da Casa Branca. Ela tem em suas mãos o envelope com o vencedor da categoria Melhor Filme, abre o envelope e anuncia: “E agora o momento que todos aguardavam… e o Oscar vai para ‘Argo’”. 

A presença da imagem da primeira dama da maior potência bélico-militar do planeta no principal evento da indústria cinematográfica transmitido ao vivo para todo o mundo foi um acontecimento rico em significados – ainda mais quando Michelle Obama anunciou como vencedor o filme cujo tema foi uma bem-sucedida ação da inteligência dos EUA durante a crise diplomática dos reféns norte-americanos no Irã em 1979, em uma operação de resgate que envolvia a criação de uma falsa produção cinematográfica que supostamente seria rodado naquele país.

Esse foi mais um exemplo das conexões entre o sistema audiovisual hollywoodiano com o complexo militar-diplomático norte-americano. Desde os filmes patrióticos como aqueles que promoviam dos novos heróis pós-depressão econômica de um país revitalizado pela vitória na Segunda Guerra Mundial passando pela chamada “política de Boa Vizinhança” com personagens fílmicos como Carmem Miranda e Zé Carioca para agradar e cooptar os países da América do Sul na época da Guerra Fria e a ameaça comunista.

Até chegar aos filmes e minisséries dos anos 1960-70 que tornaram o american way of life desejável para todo planeta e os filmes de ação com personagens como Rambo ou Braddock, na era do governo Ronald Reagan, produzidos para promover a autoimagem militar de um país derrotado no Vietnã.

 

Pacientes assustados e doentes sobrecarregam os hospitais, onde o pessoal médico em roupas de proteção apressa-se para tratá-los. Enquanto isso, aeroportos fecham, centros urbanos esvaziam, quarentenas e bloqueios atingem milhões de viajantes.

Essas cenas foram exibidas no centro da China, após o surgimento de um misterioso coronavírus que matou 26 e infectou mais de 900 naquele país. O vírus também infectou um pequeno número de pessoas em Hong Kong e em outros países, incluindo Tailândia, Japão, Taiwan e Coréia do Sul. Também existem dois casos confirmados na França e dois nos Estados Unidos, especificamente no Estado de Washington e em Chicago.

 

 

Contágio da realidade pela ficção?

Mas essas cenas também foram exibidas no thriller de 2011 chamado Contágio (Contagion). Dirigido por Steve Soderbergh, o filme contou com um elenco estelar: Gwyneth Paltrow, Matt Damon, Kete Winslet, Jude Law, Laurence Fishburn, Elliot Gould, Marion Cotillard, Bryan Craston entre outros. vivendo um cenário da vida real em que uma mutação do vírus influenza letal e veloz chamado MEV-1 está se espalhando pelo mundo.

Contágio talvez tenha mostrado o vírus mais verossímil da história do cinema, elogiado por epidemiologistas e virologistas pela precisão científica – foi criado pelo roteirista Scott Burns em parceria com a escritora Laurie Garrett, autora do livro A Próxima Peste. O modo de transmissão, os sintomas e a mortalidade foram inspirados no misterioso vírus Nipah da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Severa), e na gripe espanhola.

Em todo mundo, pelas redes sociais, muitos estão apontando a espantosa semelhança entre o roteiro do thriller de 2011 com o atual surto cuja origem (assim como no filme) está numa província no interior da China – porém, pelo menos ainda, nada como o cenário do juízo final de uma pandemia que se desenrola em Contágio.

Será que é a vida imitando a arte? – poderíamos meditar com os nossos botões… 

Essa diluição entre as fronteiras entre ficção e realidade fica ainda mais surpreendente com o mix de entretenimento, cultura pop, com a ameaça de uma pandemia. Em meio ao surto de novo coronavírus, chineses procuram uma saída improvável através de um aplicativo de jogo, o Plague Inc., cujo objetivo é bastante niilista: “trazer o fim da história humana”.  Criado pela Ndemic Creations há oito anos, sediada no Reino Unido, tornou-se o aplicativo mais vendido na China nos últimos dias – clique aqui.

O jogo permite que os usuários desenvolvam um vírus mortal e o transformem em uma pandemia global antes que a comunidade científica possa encontrar uma cura. Forma de criar algum alívio cômico ou psicológico no meio do pânico e paranoia? Uma maneira de eliminar o medo olhando diretamente para o medo?

 

 

Um filme moralista

O filme Contágio é extremamente moralista, dentro dos cânones dos filmes de propaganda política hollywoodiana – o Mal sempre é estrangeiro e furtivamente invade os EUA: de um lado uma pandemia cuja origem está no coração da China; e do outro, um jornalista free-lancer britânico (Jude Law), um blogueiro especializado em teorias da conspiração, negacionista anti-vacina, que tenta lucrar com a tragédia.

Quem inadvertidamente permite a entrada do vírus nos EUA é Gwyneth Paltrow, uma esposa adúltera (sexo) que foi contaminada num cassino (jogo) chinês. E, claro, seu marido (um exemplar pai de família, Mat Dammon) possui uma imunidade inata ao vírus… 

China: do BRICS aos RAVs

Esses sincronismos começam a ficar significativos quando a China entra no roll dos RAVs (Russos, árabes e vilões em geral) dos filmes hollywoodianos a partir do momento em que se torna uma das lideranças dos BRICS, ameaçando o xadrez geopolítico hegemônicos dos EUA a partir de 2006.

 

 

Enquanto os blockbusters evitam vilões chineses pela necessidade óbvia de terem bilheteria no maior mercado do planeta, produções visando outros mercados carregam na vilania asiática: Dr. Gao (Lab Rats), Imperador Wan Lo (TaleSpin), General Fang (Around The World in 80 Days), Sun Lok (The Sorcerer’s Apprentice), Madame Gao (Demolidor, Punho de Ferro) entre outros, além de produções sobre uma supostas ameaças ocultas chinesas como plot: Claws of the Red Dragon (drama inspirado na denúncia dos EUA contra a gigante chinesa de telecomunicações Huawei, considerada uma “ameaça à segurança nacional” por Trump), Trump vs China, Triple ThreatThe Great Wall etc. 

American Factory: exploradores capitalistas chineses

E o exemplo mais recente dessa, por assim dizer, guerra fria e comercial com a China não poderia deixar de ser o documentário favorito ao Oscar, American Factory, documentário feito pela produtora de Barack e Michele Obama – por isso, sem chances para o brasileiro Democracia em Vertigem de Petra Costa.

O documentário é sobre uma fábrica em Dayton, Ohio, que foi comprada pela Fuyao, empresa chinesa fabricante de vidros automotivos. O filme faz uma curiosa inversão na qual os chineses são figurados como capitalistas vorazes e os americanos como socialistas, quase comunistas. 

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Redação

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