De dom quixote da moralidade a sancho pança de miliciano bandido, por Wilson Luiz Müller

Para entender o bate-cabeça entre setores da autoproclamada elite nacional, convém fazer uma breve retrospectiva envolvendo os personagens principais.

Salvador Dali

De dom quixote da moralidade a sancho pança de miliciano bandido

por Wilson Luiz Müller

Não fosse o juiz-político ter assumido formalmente a condição de politico-juiz, a direita e extrema-direita brasileiras teriam alguns bons anos pela frente para manter a narrativa da necessidade de sermos salvos por um herói branco, limpo e cheiroso, fabricado nas melhores castas da elite do atraso ou nos extratos mais ricos da classe média. Mas, em vista dos acontecimentos ao longo do ano, a chamada direita civilizada tem percalços grandes pela frente para tentar controlar a narrativa do fracasso do bolsonarismo. Os últimos fatos provocaram uma espécie de revoada das baratas – isso acontece quando o clima esquenta – e inclusive o retorno definitivo dos galinhas verdes (leia-se milícias nazi-bozo-fascistas), sempre violentamente atuantes na defesa de Deus, pátria e família.

Para entender o bate-cabeça entre setores da autoproclamada elite nacional, convém fazer uma breve retrospectiva envolvendo os personagens principais.

Tão logo as  urnas revelaram o resultado das eleições de 2018, Moro foi anunciado ministro de Bolsonaro. Ficaríamos sabendo depois que a sua participação no novo governo tinha sido acertado antes das eleições, atuando como ponta de lança de Bolsonaro o agora ministro da economia Paulo Guedes. Moro teria entre suas funções  – e isso foi anunciado com pompa e cerimônia –  avaliar eventuais denúncias de corrupção envolvendo integrantes do governo, tão logo aparecessem, dando um parecer sumário para afastar os implicados caso os indícios de irregularidades fossem consistentes. Era para evitar que a corrupção se instalasse e se alastrasse no novo governo, que prometia ser o mais honesto de todos os tempos. Assim, Moro funcionaria como escudo protetor contra os maus que atacam o erário.

Um mês após o anúncio do superministro – com COAF com tudo, para ter informações privilegiadas sobre todo mundo -, estourou o escândalo do Queiroz, amigo de 30 anos do seu Jair, com fortíssimos indícios de ser o ex-policial  tesoureiro  do clã Bolsonaro. Essa movimentação suspeita de Queiroz era conhecida do Ministério Público do Rio de Janeiro e da Lava Jato desde o início de 2018, mas ninguém fez nada para investigar. Moro não disse uma palavra por iniciativa própria quando o escândalo veio à tona em dezembro. Provocado pela mídia, disse que não era com ele.

Logo no início do novo governo, estourou o escândalo do laranjal do partido do presidente Bolsonaro. Moro disse ter dado orientação à Polícia Federal para não poupar ninguém. Meses depois veio a notícia de que a Polícia Federal tinha ido para cima do presidente do PSL Luciano Bivar, depois do deputado pernambucano ter virado inimigo do presidente.

Depois Moro quis impor seu projeto anticrime, cuja principal bandeira era a licença para matar. Os mortos seriam pobres e pretos em sua quase totalidade, pois milicianos e policiais que queriam a licença não miram na direção da seleta lista de ricos da revista Forbes.

Vieram as informações de que os investigadores da morte de Marielle e Anderson se aproximavam do clã Bolsonaro, pois as coincidências e os indícios eram demasiado ostensivos. Moro foi escalado para federalizar a investigação.  Como isso não deu certo, mandou a Polícia Federal ir para cima do porteiro, simples testemunha transformada em suspeito investigado de participar de uma trama contra o presidente.

E como presente de Natal viria o indulto aos policiais e milicianos presos. Chega de soltar ladrões, justificaria Moro. Hora de fazer justiça e soltar gente que combate ao nosso lado, faltou dizer. De um ex-juiz se esperararia ao menos que se abstivesse de fazer esse tipo de distinção entre pessoas condenadas pela justiça, como se os indultados por ele e Bolsonaro (milicianos, policiais e militares) fossem pessoas de bem, injustamente presas, enquanto que simples ladrões merecessem apodrecer na cadeia.

Equivocam-se os que falam em incoerências de Moro. Ele sempre foi e continua sendo coerente. A máscara e a capa de herói sempre foi somente isso: uma máscara e uma capa. Moro sempre teve lado, soube sempre fiel aos que detém o poder econômico e o controle do aparato de dominação ideológica. Por isso, para ele,  não tem relevância o fato de um crime ser mais lesivo à sociedade do que outro. Interessa apenas o lado do criminoso. A questão é sempre essa: aquele que cometeu o crime está do lado certo ou do lado errado?

Moro nunca se interessou em investigar Aécio Neves. Por isso não permitiu que FHC fosse investigado. “Não vamos melindrá-lo; é um aliado importante”. Por isso não aceitou a delação de Eduardo Cunha. “Vocês sabem que eu sou contra”, recomendaria ele aos procuradores. Como ele agia como chefe de fato da Lava Jato, os procuradores passaram a se desinteressar pela delação de Cunha. Isso a despeito de Cunha querer entregar de forma detalhada como tinha arrecadado e distribuído R$ 270 milhões para formar sua bancada de 120 deputados. Talvez um dia saibamos, por outros meios, quem foram as pessoas do lado certo (do lado do Moro), beneficiadas com a fantástica arrecadação do ex-presidente da Câmara dos Deputados que liderou a derrubada da presidente Dilma.

De outra banda, Moro achou mais importante a delação do Léo Pinheiro que, depois de preso, condenado e torturado, apresentou a bombástica prova de que Lula, tinha ido sim, visitar o triplex do Guarujá para receber como propina a reforma de uma cozinha. Porque Lula estava no lado errado. Tivesse escolhido o lado do Moro, seria até hoje festejado como o maior presidente de todos os tempos.

Por trás dos assassinos de Jesus, cujo nascimento justifica o indulto (perdão) de pessoas condenadas e aprisionadas, há a mesma coerência dos fascistas que hoje celebram bandidos que matam, ao tempo em que condenam bandidos que apenas roubam. Seria conveniente lembrar que Jesus perdoou o ladrão crucificado a seu lado. Os assassinos dele estavam ao pé da cruz fazendo comentários maldosos sobre os crucificados. Subversivos e ladrões incomodam os que tem dinheiro e poder. Milicianos, ao contrário, ajudam os poderosos a manter os pobres no seu lugar, fazem o serviço de matar os que incomodam para que os próprios poderosos não necessitem sujar suas mãos.

Milicianos achacam os pobres exigindo taxas, pedágios, vendem “segurança”, gás, gatonet, expulsam os vagabundos dos seus palmos de terra para que a especulação imobiliária possa avançar. O negócio de Moro é facilitar a matança de ladrõezinhos. O negócio dele e de seu presidente é continuar empilhando centenas de milhares de pobres nas masmorras.

E para fechar o ano, o atentado de milicianos contra os artistas do Porta dos Fundos, incidente sobre o qual a dupla presidencial não tem nada a dizer, o que pode ser interpretado como um estímulo a essas iniciativas fascistas.

O fiel escudeiro Sancho Pança, numa das cenas mais comoventes da grande aventura livresca, olhava espantado para dom quixote jogando cambalhotas, ceroulas expostas, enlouquecido de amor que estava pela sua Dulcinéia. Moro, por tudo que fez no passado,  é um dos criadores de um dom quixote às avessas, que cria monstros e fomenta o mal. A diferença por ora, entre o criador e o monstro criado, é que primeiro não tem votos.

Moro olha para as cambalhotas fascistas de Bolsonaro com entusiasmo e inveja. Porque queria ele mesmo estar no lugar do outro para fazer tudo isso e mais alguma coisa, porque se julga muito mais do que a criatura. Como não pode, ele se esforça ao máximo para se fazer tão grotesco quanto, até que qualquer diferença desapareça.  Bastou um ano para que criador e criatura ficarem quase iguais.

Diferente de Sancho pança, Moro tem certeza quanto a serem fantasiosos os moinhos de vento contra os quais seu cavalo chefe se bate. A única diferença que ainda persiste é que Moro tem mais consciência de classe. Enquanto Bolsonaro tem lealdade somente para com seu clã familiar miliciano, Moro tem lealdade com a elite que detém o poder econômico, político e que controla a máquina de dominação ideológica.

Essa única diferença entre Bolsonaro e Moro será a tônica das disputas a serem travadas no interior das classes dominantes no ano que se inicia. Diferença que talvez se revele fatal para o presidente e seja a tábua de salvação do ex-herói da moralidade.

O esforço das elites do atraso de ora em diante será convencer a todos que fomos enganados por um falso dom quixote, e que de novo, sempre de novo,  será  imprescindível o retorno do implacável e incorruptível destroçador de moinhos de vento.

Wilson Luiz Müller – Membro do Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

Redação

2 Comentários

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  1. Vejo com estranheza, a recuperação da economia, o dólar desce é sobe, a bolsa de valores dá pico acima de 100.000 pts, a inflação começa a demonstrar queda, mas isto acontece, de forma que esttanha, os banqueiros adorando, empresariado não faz críticas, parece que estão fazendo tudo para demonstrar tranquilidade, espero que seja verdade, a mentira tem pernas curtas.

  2. Somos puros demais na fé insana na democracia, na insistente esperança na lei. Mas tanto a Fé quanto a Democracias e a Lei em como origem a elite egoísta e tirania. Resumo: Bozo e Moro são farinhas do mesmo saco. Um encanta burros na rale é outro na elite do atraso.

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