Percival Maricato
Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais
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Delação ampla, geral e irrestrita, por Percival Maricato

Rápidas considerações sobre a delação e corrupção na história da humanidade

Por Percival Maricato

A delação premiada, tanto como a corrupção, existe desde o início dos tempos.

Premiar o criminoso  delator, deveria ser considerado crime hediondo. O sujeito comete uma das mais torpes modalidades de crime e ainda é premiado? No entanto, na vida, na realidade, em certas circunstâncias, temos que ser práticos, ter respostas mais ágeis. Sem delação é difícil chegar aos cúmplices, aos inimigos todos.

Sumérios, egípcios, babilônios, chineses, persas, gregos, devem tê-la usado. Os romanos, com certeza, sendo Judas o maior exemplo. Esse porém, parece ter se arrependido. Prisioneiros de guerra de César na Gália e depois na guerra civil contra Pompeu, eram torturados até virar picadinho, aldeias inteiras de gauleses eram dizimadas pela ponta da espada. Na maioria das vezes não para seus habitantes revelarem informações, mas para aterrorizar aos demais exércitos e povos que pensavam em resistir. Nisso os Assírios foram mestres, tanto como Átila e Gengis Khan. E a corrupção? Já se escreveu que não era tanta, pois havia uma hierarquia rígida, que ia até o chefe e não havia Judiciário, direito de defesa e etc. Os de cima tinham que controlar os de baixo ou seriam privados de suas cabeças, inclusive o primeiro ministro ou quem quer que ocupasse cargos de confiança do chefe supremo. Este, se queria algum bem, o tomava, não precisava corromper ninguém. Cesar, tanto como Alexandre e outros “heróis” da História, simplesmente tomavam os bens dos semelhantes vencidos, Aliás, tomavam até seus corpos e familiares, transformados em escravos, quando deles necessitavam. Os impérios formados por esses “heróis” se tornavam cada vez mais corruptos, á medida que o tempo passava, todos. Por que César e Alexandre são considerados heróis e Átila e Gengis Kahn delinquentes e bárbaros, nem Freud explica. Marx muito mal.

Os cristãos usaram a delação por séculos, especialmente na época da Inquisição. O terror infundido na população na Idade Média era tal que a maioria confessava tudo que os inquisidores pediam e serviam depois como testemunhas, fosse ou não verdade. Dá para imaginar como deveria se sentir um mortal ao adentrar os sombrios porões dos torturadores, a visão dos instrumentos de tortura, dos seus companheiros de infortúnio tortos, inchados, sem dentes. Nem sequer poderiam apelar a Deus, que estaria sendo defendido pelos torturadores. E há tortura muitas vezes não era para a vítima falar, mas para afugentar os demônios de seu corpo ou mente. Aliás, nesses casos, comuns pela História da Humanidade, nada devia se comparar a tortura para um preso confessar o que não sabia.

Na época da inquisição o destino do prisioneiro declarado culpado de heresia era a morte, na tortura ou na fogueira, em cerimônias que toda a comunidade e demais autoridades militares e civis eram convidadas de honra, sempre em nome de Cristo, sempre uma festa para se mostrar as roupas novas, os símbolos de poder. Os pobres da periferia e o campesinato eram convidados também, e compareciam, famílias inteiras, com suas roupas dominicais. A vítima era pendurada no mastro  acima da linha do fogo, para durar um pouco mais e não morrer da fumaça e sim queimada, aos poucos. A cerimônia toda era feita para agonia de uns e o divertimento dos demais e teria que durar muitas horas, começando pelo badalar dos sinos das igrejas no dia marcado, seguido da procissão pelas ruas da cidade, os hereges com as roupas típicas (suas famílias inclusive seriam consideradas amaldiçoada), ocupação dos lugares de honra do palanque e etc. Antes de sair para a cerimônia, a vítima assinava tudo que era preciso para passar seus bens para a Igreja. Alguns o passavam antes, preventivamente, principalmente os judeus, vítimas preferidas por quase sempre terem bens de valor e ninguém que os defendesse.

Na ditadura militar imposta ao Brasil  não havia fogueira, mas muitos a teriam escolhido se lhes fosse dado escolha na forma como morreram. As informações dos opositores presos, com poucas exceções, era obtidas através de tortura. A delação espontânea e ampla era premiada. Conheci um membro do Comitê Central da Ala Vermelha do PC do B. Ele resistiu a sete dias de torturas violentíssimas, dia e noite, mas depois os milicos começaram a elogiá-lo e  isso o desarmou completamente: ele começou a falar e  não parou mais. Confessou que era mesmo a maior liderança da organização,  chefiava ações armadas, mas acabou solto em poucos meses. Os demais denunciados, seus subalternos, ficaram presos muitos anos. Também entre os demais presos,  quem concordava em ir a TV e dizer que estava arrependido era logo posto na rua. Não havia legislação que permitisse essa discrepância de conduta do sistema estatal, mas estávamos em plena ditadura e a Justiça Militar (???) era mera extensão do sistema repressivo, figurante para floreios e manter aparências. Tudo era possível. Houve os que falaram e depois se suicidariam. Muitos não tiveram drama de consciência, jamais veriam isso como tragédia. O cabo Anselmo foi o exemplo mais conhecido.

Eis que chegamos a democracia e mais uma vez o instrumento é usado, agora no escândalo da Petrobrás. Sejamos razoáveis: sem a delação premiada, dificilmente alguém seria preso. Alguém duvida que há corrupção na empresa há décadas? Então, a delação premiada causa nojo, mas funciona. Por muitos corruptos na cadeia não é vantajoso, sabendo-se que em troca teremos um membro da quadrilha solto? E este já não tem condenação acessória? Afinal, que pensarão dele seus flihos, familiares, amigos? Há diferenças entre a delação premiada da Inquisição, muito parecida com a da ditadura, e a atual.

Por sua vez reconheça-se que tal como em muitos outros casos, a delação e as prisões quando muito reduzirão a corrupção momentaneamente. Lembremos que além do Brasil, não faltam escândalos seguidos de novas ondas de corrupção nos demais países. Na Itália, após o magnífico trabalho das “Mãos Limpas”, o povo  elegeu Sílvio Berlusconi. E agora lemos denúncias na Espanha, a esquerda pode ganhar as eleições devido aos repetidos escândalos que estouram nos governos mais à direita. Nos EUA lemos que graças ao controle de mídias e ajuda das empresas, os republicanos voltam ao poder. No México, conseguem desaparecer com 43 jovens estudantes. Há exemplos em quase todos os países.

Poderíamos dizer que entramos em fase vitoriosa do capitalismo. Quem tem mais é valorizado. Consumo é igual felicidade. Status e poder são vistos como beleza e masculinidade. Como conter a corrupção num sistema onde ter é mais importante do que ser, é, na verdade, ser? No entanto, devemos lembrar que a corrupção, tanto como a burocracia, minou os sistemas comunistas existentes na Europa Oriental. Havia burocratas que viviam como marajás, concentrando riquezas e poder, inclusive os da atrasada Albânia, que, inacreditável, muitos comunistas brasileiros viam como o “farol do socialismo”, após os “desvios” revisionistas da URSS e da China. Neste país Ever Hoxha, o principal líder do Partido, vivia em palácios e sua mulher possuía mais de 300 pares de sapato de luxo.  E então como fica? A corrupção é realmente inerente a humanidade ou decorre de sistemas político-econômicos? A delação premiada é uma vacina para conter o vírus, ou mais um sintoma da contaminação do organismo?

Percival Maricato

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Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais

6 Comentários

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  1. Pergunta?

    ….”Ever Hoxha, o principal líder do Partido, vivia em palácios e sua mulher possuía mais de 300 pares de sapato de luxo.”…Qual a fonte primária dessa informação?

  2. Defesa!..

    Percival Maricato:

    Com a palavra a própria esposa de Ever, Nexhmije Hoxha. Condenada a nove anos de prisão, ela denuncia em discurso final de defesa, pronunciado quando do julgamento, o esforço que o governo albanês faz para desmoralizar ela e a história da luta pelo socialismo naquele país.

    …”A ata de acusação e o libelo do promotor afirmam que eu “vivia no luxo”. Esta acusação absurda nem mesmo merece resposta. Eu observei no libelo a introdução de uma nova noção segundo a qual fui “passiva” antes de 1985 e tornei-me “ativa” depois de 1985, aumentando minhas demandas para viver em um luxo grandioso. Porque esta distinção entre períodos, o porquê desta distinção eu não sei. De mais a mais, do que li e compreendi, não compreendo as coisas “fantásticas” ditas a propósito de meu papel ao lado de Enver Hoxha.

    É muito difícil, para mim, falar de mim mesma, mas é meu direito defender-me contra essa pena absurda (porque é difícil viver aprisionada até a idade de 87 anos). Os quatorze anos de prisão pedida pelo promotor me obrigam a declarar que não sou uma pessoa que viveu e se habituou a “viver no luxo”. Sabeis que nasci em Manastir, na Macedônia; e os Sérvios, os mesmos que oprimem os albaneses de Kosovo e as antigas repúblicas da Iugoslávia, incendiaram nossa casa e tudo o que nós possuíamos. Em 1927, depois de numerosas vicissitudes, toda a minha família chegou a Tirana para, aqui, ganhar a vida e nós prosseguirmos nossa educação em língua albanesa. Com a idade de 15 anos, expressei, por escrito, a opinião de que estava próximo o dia onde as moças e mulheres albanesas seriam emancipadas. Aos vinte anos fui a única mulher delegada à histórica conferência de Peza, em 16 de setembro de 1942, ao lado de personalidades de diferentes opiniões como Ahaz Kupi, Ndoc Coba, Myslim Peza e outras convocadas para erigir a Frente Nacional Antifascista para a libertação da Albânia dos invasores fascistas. Como eu tinha participado de todas as manifestações da juventude, fui condenada a treze anos de prisão. Contudo, os colaboradores e os nazi-fascistas foram incapazes de me aprisionar porque eu tinha passado à clandestinidade, aqui, em Tirana, sob o jugo do mais feroz terror. Em seguida me liguei às fileiras dos guerrilheiros e não puderam me acorrentar.

    O “destino” quis que hoje, cinquenta anos mais tarde, os herdeiros destes colaboradores, que galgaram os degraus do poder com o revanchismo nos lábios, se vingassem: eles me lançaram na prisão, me acorrentaram, e agora, pela imprensa, pelos jornais albaneses, por aqueles de seus patrões estrangeiros e por outros meios obscuros, decidiram sobre o número de anos que eu deverei passar na prisão.

    Mas nestes tempos difíceis que atravessa a Albânia, quando nós estamos longe ainda da democracia verdadeira e da aplicação plena e integral das garantias de um Estado de direito; quando o sangue dos 28 mil mártires tombados no curso da guerra, dos quais a maior parte não tinha mais que 20 ou 25 anos, é esquecido; e que o 29 de novembro, aniversário da libertação da Albânia, não é mais celebrado. Minha prisão, meu processo e sentença que vai ser adotada não me farão abaixar a cabeça.

    Por quê? Porque sou inocente. Eu combati durante cinquenta anos pela emancipação da mulher e da sociedade albanesas. Qualquer que seja a sentença, espero-a com calma e paciência. O importante é que hoje o povo albanês seja mais consciente de sua força e direitos democráticos que estão ao seu alcance, dos quais dependem seu bem-estar e o futuro da Albânia enquanto Estado e sobretudo enquanto nação.

    Em conclusão, declaro ante este tribunal: com toda consciência, não cometi o crime de desvio de fundos do Estado. Eu sou inocente perante a lei.”

  3. a corrupção

    a corrupção contamina,

    inclusive a tal da delação, bem historiada

    pelo articulista.

    no filme coração delator, edgar allan  poe

    (clique assim no you tube par ver o filme)

    há um início aterrador jamais visto por mim em nenhuma obra.

    na inquisição, o magistrado católico manda desenterrar

    um esqueleto e dar-lhe vinte chicotadas.

    tudo vira pó. o magistrado lembra palavras bíblicas sobre isso.

    barbárie divinizada.

    hoje a delação é premiada, o  bandido e sua justificação.

    com a devida seletividade dos dados

    ao pig feita pelos inquisidores, sempre impunes, 

    adorados  e heroicizados pelo pig e golpístas. 

     

  4. delação e outras imoralidades

     A delação é imoral.

     Vivemos no entanto, em meio a muitas outras imoralidades.

    É imoral aguardar 06 meses para uma consulta médica, é imoral morar em um barraco seu água ou esgoto, é imoral  consumir sem se preocupar com o custo ambiental.

    No entanto, convivemos relativamente bem com estas tantas imoralidades.

    No máximo, muitos de nós sentem uma rápida solidariedade quando defrontados com estas imoralidades. Nada que estrague o nosso dia.

    Mesmo na seara do direito, onde mais se houvem brados quando a imoralidade da delação, outras imoralidades campeiam sem problemas.

    A lentidão da justiça é imoral.

    O próprio fato de existir a possibilidade, dos honorários dos advogados de defesa  que atuam nos casos de corrupção serem derivados do dinheiro da corrupção amealhado pelos corruptos é imoral.

    Logo parece-me que a delação é uma imoralidade menor, daquelas até das mais toleráveis.

    Seria uma imoralidade das mais ambíguas com brilhos daquela luz no fim do túnel.

    Proponho então, na atual conjuntura, que aceitemo-la sem ressalvas.

  5. Diria que a corrupção é

    Diria que a corrupção é inerente ao ser humano e que o combate a ela depende do ambiente cultural e institucional que é desenvolvido em cada país. Aqui, por exemplo, o padrão é o de cada um achar que o seu corrupto tem razão em assim proceder, havendo até quem se mobilize para fazer vaquinhas para ajudá-lo a pagar multas determinadas judicialmente…

  6. A piada maior é que sempre

    A piada maior é que sempre que surge um novo acusado, este se oferece para fazer delação, é o melhor caminho para o crime compensar, o cara rouba um monte de dinheiro, diz que vai devolver sei lá 20 ou 30%, fala que um monte de gente está envolvida, mas prova apenas que as empreiteiras pagavam para eles mesmo a propina, e num passe de mágica estão livres, leves e soltos, mas não sem antes, arruinar algumas reputações sem apresentar nenhuma prova, sem ser responsabilizado por isso.
    Para mim essa coisa de delação premiada é uma furada das maiores.
    Assim como a história de coação das empreiteiras, num país que tem o TCU, a CGU, e instituições bem sólidas, se alguém pressiona por propina, uma denúncia, resolveria, a imprensa seria a primeira a querer fazer carnaval com isso, e nem uma denúncia, apenas o pagamento das propinas.
    Então vem a pergunta, não denunciaram, não por medo de retaliações, mas sim por medo de perder privilégios e poder de manipulação?

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