7 de setembro – E o tal do mundo não se acabou, por Sérgio Saraiva

Anuciados como “os maiores da história”,  os protestos de 7 de setembro de 2013 fracassaram. E com eles se esvairam a mais recente figura de pressão da grande mídia sobre autoridades, políticos e magistrados e o argumento recorrente dos que acreditavam na mobilização da classe média como força política da direita brasileira.

Não creio que os cientistas sociais já tenham obtido consenso sobre como as grandes manifestações populares acontecem. Não quais acontecimentos as disparam, mas por que tais acontecimentos, as vezes parecendo pouco relevantes, as disparam.

Qual foi o processo que culminou na Primavera Árabe? Na Tunísia, o suicídio dramático de um jovem desiludido com qualquer perspectiva de futuro teria o poder de por si só incendiar seu país e os países vizinhos? E foi o que aconteceu.

Na Turquia, teria sido a derrubada de uma árvore para a construção de um shopping center?

Por que, em um determinado momento, pessoas em Nova York e Madri resolveram ocupar as praças reivindicando atenção aos 99% da população? Por que não optaram por passeatas, ou marcharam sobre o Congresso como em 63?

No Brasil, o grande movimento popular “Diretas Já” teria sido mesmo comandado por políticos da estirpe de Montoro, Brizola e Tancredo? Foram os chamamentos do Dr. Sócrates, Osmar Santos e Fafá de Belém que reuniram 1 milhão de pessoas na Parça da Sé-SP  e outro milhão na Cinelândia-RJ e centenas de milhares pelo país afora? Não, isso eu sei bem, não foram. Então, quem botou tanto povo na rua? Não sei, mas o povo estava lá.

E, num tempo pré-internet, quem convocou os “caras-pintadas” do “Fora-Collor”?

Chegando aos “protestos de junho de 2013”, o que colocou um milhão e meio de pessoas nas ruas, das capitais a pequenas cidades do interior, e produziu a imagem fantástica da tomada de Brasília pelo povo, cujos símbolos maiores foram a invasão da Praça dos Três Poderes e escalada da cúpula do Congresso Nacional? Já durante os protestos se dizia, “não é apenas por 20 centavos”. A fotografia estampada em manchetes da jovem jornalista da Folha de São Paulo, branquinha e frágil com o suprecílio destroçado por uma bala de borraça foi, sem dúvida, uma imagem galvanizadora da indignação popular com a violência policial. Mas a violência policial é a regra, não a exceção. Porque agora os protestos, se, meses antes, os mesmos jovens reprimidos pela mesma polícia na USP foram tratados de “delinquentes mimados”?

Não creio que os cientistas sociais já tenham obtido consenso de como as grandes manifestações populares acontecem.  E, no entanto, elas acontecem com uma força e direção que nos fazem procurar um comando único sobre um movimento que, na verdade, ocorre se auto retroalimentando.

E ainda que as dúvidas permaneçam e repostas a essas questões possam estar com os versados em Jung, por aqui, vivemos nas últimas semanas a ilusão de que é possível se estabeler data para uma manifestação popular, seus objetivos, arregimentar a população e convencê-la a apoiar usando para isso algo como o canto de aboiar de quem arrebanha o gado no pasto. Os fatos deste 7 de setembro mostraram que isso não é tão simples assim.

Vejamos.

Nos últimos 3 meses, assistimos outra vez no Brasil a um fenômeno de massa.  Tateei-o em https://jornalggn.com.br/blog/sergio-saraiva/movimento-passe-livre-zeitgeist-e-o-mal-estar-de-uma-geracao

Mas o que sei é que, como todos os outros, começaram com uma pequena e justa causa e se tornaram algo muito maior do que as explicações sobre eles.

Os “protestos de junho” atravessaram todo o espectro ideológico nacional, foram da extrema esquerda a extrema direita em 15 dias. Aqui, com no Egito, ainda que, aqui, de forma infinitamente menos dramática, foram apropriados por interesses outros.  Seus protagonistas iniciais nada tinham a ver com os que vieram depois. Iniciados à esquerda, como uma reivindicação da redução do valor das passagens dos ônibus urbanos, terminaram em uma polifonia de causas da qual a imprensa conservadora retirava os destaques convenientes aos interreses da direita.

https://jornalggn.com.br/blog/sergio-saraiva/um-gigante-sonambulo

Esse movimento longitudinal, aí sim, guiado pelo senso de oportunidade e poder de manipulação e mobilização da grande mídia conservadora, acabou por gerar uma falsa ideia. A de que os protestos tinham dono. E que o dono dos protestos era  justamente os donos da grande mídia.

Nada mais falso, e as ações contra a Globo demonstravam isso claramente. Mas não era o que se ouvia nos discursos de mervais e que tais.

Os protestos massivos terminaram ainda no final de junho mas foram sucedidos por uma série de protestos menores, alguns pequenos de umas dezenas de participantes, e pela  recidiva do uso da violência como forma de ação política por parte de grupos radicais.

A imagem, no entanto, da classe média nas ruas, o “gigante” que havia despertado, e a queda da popularidade da presidente nas pesquisas de opinião pós-protestos eram acalentadas pelos porta-vozes do conservadorimo como evidência de que, sob seu comando, era possível uma mudança no quadro político que lhes fosse favorável.

Uma segunda onda de grandes protestos anunciada, desde então, para o dia 7 de setembro era a espada mantida sobre a cabeça de quem ousasse se afastar do que foi definido como o certo e o correto pela grande mídia.

O Congresso conservou o mandato de um deputado condenado pelo STF? Deixe estar, os grandes protestos de 7 de Setembro varrerão o Congresso de cima a baixo. O dono dos protestos garantia que isso aconteceria por que ele próprio não concordava com aquela situação e seus comandados seguiriam-no cega e obedientemente.

Os Ministros do Supremo tardam em mandar os “mensaleiros” para a cadeia? Mas não tardam por esperar. O dono dos protestos fixou a data, masmorra até 6 de setembro ou aguentem as consequências.  As massas em movimento constrangerão os magistrados e os obrigarão a fazer o que o dono dos protestos previamente ordenou.

E assim, por 2 meses viveram esses senhores e senhoras brandindo seu grande poder. Tinham agora a favor das causas da direita uma nova forma de mobilização das massas, as “redes sociais”. Mágicas e infalíveis.

Mágicas e infalíveis para quem acredita que uma vintena de páginas de facebook com um personagem infantil mascarado e falando com voz de “Google tradutor” poderia emocionar alguém mais do que meninos de 12 anos e adultos com a mesma idade mental e emocional. O Anonymous, no Brasil, não é mais do isso.

Sua pauta, a pauta do Instituto Milleniun. Em primeiro lugar, a prisão imediata dos “mensaleiros” – algo que já beira a obsessão. O tópico seguinte da tal pauta me leva a imaginar os protestos com milhares de pessoas novamente sobre a cúpula do Congresso Nacional exigindo a saída imediata de Renan Calheiros da presidência do Senado Federal. Quem?  Renan Calheiros, conhece?

Mais fácil quando a classe média branca e indignada pedia hospital e escola padrão FIFA para uso dos empregados dos seus condomínios.

https://jornalggn.com.br/blog/sergio-saraiva/brasil-um-pais-injusto-%E2%80%93-bem-vinda-classe-media

Pois enfim, 7 de setembro passou e o mundo não se acabou.

Nas ruas, a mesma turba de sempre. Os infantis e violentos grupos de black blocs. Todos de preto e cobrindo a cabeça com uma camiseta à guisa de touca ninja. Os personagens de nossos protestos, no momento atual, saem para às ruas direto das páginas das revistas em quadrinhos. Ainda existem revistas em quadrinhos? Gostaria de chamá-los de ingênuos, se não idealistas, mas nenhuma violência é ingênua, ainda que possa ser infantil.

Um pequeno grupo de jovens na casa dos vinte e poucos anos se expressando com as mãos. Mas não em pixações ou grafites nos muros e sim no estilhaço das vidraças de agências bancárias e consessionárias de carros importados. Os mesmos meninos e meninas dos últimos 60 dias. Depredando e apanhando da polícia.

Uma rotina que não precisa de feriado para acontecer. O estoicismo com o qual apanham da políca e a tenacidade com a qual, mais uma vez, voltam depredar mostram uma cruel fidelidade à causa. Mas à que causa? Eles têm algo a dizer, mas não sabem como. Tão pouco a sociedade sabe como interpretá-los. Continuarão até que bocas e ouvidos se entendam ou faltem cabeças ou vitrines a se quebrar?

Já, dos personagens tardios dos protestos de junho, onde estavam, neste 7 de setembro,  as senhoras brancas, um pouco acima do peso, com seus narizes de palhaço, soprando apitos e cantando o Hino Nacional? Onde estavam os senhores igualmente brancos, com a bandeira do Brasil nos ombros e pedindo o fim da “corrupção dos políticos”? Onde estavam os rapagões “apartidários” rasgando nos dentes as bandeiras dos partidos de esquerda que haviam iniciado os protestos. Onde estavam as moças loirinhas, de caras pintadas de verde e amarelo e portando cartazes com dizeres chulos? Bom, essas estavam nas manifestações contra o “Mais Médicos”.

Enfim, onde estão “Hello, my name is Carla” e o Romário?

Com a exceção de Romário, todos estão onde sempre estiveram, entre os “cansados”.

E o deputado Romário? Onde estava o deputado Romário no 7 de setembro? Estava na entrada da grande área esperando uma oportunidade. O oportunismo sempre foi sua marca registrada.

Nas redações de jornais e telejornais, decepção.  Plantões, câmeras e helicópteros e um sabadão com sol e temperatura agradável totalmente desperdiçado. Ossos do ofício.

Foi patética a transmissão da Globo: “e agora, direto de São Paulo a cobertura ao vivo dos protestos”. Entra a repórter na tela sem nada para dizer , atrás de si a visão de uma Paulista vazia e da sua boca a frase: “por aqui a situação está tensa”. Aliás, nunca ouvi a palavra “tensa”  tantas vezes como neste 7 de setembro no jornalismo da Globo. Parecia bordão. Situação tensa é uma expressão boa, ou seja, não está acontecendo nada mas deixa no ar o suspense de que possa ainda vir a acontecer. No fim, não aconteceu nada mesmo.

A Folha de São Paulo abriu a sua página da internet com o seguinte chamamento: “Você vai aos protestos? Envie fotos”. E dando o seguinte serviço: “Locais onde ocorrerão os protestos, veja o mapa”. Terminou a edição com um apelo: “Você foi às manifestações? Envie fotos”.

Por fim, acabaram somando aos protestos a marcha anual “Grito do excluídos” organizada pela Igreja Católica. Não deixa de ser uma forma de protesto essa marcha, mas tem mais jeito de procissão.

Pobres donos dos protestos, não puseram o povo na rua.

Aliás, a direita não põem o povo na rua desde a “Marcha da família com Deus pela liberdade”, na década de 60. Que podia ser marcha, podia ser da família, podia estar com Deus, mas acabou em ditadura e não em liberdade.

Nos últimos 30 anos, só a esquerda põem o povo na rua. Das grandes greves do ABC paulista no fim dos anos 70 ao MPL, é a esquerda que mantém o gigante acordado e em movimento.

Neste instante, o MPL, garotada inteligente que estuda a história, resolveu que não iria preparar a massa para agasalhar a azeitona dos coxinhas.  E o outrora grande movimento sindical reensaia os passos em que já foi pé de valsa. Difícil recomeço, agora tem de ser a favor e isso ele nunca soube o que é ser.

Ainda assim, melhor assim, o movimento popular no Brasil volta a não ter donos.

Depois da crise de combustível que não houve, da inflação do tomate que não houve, do apagão que não houve, do maior julgamento da história que a todo instante ameça desandar para fora do script  e do maior protesto da história que não houve, resta agora aos senhores do Instituto Millenium sonhar com a vitória da Argentina na Copa de 2014 para poder derrubar o governo.

Redação

11 Comentários

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  1. Day after: um comentário inesperado

    http://domacedo.blogspot.com.br/

    Alfredo e sua mania de ler comentários de leitores da grande imprensa! Faz questão de visitar ao menos dois dos sites mais prestigiados. Baita disposição. Diz pra quem quiser ouvir: “Eu me alimento das imprecações lançadas por meus parceiros leitores!”.

    Tudo estava a indicar que ontem, 7, o caldeirão iria ferver. Não colou: a moçada não foi para a rua nas proporções propagandeadas. Alfredo, porém, fiel,  desde a noite cuidou de abastecer-se: centenas de esculachos enfileirados certamente atenuariam o abatimento.

    No meio da argamassa, uma exortação: “Gente vamos esvaziar os estádios de futebol, provocar uma diarreia nos corruptos. Srs. caminhoneiros, deixem seus caminhões em casa. Derruba qualquer poder por mais corrupto que seja. Vcs tem a força, maior que qualquer canhão, pimenta, borracha ou lacrimogênio.”. (Aqui).

    Alfredo sorriu, reconfortado – mas voltou a amarrar a cara ao deparar com a resposta ao comentário acima: “HAHAHAHAHA !”.

     

     

     

  2. Acabou sim, para

    Acabou sim, para muitos discípulos do “esgôto”, como essa marchadeira cansada e sincera:

    Catarina Leite Botter – 08/09/2013 às 15:42

    “Ontem, após ter participado de mais uma Manifestação no MASP, dobrei a minha Bandeira e vou guardá-la! A imprensa só está mostrando o que realmente quer: depredações, vândalos, algazarras. Ninguém, se não os próprios Manifestantes, postam momentos bonitos, reivindicações exemplares, indignação com os podres poderes. Concordo com o comentário 207, qdo fala sobre os black bloks: marginais, vagabundos comuns, idiotizados de preto, etc… Penso que são filhos legítimos de organizações terroristas tupuniquins, contratados a pão e mortadela para tumultuarem os protestos. Qto a Policia Militar,que sempre respeitei, senti na própria pele o que pensam…Um Policial caminhando ao meu lado, em direção à Rua da Consolação, com ironia e um tanto de agressividade, disse : “Escreva aí ( num cartaz que eu levava como as caricaturas do lullarápio e da dilmanta -com os dizeres ”MENTEM DILMAIS”), – os nomes de Alckmin > segundo ele o maior ladrão do Brasil, e Serra. Senti o sangue ferver…Dei meia volta ,volver! Permaneci no MASP até as 18 hs, tranquilamente.Hoje, na ressaca de um dever Cívico Impossível, diante de tanta burrice, má informação, comodismo,resolvi não mais me manifestar. Acho melhor aproveitar e cuidar da Cútis, pois o tempo é implacável! Abçs”

     

    1. Catarina,a sua vontade de

      Catarina,a sua vontade de aprender acaba ensinando,volte a conpanhia do Pm, faça nova avaliaçao daquilo que fazem voce pensar do Lula e da Dilma.Esses moços que governam sao paulo sao ficçoes que estao sendo colocados em seus devidos trilhos.Como escreveu Clarisse Lispector sao uma verdade inventada,o cartel midiatico considera seus delitos, escondidinhos,com suavidade,carinho,delicadeza,porque sao tambem cartel e nao quadrilha(palavra  somente para PT) como diria o capilé da midia ninja.

  3. 7 de setembro – E o tal do mundo não se acabou,

    Sempre foi assim e desde antes dos cientitistas sociais. Ex.: como, dizem, iniciou-se a 1a. guerra. Incidente na periferia da Europa.

  4. 7 de setembro – E o tal do mundo não se acabou,

    Sempre foi assim e desde antes dos cientitistas sociais. Ex.: como, dizem, iniciou-se a 1a. guerra. Incidente na periferia da Europa.

  5. 7 de setembro e o mundo nao se acabou.

    Machado de Assis,o preto,pobre,que insistem em embraquiçar,torná-lo branco.Em 1894 “Não quero mal as ficções,amo-as,acredito nelas,acho-as preferiveis às realidades;nem por isso deixo de filosofar sobre o destino das cousas tangíveis em comparaçao com as imagináveis.Grande sabedoria é inventar um pássaro sem asas,descrevê-lo,fazê-lo ver a todos,e acabar acreditando que não há pássaros com asas.

  6. Resumo da ópera, seria outro

    Resumo da ópera, seria outro título para o texto. A direita colocar o povo na rua?Concordo, a última vez foi em 1964, com apoio da Igreja Católica. Sem a Igreja, a direito só tem o golpe. E olhe lá….

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