Em plena pandemia, pequenos negócios perdem espaço no crédito
por Lauro Veiga Filho
As grandes empresas continuaram ditando o ritmo das operações de empréstimos e financiamentos em junho, enquanto micro, pequenas e médias empresas, mais atingidas pela crise, viram sua participação no crédito total destinado às pessoas jurídicas até reduzir na comparação com o período anterior à pandemia. Na prática, as medidas de socorro a pequenos negócios, anunciadas não sem estardalhaço pelo ministro Guedes e sua turma, têm se mostrado pouco efetivas e nitidamente insuficientes, diante das proporções assumidas pela recessão.
Mais frágeis diante da perda de mercados e de receitas, as empresas de menor porte receberam menos de vinte e quatro reais a cada aumento de 100 reais no saldo de crédito para todo o setor corporativo. As grandes, como consequência, abocanharam os restantes setenta e seis reais, o que aumentou a concentração no mercado de crédito.
Em fevereiro último, as micro, pequenas e médias empresas chegaram a responder por 37,51% de todo o estoque de crédito contratado pelas empresas em geral, diante de uma participação de 35,86% em igual mês do ano passado. A fatia das grandes, ao contrário, recuou de 64,14% para 62,49%, num alívio apenas ligeiro nos níveis de concentração observados nesta área. Em março, numa espécie de corrida ao crédito, as grandes aceleraram a contração de empréstimos, numa estratégia defensiva para captar recursos no mercado e formar um “colchão de liquidez para enfrentar os desafios da pandemia de Covid-19”, como aponta o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
A questão é que aquela trajetória foi alterada a partir de março, em plena crise sanitária e econômica. A participação das empresas de menor porte no crédito total contratado por pessoas jurídicas recuou para 35,51% em junho deste ano, depois de ter se aproximado de 36,9% no mesmo mês do ano passado. As grandes empresas, que já haviam contratado 63,14% do crédito total em junho de 2019, levaram 64,49% em junho deste ano.
Como se percebe, a tendência observada nos meses imediatamente anteriores ao desembarque do Sars-CoV-2 no Brasil foi revertida exatamente em meio à crise, o que demonstra a extrema dificuldade dos bancos – e entre estes especialmente os bancos privados – de promover a disseminação do crédito e melhorar a distribuição empréstimos e financiamentos. Vale dizer, talvez a aposta mais forte no setor financeiro privado não seja o canal mais adequado para a execução de políticas de caráter público, destinadas a promover ou, como no caso, a socorrer aqueles setores que em geral têm maior dificuldade para acessar recursos e assegurar sua sobrevivência.
Apesar de Trump…
Pátria do liberalismo econômico, os Estados Unidos decidiram reforçar sua agência encarregada de apoiar “empreendedores” e pequenos negócios – a US Small Business Administration (SBA). Não se trata propriamente de uma novidade ou invencionice de economistas “liberais” em tempos de pandemia. A SBA existe desde 1953, mas não faz empréstimos de forma direta. Ela opera em parceria com uma rede de instituições financeiras disseminadas por todo o país e oferece garantias aos pequenos empresários, que podem superar 90% do valor do crédito pretendido. E tem sido fundamental na guerra para preservar o que for possível da economia, enquanto a pandemia continua a impor perdas drásticas.
Em apenas dois programas criados para dar suporte às pequenas empresas nos EUA – o Paycheck Protection Program (PPP) e o Disaster Assistence –, o trabalho desenvolvido pela SBA permitiu realizar 8,049 milhões de operações até o final de julho, o que significou a contratação de US$ 684,69 bilhões, ou seja, qualquer coisa ao redor de R$ 3,562 trilhões – quase todo o estoque de crédito no Brasil, que atingiu R$ 3,625 trilhões em junho deste ano, cobrindo toda a economia, ou 49,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Os dois programas, destinados exclusivamente a micro, pequenas e médias empresas, consideradas fundamentais para preservar a saúde e a capacidade de reação da economia por lá, já haviam estimulado a contratação de recursos correspondentes a 3,5% do PIB daquele país (US$ 19,409 trilhões, em valores anualizados, depois do tombo de 9,5% no segundo trimestre deste ano)
Para explicar: o primeiro programa destina-se a ajudar as pequenas empresas a pagar salários, preservando o poder de compra e a capacidade de consumo das famílias e evitando demissões, na medida do possível (já que o desemprego aumentou fortemente por lá). A estimativa é de que tenha favorecido perto de 51,0 milhões de trabalhadores. O segundo foi uma das formas encontradas pela SBA para prover recursos para que essas empresas continuassem operando em meio ao “desastre econômico” causado pela pandemia.
Como se não houvesse crise
Por aqui, o saldo de empréstimos a micro, pequenas e médias empresas até cresceu, saindo de R$ 523,038 bilhões em junho de 2019 para R$ 561,944 bilhões no mesmo período deste ano, numa variação nominal de 7,4% (acréscimo de R$ 38,906 bilhões). A taxa não foi muito diferente daquele observada até março, por exemplo, quando o estoque de crédito para aquelas empresas crescia a uma velocidade muito próxima de 7,0% ao ano.
Para comparação, o crédito total para empresas aumentou 11,5% em idêntico período, avançando de R$ 1,419 trilhão para R$ 1,582 trilhão, o que correspondeu a uma variação de R$ 163,329 bilhões. Em outros termos, a contribuição dos pequenos negócios para o aumento das operações de crédito no setor empresarial ficou limitado a 23,8% (abaixo da participação do segmento no saldo daquelas operações, que ficou, como visto, em 35,51% no último mês do semestre).
As grandes empresas contrataram R$ 1,020 trilhão em junho passado, o que correspondeu a uma alta de 13,9% em relação ao mesmo mês de 2019. Considerando que o estoque havia alcançado R$ 896,008 bilhões em junho de 2019, o saldo registrou acréscimo de R$ 124,423 bilhões (ou algo em torno de 76,2% crescimento observado para o crédito total das pessoas jurídicas).
Na avaliação do Iedi, considerando o valor das novas contratações (concessões) de crédito, descontados efeitos sazonais (quer dizer, fatores que ocorrem em períodos específicos do ano e que podem distorcer a comparação), houve variação de 1,9% de maio para junho, variando apenas 0,9% frente a junho de 2019. O comportamento, observa o instituto, sinaliza “mais um quadro de estabilidade do que de crescimento”.
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