Fernando Haddad e os coxinhas da última flor do Lácio, por Fábio de Oliveira Ribeiro

 

Há alguns dias abordei aqui as ironias da história recente do Brasil invocando o fantasma da civilização romana que chegou ao país com os colonos portugueses. Volto ao assunto por causa da grotesca demonstração de “romanidade” que foi dada na Livraria Cultura.

Duas coisas são marcantes na fase imperial de Roma: a brutalidade das execuções de criminosos e dos combates de gladiadores nas arenas; a distância entre aqueles que exerciam o poder e os plebeus. Nenhum imperador romano foi mais cruel do que Calígula, a quem Suetônio Tranquilo atribui extrema ferocidade:

“Condenou ao trabalho das minas, das estradas e também às feras, uma multidão de cidadãos honrados, depois de afrontados com estigmas vergonhosos, ou de outro modo, depois de encarcerados em jaulas onde eram obrigados a se conservarem de quatro pés como animais. A outros, mandava cortá-los pelo meio do corpo. Nada disso se verificava em virtude de motivos graves, ms por se descontentar-se em algum espetáculo, ou porque não tivessem querido jurar pelo seu gênio. Forçou os pais a assistir o suplício dos próprios filhos. Como um deles se desculpasse, alegando motivos de saúde, enviou-lhe a sua liteira.” (A Vida dos Doze Césares, editora Prestígio, 4a. edição, Rio de Janeiro-São Paulo, p. 266)  

Quando chegou ao Brasil como vice-rei, Tomé de Souza proporcionou aos habitantes da terra um espetáculo digno de Calígula.

“Os relatos da administração Tomé de Souza indicam que ele exerceu o poder de punir conforme as conveniências do momento. Ainda no ano da fundação de Salvador, morto um colono por um índio e exigida a entrega do ‘criminoso’, este, por ordem do governador-geral, foi amarrado à boca de um canhão e atirado ‘pelos ares, desfeito em pedaços’. O simbolismo do ato seria captado por Robert Southey: ‘Mais humano para o padecente, mais terrível para os espectadores, não há suplício imaginável. Encheu de terror os Tupinambás e foi útil lição aos colonos […]’.” http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200011&script=sci_arttext

Durante a Ditadura Militar, quem desafiou o poder estatal foi submetido a vários tipos de tortura. Eis aqui alguns deles que foram identificados pela Comissão da Verdade: pimentinha (choques elétricos inclusive na genitália), telefone (tapas em um ou em ambos os ouvidos), submarino (afogamento parcial), pau-de-arara (o prisioneiro tinha os cotovelos e os joelhos amarrados a uma barra que era depois suspensa pelas pontas), cadeira do dragão (cadeira eletrificada), cama de boilesem (instrumento de tortura inventado por Henning Albert Boilesen).

Nenhum prefeito de São Paulo nomeado pelos ditadores militares foi publicamente ofendido sem ter sido moído no DOPS ou no DOI-CODI. Isto pode muito bem ser considerado um indício da “romanidade” daquele regime. Naquele período a valorização do prefeito fazia jus à etimologia da palavra, pois a mesma vem:

“..do latim praefectus, ‘posto acima dos outros’. Ao longo da história romana, o termo serviu para designar os mais variados cargos administrativos: alguns eletivos, outros nomeados pelo imperador ou pelo Senado. Havia, entre outros, o prefeito dos aquedutos, o prefeito do acampamento militar, o prefeito das festas religiosas. O mais importante era o praefectus urbi (‘prefeito da cidade’: i. é, de Roma), magistrado que, no reinado de Augusto, tinha a incumbência de manter a paz e a ordem na cidade. Ele supervisionava o comércio de pão e de carne, a atividade dos banqueiros, os teatros e as diversões públicas. Para exercer suas funções, dispunha inclusive de uma guarda municipal, inteiramente sob seu comando. Com a evolução das instituições republicanas, a partir do séc. 19, o termo passou a designar, como hoje, o responsável pelo poder executivo dos municípios.” http://www.dicionarioetimologico.com.br/prefeito/

O espetáculo grotesco dado pelos coxinhas que invadiram a Livraria Cultura para ofender o prefeito de São Paulo contém várias ironias. A primeira e mais evidente foi a transformação de um centro de saber e cultura (a livraria) numa mini arena romana. O comportamento dos coxinhas paulistas, que acreditam pertencer a uma elite da elite, lembra muito o da plebe romana durante as execuções de prisioneiros em Cápua ou Nîmes.

Mais irônica e refinada, contudo, foi a reação de Fernando Haddad. Como praefectus da cidade mais importante do país, o petista poderia muito bem invocar seus privilégios públicos para mandar a Guarda Municipal, a PM e seus seguranças pessoais dar uma lição dolorosa àqueles que ofenderam o cargo e seu ocupante. Mas Haddad não fez isto. Ele suportou as ofensas como um perfeito romano. Como o estóico Marcus Tullius Cicero o prefeito de São Paulo também ofereceu o pescoço aos seus algozes.

Preservar a civilidade diante das feras é algo admirável… e perigoso. As vezes é preciso lançar as feras às feras para que o poder público não seja totalmente devorado com um prejuízo ainda maior para todos os cidadãos. Esta lição romana precisa começar a ser aprendida pelos petistas, caso contrário a ordem será conspurcada e o progresso comprometido.
Fábio de Oliveira Ribeiro

18 Comentários

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  1. A cena foi estúpida por qualquer ângulo que se analise

    Marco Antonio Villa, intelectual de oposição, estava presente e nada fez para defender seus adversários petistas da turba.

    Li no Twitter: “só mesmo o PT para fazer nazistas de 2 neurônios entrarem numa livraria”

    De resto, logo após o ocorrido, desencadeou-se nas redes uma campanha de boicote da Livraria Cultura, pelo que permitiu durante e pelo inexplicável silêncio depois.

    1. Mas os sujeitos estavam

      Mas os sujeitos estavam dentro da livraria ? Se não, ela não pode ser cobrada, no máximo a segurança do shopping. Acho que essa campanha serve é para justificar o permanente boicote a livrarias por uma parcela dos frequentadores das tais redes. Aliás, não vi na mão dos manifestantes nem ao menos um daqueles livrecos para colorir. Será que a raiva deles não era maior por terem que ir berrar perto de – argh – livros ?

      1. A turba estava dentro da livraria sim

        Eles entraram dentro da livraria cultura (em minúsculas mesmo) do Conjunto Nacional e começaram a soprar até vuvuzela lá dentro. Esse tipo de ação ter sido tolerada me surpreendeu, pois lá existem diversos sofás e pufes para as pessoas folhearem os livros, ou mesmo lê-los. Existe também uma área do mesmo tipo para crianças. Além do apoio tácito a esses fascistas, não entendo como a livraria pode deixar seus clientes serem submetidos a uma sandice dessas. Por isso e pelo silêncio ensurdecedor por parte da gerência da livraria desde então é que dizemos que a livraria é no mínimo conivente com esses bárbaros.

        1. Desculpe, fui espiar o vídeo

          Desculpe, fui espiar o vídeo da tal manifestação e vi que está claro que aconteceu dentro da livraria. Tinham me encaminhado um outro, fora de livraria em São Paulo, mas nesse os berradores estavam indo atrás do Cardoso. Começo a confundir os eventos. Também, nem o time do Flamengo pode viajar de avião em paz, nesses tempos de berreiro.

    2. intectual?

      marco antonio villa intectual?

      Por favor não vamos dar titulos a quem não merece.

      Nem ele nem jabor, nem merval, nem reinaldo, nem diogo, nem kim, nem constantino são intelecuatais, são somente um arrotadores de bobagens.

      As pessoas têm o direito a ser conservadores mas nem consevadores eles são.

       

  2. Caro Nassif e demais
    É só

    Caro Nassif e demais

    É só pesquisar direito, que teremos a pata de algun tucano que organizou essa manifestação.

    Saudações

  3. Mas por que isso acontece?

    O melhor para dizimar coxinhas é deixar eles falarem e divulgar o “conteúdo”, pois quanto mais forem conhecidos em relação ao conteúdo, que produzem em altos e acelerados discibéiscursos, desaparece a imagem á manchete que a mídia pede e necessita e, a partir daí, desmoralizam-se por si, fecham-se as cortinas, pois os patrocinadores não são bobos e continuarão com o espetáculo apenas no palco paraguaio, com a PF, o MPF e a República do Paraná, roteirizados pela mídia e patrocinados pela justiça. E por que isso acontece? Por que deixam que isso aconteça? Onde está a justiça que permite? 

    Para entender responda a ti: O Brasil tem Ministro da Justiça? O Brasil tem sociedade civil democrática? O Brasil tem OAB? O Brasil tem STF? A democracia brasileira oferece proteção aos seus cidadãos?

    Pois é, se acha que tem e cumprindo republicanamente seu papel, então explique:

    Por que Vaccari foi preso e permanece  preso, sob o critério estabelecido e registrado, como justiça?  

    Por que invadem a empresa do FILHO DO LULA (o nome dele é luís Claudio lula da Silva, “mas sabe-se lá por que”, preferem Filho do Lula?) e não convidam a mulher do Mr Cunha, para uma conversa que seja, mesmo que almoço no Fasano às expensas da PF e com direito as amigas e advogados?  Só rindo!

  4. O que esperamos?

    Fui educada a não reagir a nenhum tipo de insulto para não me tornar tão vil  quanto o agressor.

    Acredito que o Prefeito de São Paulo também deve ter sido educado da mesma maneira.

    Porém, penso que esta etiqueta social, digamos assim, que fez parte de nossa educação, não estava prevendo o trato com fascistas.

    Fascistas não se importam com a civilidade alheia, aliás a desprezam.

    Então, para lidar com fascistas é preciso rigor da lei  forjada em um Estado de Direito Democrático.

    O Prefeito Haddad é um autoridade pública , representa milhões de paulistanos e ao ser ofendido desta forma e gratuitamente se está a ofender todos os seus eleitores. Não é uma questão pessoal , não se trata do cidadão Haddad e sim do Prefeito e isso tem a ver com o coletivo e não com o individual.

    Se não há reação do cidadão, o prefeito, ao contrário, tem o dever de reagir e coibir os fascistas.

    Se uma autoridade não reage na forma da lei, o cidadão comum se sentirá acuado, temerá  por sua sorte caso um dia se manifeste favorável ao Governo Federal ou ao Governo Municipal ou quiça declarando-se petista. 

    São Paulo, minha terra, que um dia foi berço de vanguarda hoje é vergonha nacional,  ninho de fascistas. Eu temo que um dia alguém mais exaltado possa cometer um desatino como ocorreu recentemente na Alemanha com a candidata de Colônia vitima de um crime que por sorte  não foi fatal.

    O que aguardamos?  A morte de um de nossos políticos? É disso que se trata? Uma catarse coletiva com um bode sobre o altar? Já chega o que temos que engolir com o José Dirceu preso, agora o Pizziolato, o Genoíno destruído, Gushiken morto.

     

     

     

    1. Perfeita. Você merece
      Perfeita. Você merece aplausos. Se a civilização recuar diante da barbárie será destruída por bárbaros como estes que não sabem se comportar dentro de uma Livraria e na presença do Prefeito eleito pelo povo e empossado pelo TRE. A Lei existe para ser cumprida e a coação indesejada as vezes deve ser empregada contra aqueles que querem se impor à democracia usando a força bruta. Resumindo: as vezes é preciso jogar as feras às feras.

    2. Complicado… reação

      Complicado… reação violenta, especialmente se vinda das instituições, é tudo o que os coxinhas esperam para crucificar o prefeito. Lembre-se de que entre os coxinhas estão poderosos difamadores (Folha, OESP, Globo, Abril). Ou seja, a Justiça, caso não atenda às demandas do liberalismo, não está podendo contar com a opinião pública nesse momento.

      Pessoalmente creio que o moço que foi agredido na livraria tem que levar a agressora, Celene Carvalho, às leis. Mas o prefeito? Os a pessoa de Fernando Haddad? Acho que não…

      1. Sim, concordo com você, é o

        Sim, concordo com você, é o que a oposição quer. Que o PT e o governo percam a cabeça. Nós podemos, eles não , pois têm enorme responsabilidade sobre os ombros.

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