Finados, todos (os) nós têm fim, por Mariana Nassif

Legado, mistério, acolhimento... o conjunto de incertezas que a morte apresenta faz dela tema de exploração incansável na literatura, no cinema, nas artes e também nos divãs

Banksy

Finados, todos (os) nós têm fim, por Mariana Nassif

Fato: quando você tem caminhos mediúnicos, os mortos passam a ser encarados de outra forma, visto que vez ou outra eles realmente aparecem para uma visita nem sempre tão rápida assim. A presença daquela baianinha da saia branca, contando sobre o pai que não a deixava sair da porta de casa, contrariando sua energia assanhada. Ela, então, desenvolveu um jogo com rosas e moedas para que pudesse disfarçar aquele material de trabalho no gomo passado da saia rodada quando o pai se aproximava. A emoção que transbordou belíssima e potente na despedida do serviço em terra, rodopiando suave e feliz, uma felicidade que carrego em mim até hoje. Essa baianinha é, em algumas religiões, alguém morto que se faz presente no mundo dos vivos, e me desculpe retirar o romantismo que paira sobre ser médium: dá um baita trabalho organizar e sentir tudo isso, especialmente no começo. Não aconselho desistir, entretanto, porque olha, depois de um tempinho provavelmente a alegria de uma gira será quase insubstituível. Axé!

 

Enfim, a morte, essa certeza, é um dos tabus mais presentes nas diversas reuniões de pessoas em diferente espaços de tempo na história da humanidade: já o homem de Neanderthal se preocupava e se ocupava de seus mortos, enterrando-os e inclusive reunindo-os. Os musterenses, povo pré-histórico, cobria os corpos falecidos com pedras, especialmente na região do rosto e da cabeça numa tentativa de evitar a aproximação de animais mas, também, de evitar que retornassem ao mundo dos vivos. Elementos da natureza têm presença garantida nestes rituais – flores, fogo, água, cheiros… uma série de comprovações de que este é caminho natural, sem dúvida alguma.

 

O cuidar dos mortos é presente em todas as sociedades e, simplificando bastante as interpretações, tende a enaltecer contextos não encontrados em vida: a paz, o descanso, o encontro com a luz, o que reforça que a experiência terrena é, em variada interpretação, passageira e incômoda. Até no sentido de abrandar este incômodo todo, acredito eu, as inúmeras crenças e exercícios de exploração do pós-morte são cultuadas nas mais diferentes religiões e regiões. As próprias entidades que se fazem presentes nos terreiros têm como objetivo o atendimento às necessidades humanas de acolhimento frente às adversidades, como se viessem em terra para aliviar a sofrência de nós todos, que aqui seguimos presos até que se cumpra a profecia generalizada de que sim, um belo dia, essa vida finda, mas que, veja só, de repente a gente se encontra num centro ou numa mesa branca entre aqui e acolá.

 

Legado, mistério, acolhimento… o conjunto de incertezas que a morte apresenta faz dela tema de exploração incansável na literatura, no cinema, nas artes e também nos divãs: é realmente esquisito como podemos ter tanta reticência, fascínio e curiosidade sobre um ponto que nos é, de toda forma, fundamental.

Mariana A. Nassif

1 Comentário
  1. A humanidade, no passado, sabia que há muito mais no ser humano – e nos outros animais – do que este corpo físico feito de átomos. A maioria nem precisava de médiuns para falar com os entes queridos já desencarnados, pois conversava diretamente com as pessoas amadas no estado entre-vidas.
    Mas, o mundo mudou para pior. Veio o Império Romano, que idolatrava o poder. O Império ruiu, e a classe oprimida d’antanho – os escravos – não teve força para implantar um novo sistema econômico mais equânime e solidário. Resultado: veio a Idade Média e seu obscurantismo, em que o poder natural de ver o mundo sutil foi considerado “coisa do demônio”. A religião oficial se tornou um intermediário mal intencionado entre o ser humano e o além-morte. A Idade Média acabou (depois de vários séculos) e deu lugar ao Renascimento. Mas a cultura ancestral estava praticamente extinta, ficando restrita a micro-bolsões culturais.
    Ser médium, como você, nos dias atuais, é mesmo um privilégio.

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