Justiça Tributária e Ajuste Fiscal, por William Nozaki

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Justiça Tributária e Ajuste Fiscal, por William Nozaki

Justiça tributária

A divulgação na última semana dos resultados do PIB brasileiro não deixam dúvidas sobre a necessidade de um ajuste na economia do país diante do desaquecimento acelerado e da recessão iminente. Não há consenso, entretanto, sobre os caminhos a serem seguidos pelo ajustamento, pesam dúvidas sobre de onde devem ser feitos os cortes de gastos ou sobre quem deve incidir os aumentos de impostos.

A trajetória do desenvolvimento brasileiro, via de regra, é marcada por duas grandes tendências: (i) nos períodos de crescimento econômico é possível acomodar interesses sociais distintos, pois, ainda que os mais ricos ampliem a riqueza em uma velocidade maior do que avança a renda dos mais pobres, de alguma forma, a melhora no bem-estar social pode ser sentida por todos; (ii) mas, nos períodos de estagnação ou recessão, onde os conflitos se explicitam de maneira mais intensa, o Estado é sempre pressionado a arbitrar em favor dos mais abastados, tanto encolhendo a implementação de políticas públicas quanto adensando a regressividade da estrutura tributária.

Entretanto, em um momento como o atual, marcado simultaneamente pela necessidade do ajuste econômico e pelo desejo de mudança social, o governo deveria ousar uma saída diferente daquela sugerida pelos roteiros monótonos da nossa política econômica tradicional e ortodoxa. É fundamental que se considerem medidas de justiça tributária e distributiva a partir da implementação (i) do imposto sobre grandes fortunas, (ii) da taxação de heranças e doações e (iii) do combate à sonegação de impostos. 

Imposto sobre grandes fortunas

Em relatório divulgado em 2014, o banco Credit Suisse estimou que no Brasil deve existir cerca de 225 mil pessoas com patrimônio individual de mais de US$ 1 milhão. Ou seja, cerca de 0,1% da população brasileira possui riquezas pessoais em torno de pelo menos R$ 3 milhões. Estamos, portanto, diante do mais alto cume da pirâmide socioeconômica.

Em uma aproximação bastante subestimada – supondo que cada uma dessas pessoas possui apenas R$ 3 milhões, o que sabemos que não é verdade, afinal, apenas na lista anual da Forbes o Brasil figura com 54 bilionários – estaríamos tratando de uma fortuna em torno de R$ 675 bilhões, algo perto de 8% do PIB.

Se a riqueza de cada um desses indivíduos fosse taxada com a alíquota mínima do imposto de renda, 7,5%, teríamos uma fonte de arrecadação que poderia equivaler a mais de R$ 50 bilhões.

Taxação sobre heranças e doações

Um complemento ou uma alternativa ao imposto sobre grandes fortunas, é a taxação sobre heranças e doações. No Brasil, os estados já dispõe do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação). As arrecadações com esse imposto tem alcançado cerca de R$ 4,5 bilhões, cerca de 1,4% do PIB.

Não se trata de um valor muito expressivo exatamente porque sua base de tributação é muito aquém da existente em outros países, em economias de mercado avançadas os obstáculos para a implementação de medidas dessa natureza parecem ter sido enfrentados com maior êxito do que no Brasil. No Reino Unido os tributos sobre propriedade alcançam 4,2% do PIB, na França esse número chega a 3,9% e nos EUA a 3,0%.

Recentemente, os ministros da fazenda e do planejamento admitiram estudar propostas que caminhem nesse sentido, apesar de ainda não terem sinalizados números concretos, caso a taxação sobre heranças e doações atinja o patamar médio internacional a arrecadação pode alcançar algo próximo de R$ 9,0 bilhões.  

Combate à sonegação de impostos

A combinação entre sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro é provavelmente a fonte por onde escoa os maiores volumes de perdas de arrecadação, estima-se que o Estado brasileiro deixa de recolher perto de R$ 500 bilhões por ano aos cofres públicos.

Os exemplos recentes explicitados pelas Operações Lava Jato, Zelote e pelo caso SwissLeaks evidenciam bem a dinâmica do superfaturamento, das propinas e da corrupção de um lado, e, a articulação entre remessas de lucros, atividades ilícitas e paraísos fiscais de outro lado.

É curioso observar como entre as 8667 contas de brasileiros descobertas no HSBC da Suiça figuram justamente nomes de empresários e figuras públicas que tanto se empenham na cruzada moralista contra a corrupção praticada pelos políticos.

Evidentemente, toda forma de desvio de recursos públicos deve ser punida, mas a eficiência dessa punição deve levar em conta que a roda da corrupção no país é sistêmica e complexa, envolve tanto as instituições políticas quanto as instituições de mercado, está presente tanto nas grandes propinas dos “de cima” quanto nos pequenos subornos dos “de baixo”. Nesse sentido, o combate à sonegação de impostos é um exercício republicano.

Ajuste fiscal

É bem verdade que a implementação das medidas acima apontadas enfrentariam resistência dos mais ricos e apresentariam desafios operacionais e administrativos relacionados à manobras contábeis, fixação de alíquotas e concessão de isenções. Mas enfrentar essas questões significa afrontar velhos atavismos da nossa estrutura social e política em favor de um compromisso econômico e ético com o país.

O ajuste fiscal proposto pelo ministro Joaquim Levy exige um esforço de contenção de recursos da ordem de R$ 80 bilhões. Nos termos expostos acima, apenas com o imposto sobre fortunas e a taxação de heranças os cofres públicos poderiam arrecadar algo em torno de R$ 59 bilhões, o restante certamente poderia ser complementado e superado com um esforço gradual de combate à sonegação.  

O momento exige a defesa de mais ajuste e não menos ajuste, mas, sobretudo, convidando toda a população brasileira a fazer parte desse esforço fiscal. A novidade não está em arregimentar os 99% da população que em todos os ciclos econômicos já são impactados pelos ajustes. O ineditismo e a ousadia estão em convocar aquele 1% do alto da pirâmide social que por diversos caminhos ao longo da história tem subtraído e desobrigado seus negócios privados da construção pública do que deve ser a Nação.

Willian Vella Nozaki é docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), doutorando em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia e tem experiência na área de Economia com ênfase em: História Econômica e Economia Política; Crescimento e Desenvolvimento Econômico; Instituições Monetárias e Financeiras, Internacionais e Brasileiras. 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. Essa lenga-lenga de novo…

    Mais um artigo sugerindo o aumento de impostos para fazer “justiça tributária”.

    Balela! Aumentar impostos dos mais ricos sem contrapartida só leva ao aumento da carga tributária. Justiça Tributária se faz diminuindo os impostos que os pobres pagam, que são os famigerados tributos indiretos (PIS/COFINS, CIDE, IPI, etc…). Defendo que se aumente a tributação sobre os mais ricos, mas que se use a grana para extinguir/reduzir impostos indiretos.

    Aí sim começaremos a construir um sistema tributário justo. Mas tenho poucas esperanças que isso vai acontecer.

    Temo que essa pressão para meter a mão na carteira dos mais ricos servirá apenas para alimentar o insaciável leão, que logo poderá estar sugando 50%, 60% do PIB sem que se tenha reduzido a carga tributária sobre os mais pobres e a classe média.

     

     

        1. Meu pai até poderia curtir

          Meu pai até poderia curtir mesmo.

          Sempre discutimos sobre porque ele prefere lamber botas do que ter uma postura de classe com aqueles que realmente ele parece; não inconscientemente, deseja ser;

          Meu pai é do teu time. Joga contra o trabalhador, mas não sabe direito.

          É coisa mesmo de espírito de capataz.

  2. Essa gente não consegue

    Essa gente não consegue pensar em outra coisa que não seja aumentar impostos. Nossa carga tributária já é absurda e simplesmente desperdiçada com a ineficiência gigante do setor público e com salários incompatíveis do funcionalismo.

  3. Já que o autor tem

    Já que o autor tem “experiência na área de Economia com ênfase em: História Econômica e Economia Política”

    Poderia me informar em que momento histórico o estado brasieliro reduziu sua interferência na economia?

    Hoje o estado brasileiro interfere menos ou mais na economia do que há 10 , 20, 30 anos. 

  4. Confisco X Justiça Fiscal

    Deixa eu ver se entendi.

    O sujeito tem um patrimônio de US$ 1.000.000, aproximadamente, segundo o autor, R$ 3.000.000. 

    Um apartamento de R$ 1.500.000 aonde vive e 1.500.000 aplicados, talvez seja de meia idade, perto de se aposentar, guardou para a velhice.

    Vai pagar só de imposto sobre o patrimônio 7.5%,  R$  225.000 por ano ou  R$ 18.750 por mês.

    Mas, argumentarão, pagará com os rendimentos do seu patrimônio. O apartamento onde se vive não rende nada. E dinheiro aplicado? As NTN-B do Tesouro Direto rendem hoje, e é muito, 6.5% além da inflação. Fora o imóvel, mais do que o total da renda real irá para o imposto sobre o patrimônio. E o imóvel? Tera de vender para aplicar o dinheiro, só para pagar o impôsto.

    Alguns podem argumentar que R$ 3.000.000 é a faixa de isenção, mas o cálculo do autor pressupõe que todos que possuem tal valor paguem os 7.5%.

    Se o objetivo é fazer terrorismo, está muito bom.

     

     

     

     

     

     

  5. Warren Buffett diz:

    “Nossos lideres falaram de “dividir o sacrifício”. Mas me pouparam. Chequei com meus colegas mega-ricos para ver o que eles esperavam. Também sentem-se intocados.”

    http://outraspalavras.net/posts/parem-de-mimar-os-super-ricos/

    Buffett é fenomenal.

    Quem se deu ao trabalho de ler o texto saiba que a passagem “Ganhamos bilhões com nosso trabalho, mas podemos classificar nossa renda como “participação nos resultados”, pagando uma pechincha de 15% de imposto.”

    no Brasil ficaria “…pagando um pechincha de 0% de imposto” que é a tributação sobre os dividendos distribuidos aos sócios no país.

    Claro, temos uma tributação avassaladora em cima dos preços dos produtos: ICMS, PIS/COFINS, CIDE é a nossa força de anestesiar o contribuinte formando a base da arrecadação que pesa muito mais, proporcionalmente, sobre os mais pobres.

    Nossos super-ricos brasileiros são ainda mais mimados que os dos EUA.

     

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