Movimento #JUNTOS já nasce velho: não existe democracia sem direitos sociais, por Rafael Molina Vita

Procurando ter a maior amplitude possível, o texto fala de uma democracia abstrata, não fazendo menção a direitos sociais e econômicos.

Movimento #JUNTOS já nasce velho: não existe democracia sem direitos sociais

por Rafael Molina Vita

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição[1].

O manifesto #JUNTOS pretende agrupar todos os opositores ao atual governo em defesa da “vida, liberdade e democracia”. Procurando ter a maior amplitude possível, o texto fala de uma democracia abstrata, não fazendo menção a direitos sociais e econômicos. Alguns trechos dão margem a várias interpretações: “Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias (…)”[2].

O manifesto não contempla sindicatos, movimentos de luta pela moradia e pela terra, coletivos LGBTI+, movimento negro e de mulheres, ambientalistas. Ao não tocar na política neoliberal de Paulo Guedes, o #JUNTOS já nasce velho.

Precisamos relembrar a verdadeira motivação do golpe parlamentar de 2016: a implementação do neoliberalismo tardio expresso no programa “Ponte para o futuro”. Nesse contexto, foram a aprovadas a “PEC da morte” (teto dos gastos sociais), a reforma trabalhista e o desmonte da previdência. Como democracia não combina com fundamentalismo econômico, o Estado Democrático de Direito foi ignorado pela operação lava-jato e o principal obstáculo à consolidação dessa política foi preso, o que garantiu a eleição de Jair Bolsonaro e a ascensão de Paulo Guedes ao comando da Economia.

A politica econômica implantada pelo Ministro e apoiada pelos grandes grupos empresariais de comunicação e políticos de centro-direita é extremista. Paulo Guedes e seus apoiadores, muitos dos quais fazem parte dessa “frente ampla”, pararam no tempo, mais precisamente no Chile de Pinochet, laboratório do neoliberalismo e responsável pela ditadura mais sangrenta da América Latina.

A crise política e social não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. O programa concentrador de renda típico do capitalismo financeiro apenas pode ser aplicado com a destruição da democracia liberal, vide os distúrbios recentes nos Estados Unidos e América Latina. Qualquer frente contra o autoritarismo que queira ser realmente efetiva para a maioria da população tem que tocar na política econômica.

Caso contrário, apostaremos naquele liberalismo com cheiro de naftalina da República Velha (1889-1930), quando a questão social era tratada como questão de polícia, repaginado pela “responsabilidade social” de um Luciano Huck e pela demagogia do MBL, com suas ideias anacrônicas sobre a mão invisível do mercado e Estado mínimo.

Todo estudante de Direito aprende que os Direitos Humanos são interdependentes, ou seja, não existem direitos civis e políticos (primeira geração ou dimensão) sem direitos econômicos e sociais (segunda dimensão) e sem direitos difusos e coletivos (terceira dimensão).

Precisamos parar de banalizar e levar a sério o conceito de democracia. Nossa bandeira histórica é a de um projeto nacional e popular que permita a utilização dos recursos econômicos do país em prol da maioria da população. Se a esquerda embarcar em um programa de democracia abstrato, de baixa intensidade, não poderá culpar o povo por procurar soluções autoritárias para os seus problemas concretos.

Rafael Molina Vita – Especialista em Direito Constitucional, mestre em políticas públicas e membro da ABJD.

[1] Artigo 6º da Constituição Federal.

[2] Link do manifesto: https://movimentoestamosjuntos.org/.

Redação

5 Comentários

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  1. Então, se “não contempla”… os grupos que o autor cita, de modo genérico,foram chamados para encampar a ideia, não foram chamados, foram rechaçados ou não quiseram participar? “Contempla” é um termo arriscado: se o manifesto não toca no que é essencial para estes grupos, qual a relação destes grupos com a iniciativa do grupo? Por outro lado, quem assina, no geral, é pessoa física, não grupos (embora seja fato que um indivíduo possa representar interesse de um grupo, uma ideia…).
    Minha sugestão? Faça seu manifesto, multipliquem-se as ações. Verifique aquelas atividades, grupos que interessam a você. Verifique se é um projeto de curto, médio ou longo prazo. Se é um fim em si ou se deseja ser algo perene, uma estrutura.
    Tem gente que merece um belo chute na b*nda pra não virar pássaro de Minerva.

  2. Parece-me que o “purismo” do articulista, apegado à letra jurídica (o tal garantismo!?), desconsidera que o quê move a história humana em todas as suas dimensões, são a práxis dos sujeitos sociais inseridos no jogo político do poder, numa sociedade dividida em classes antagônicas.

    Diante da necessidade de superar a conjuntura bolsonarista, o teor do manifesto do #Juntos se insere na lógica dos versos do poeta curitibano Paulo Leminiski:
    “Na luta de classes
    todas as armas são boas
    pedras, noites, poemas…”

    Também me parece óbvio que o “Manifesto” do Movimento #Juntos, que despertou a ira do Rafael é tão somente um “manifesto” com o propósito de sensibilizar corações e mentes… em face da iminência histórica que poderá levar o país à ditadura da boçalidade. Não é pois, o tal manifesto: um “programa de governo”, menos ainda as diretrizes de uma “frente ampla”.

    A “força” do texto do Manifesto decorre juntamente de sua “episteme” – genérica e abstrata. Tem-se a expectativa: depois que as forças democráticas, à esquerda, à direita e os centristas (não os “muralistas”… é de todo sabido que no Brasil, os “centristas” são direitistas em potencial…), de fato, assegurarem a vigência da democracia – como valor universal (bom recordar Carlos Nelson Coutinho) e o Estado de Direito, por certo restaurará o espírito (de justiça social) da “letra fria” do Art. 6 da CF-1988, citado pelo articulista.Depois de trinta anos de vigência da CF-88 (“Constituição Cidadã”) foi sendo depenada…

    Por fim, se depreende do texto do Rafael a convicção e a (crença) no Direito como a “ciência da efetividade histórica dos direitos sociais”… Bem, todo estudante de Sociologia sabe que foi justamente nesse ponto (entre a prevalência da letra da Lei e ação dos sujeitos históricos…) que Karl Marx “superou” Friedrich Hegel.

  3. Todo mundo já entendeu. Os petistas (militantes ou simpatizantes) somente apoiarão uma Frente na qual Lula seja o comandante e as teses petistas sejam aceitas.
    É direito dos petistas agirem como bem entenderem e devemos reconhecer que estão sendo coerentes com a idolatria que prevalece no partido.
    Pronto.

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