Francisco Celso Calmon
Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.
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Mutirão da autocrítica, por Francisco Celso Calmon

Autocrítica na política não pode ser entendida e exigida como purgação, ablução, nem como ato de contrição, de remorso, de culpa pelos pecados, cuja correção é a penitência, o flagelo

Mutirão da autocrítica

por Francisco Celso Calmon

Por que tanto interesse em cobrar autocritica do Lula e do PT? Qual a finalidade da autocritica? Para que serve? E a quem interessa?

Qual o interesse de uma mídia golpista, como a Globo, em cobrar autocritica de Lula ou do PT? O Globo levou 49 anos para reconhecer o erro de ter apoiado o golpe de 64, e de nada adiantou, pois em 2016 estava de novo apoiando o golpe parlamentar-judicial. E no mesmo ano em que fez seu editorial reconhecendo o erro de ter apoiado o golpe de 64, estava incitando segmentos da classe média à subversão da legalidade, com sugestivo impeachment à presidenta Dilma e a nova intervenção militar.

Os protestos que eclodiram em junho, a Globo e afiliadas foram alvo das manifestações em diversas cidades. Nelas as palavras de ordem eram “A VERDADE É DURA, A GLOBO APOIOU A DITADURA” e “O POVO NÃO É BOBO, ABAIXO A REDE GLBOBO”. Atos contra prédios da emissora foram registrados em todo o país. Premida por esses movimentos e querendo aproveitar deles para desestabilizar o governo da Dilma, a Globo passou a manipular e impôs uma narrativa para fazer de objetivos difusos desses seguimentos sociais um movimento de vetor desestabilizante do Estado democrático de direito e antiPT.  

Cadê a autocrítica dos fariseus arrependidos?

Michel Temer reconheceu que foi golpe o impedimento da Dilma, e que se Lula tivesse ido para a Casa Civil do governo a história seria outra. 

Temer foi um dos articuladores do golpe, não apenas preparando com discurso, como aquele em que dizia que o Brasil precisava de alguém que unisse o país, descartando a presidenta como capaz de e se colocando como tal. Antes teve aquela carta chorosa de “marido carente”. 

Como vice-presidente visitou diversos governadores, começando pelo do ES, Paulo Hartung, arregimentando apoios para o golpe, comportamento que não há outro adjetivo senão o de traidor.

 Janaína Paschoal, uma das proponentes do pedido de impeachment, afirmou recentemente que Dilma não foi impedida por razões contábeis, as tais pedaladas, reconhecendo o golpe. 

Seu colega proponente, Miguel Reali, afirmou que o ex-juiz Moro agiu com parcialidade e conluio com o MPF no processo Lula. E diz de sua colega: “Recebi com muita tristeza a aproximação de Janaina com Bolsonaro. Há uma contradição dele com a democracia”. 

O ministro do STF, Gilmar Mendes, classifica Moro e seus asseclas da lava jato como quadrilha de corruptos e corruptores com projeto de poder. E procura se eximir de sua responsabilidade de ter impedido Lula de assumir o cargo de ministro da Casa Civil dizendo que no contexto do vazamento, achou que havia armação, fraude, da parte da mandatária de outro poder, o Executivo. “A conduta demonstra não apenas os elementos objetivos do desvio de finalidade, mas também a intenção de fraudar”, escreveu Gilmar em seu despacho na época.  

No presente declara: “Hoje temos uma visão mais completa do que estava se passando.  Mas as informações disponíveis na época permitiam concluir que havia um viés de fraude na nomeação…”. 

Como um ministro do STF toma decisões açodadas e baseadas em matéria de jornal, de vazamentos publicados pela Globo? Reconhecer isso sem penitência autocrítica é trágico para a história do judiciário e do Direito no Brasil. 

Gilmar extrapolou a sua competência, pois nomeação de cargo é um ato administrativo interno ao Executivo, não cabendo interferência de outro poder.

Todos foram personagens principais do golpe de 2016. Golpe que levou o país a barbárie social, a estagnação econômica, a atrofia política da democracia e a subversão do Estado de direito. 

Foram eles também que transformaram em mantra a cantilena da necessidade de autocritica do PT e do Lula, e, no presente, sem recurso diante da história para fugir das responsabilidades que têm pela atual conjuntura, farão autocrítica? Ou serão como os fariseus, arrependidos, mas nem tanto? 

Autocrítica na política não pode ser entendida e exigida como purgação, ablução, nem como ato de contrição, de remorso, de culpa pelos pecados, cuja correção é a penitência, o flagelo (chicote utilizado pelos membros de algumas ordens religiosas para disciplinar o espirito mortificando a carne), mas reconhecer os erros através de propostas e ações diferentes daquelas consideradas como erradas, enfim, tirar lições do passado e corrigir.

Será ingenuidade ou devoção ao flagelo querer que Lula ou o PT faça o mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa, para delírio e uso capcioso dos adversários de classe? E com o seria, batendo no peito ou usando o chicote para golpear o dorso?

No teatro de operação da política, cujo eixo é a luta de classes, (gostemos ou não), não cabe a purificação, a compunção, cabe corrigir os rumos, adotar outros caminhos.

Quando Lula e o PT apontam não mais para a conciliação, quando dão nomes aos principais adversários da democracia, como a Globo, quando apontam a mobilização e as ruas como caminhos para enfrentar o nazifascismo do governo e das instituições que o apoiam, quando reconhecem que não terem enfrentado como deviam a necessária democratização dos meios de comunicação foi um crasso erro, quando aponta os EUA como conquistador e explorador de riquezas alheias, quando assertivam que os amigos dos EUA são os EUA, que o Brasil não pode ser submisso, ter complexo de vira-lata, porque somos um grande povo e uma grande nação, enfim, aí reside a autocrítica, aí reside o aprendizado com a história para agir no presente em construção ao futuro. 

Muito antes da autocritica dos governos Lula e Dilma, que beneficiaram 52 milhões de brasileiros, exigimos em nome da memória , da verdade e da justiça, que as elites façam autocrítica prática pelo etnocídio dos indígenas, do genocídio dos negros e pelas torturas, prisões políticas, estupros e assassinatos dos opositores às ditaduras de Vargas, da Militar e ao  atual Estado policial, com reparações a todos os sobreviventes e descendentes desses eventos traumáticos, do passado e da atualidade, da história do Brasil.

Crítica e autocrítica se fazem à luz de princípios e objetivos. 

Não deve ser construído um muro separando a crítica da autocrítica, pois são partes de um todo, são partes da dialética da história, da natureza e da biologia.  As contradições movimentam evoluções e revoluções, doenças e regenerações, seja num corpo biológico, seja no corpo social. 

Não se resolve as contradições negando as suas existências.

Negar a crítica e autocrítica como partes de um mesmo eixo, é como negar que a tese provoca a antítese e de dessa contradição surge síntese, que também deixará de ser e irá virar tese.

Numa democracia, o eixo crítica/autocrítica deveria e deve fazer parte da cultura política do país. Entendê-la não como purgação ou flagelo, mas como método para tirar lições de melhoria e aperfeiçoamento aos princípios e consecução de objetivos.  

Não se faz autocrítica para adversários ou inimigos, pois não comungam dos mesmos princípios e objetivos, se faz entre e para os parceiros e camaradas de lutas. 

Nesse sentido e dentro desse escopo cabe ao Lula, aos dirigentes e militantes do Partido dos trabalhadores aplicar um roteiro de indagações para delas tirarmos ensinamentos de melhoria.  

“O Partido dos Trabalhadores é uma associação voluntária de cidadãs e cidadãos que se propõe a lutar por democracia, pluralidade, solidariedade, transformações políticas, sociais, institucionais, econômicas, jurídicas e culturais, destinadas a eliminar a exploração, a dominação, a opressão, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o socialismo democrático”.
– Estatuto do PT, Artigo 1º.

O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformá-la. A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá. (Manifesto de criação do partido).

À luz do artigo primeiro do Estatuto e o do Manifesto, o PT desempenhou fidedignamente esses mandamentos?

E diante da nação, do povo, a pergunta-chave é: o que foi deixado de fazer e poderia ter feito, o que foi feito e não deveria?

O PT que chegou à vitória eleitoral presidencial foi produzido por um PT de luta de classes, que vivia internamente uma democracia intensa, na qual disputavam a  hegemonia defensores do socialismo versus defensores da socialdemocracia, entre os que  abjuravam a luta de classes pelo método da  conciliação, substituíram a refrega dialética das contradições estruturais pelo republicanismo no institucional e peleguismo no social. 

A memória dessa quadra do PT no poder sobrepõe a do PT que procurava, com erros e acertos, operar a luta de classes, a ter como alvo a classe dominante e como objetivo as transformações estruturais com vistas à construção do socialismo.  

O debate interno foi gradativamente eliminado pelo burocratismo e apego aos atrativos do poder.

O PT atual é fruto da quadra mais recente de sua história, qual seja: do Lulinha paz e amor, da carta ao povo brasileiro, da militância comissionada, da esquerda cosmética. 

Cabe nesse trecho indagar: por que as escolhas para o STF e STJ foram erradas, foram indicados punitivistas de viés fascista e golpista, subversivos da Carta Magna e do devido processo legal?  Evidentemente que o método foi errado!

Por que a democratização dos meios de comunicação não ocorreu?

Se for usado o argumento genérico da correlação de forças, então, cabe outra questão: por que os trabalhadores não avançaram em consciência de classe e organização para alterar a correlação de forças?

E o antipetismo é ou não uma realidade? Se há dúvida, é mister uma pesquisa para constatar qual a profundidade desse antipetismo e suas prováveis causas? O que não deve é negar com base tão-somente no achismo ou na defesa dogmática do corporativismo.

“O PT afirma seu compromisso com a democracia plena e exercida diretamente pelas massas. Neste sentido proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas. 

A transição de sociedade que o PT quer construir deve defender o controle dos trabalhadores sobre os meios de produção; a universalização da educação; os investimentos em conhecimento e pesquisa; o acesso universal aos bens culturais; o controle e taxação do capital improdutivo e das grandes fortunas; as reformas profundas nas estruturas de ocupação e de exploração das terras e no planejamento e desenvolvimento das cidades. A defesa da paz em todas as circunstâncias e a denúncia da banalização da guerra e da violência precisam constar claramente em nosso projeto socialista. (3º congresso).  (grifos meus).

Sendo um partido que busca o socialismo, somos um partido anticapitalista. 

Nenhum líder petista está acima de seus estatutos e resoluções e que possa fazer declarações em nome do PT em inobservância ao escopo e approach oficiais do partido. 

A história do Brasil produz uma consciência de rejeição aos que a conhecem e sinaliza para uma perspectiva revolucionária, assim como a história do capitalismo.

O Papa Francisco tem declarado, com todas as letras, a necessidade de a juventude ser revolucionaria, combater o capitalismo e lutar pelo socialismo.

Lula quando disse que se conhecesse história, como conhece hoje, há 50 anos, seria um revolucionário, indica, pois, o caminho: conheçam a história e se tornem revolucionários. Mais claro e assertivo só esperam os incendiários bravateiros.

O retrato atual do Brasil é catastrófico, deprimente, vergonhoso, evidencia e reclama, objetivamente, por um mutirão de autocrítica!

“Se não formos para a rua para lutar e resistir, estaremos perdidos”. (Lula)

Sou um socialista, Jesus também era, essa é na nossa doutrina (Papa Francisco).

Precisa desenhar?

Francisco Celso Calmon é Advogado, Administrador, Coordenador do Fórum Memória, Verdade e Justiça do ES; autor do livro Combates pela Democracia (2012) e autor de artigos nos livros A Resistência ao Golpe de 2016 (2016) e Comentários a uma Sentença Anunciada: O Processo Lula (2017).

Francisco Celso Calmon

Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.

2 Comentários

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  1. Isso aí! Perfeito o raciocínio e conclusão.
    Esse pedido de autocrítica feito pelos golpistas é pura malandragem, senha para o inferno. Uma forma de incitar a autodestruição do legado e da história políticos, com saldos claramente positivos, cujo objetivo dos detratores é baralhar e fazer diluir nos supostos erros. O PT foi apeado antidemocraticamente do poder muito mais por conta de seus acertos do que erros. Falar em autocrítica, agora, é querer transformar também os acertos em erros, e legitimar o erro, esse sim, dos golpistas, inclusive daqueles que já se deram conta de que criaram um monstro.

  2. Entendo a expressão ‘mutirão de autocrítica’ como exigir que todos façam a sua. Assim como não se pode exigir só acertos do partido que deteve em mãos a presidência do país por 13 anos e meio, tampouco pode-se cobrar só dele a imensa tarefa de educar politicamente as massas. Quanto à crítica à não regulação da mídia, a resposta é óbvia: não havia força política para isso. Níveis momentâneos de popularidade não aprovam leis e nem garantem sua aprovação por quem efetivamente vota nas casas legislativas. E uma retificação teórica: Marx nunca propôs ‘luta de classes’ como método de ação política. O que Marx disse foi que a luta de classes está presente em todas as épocas da História do homem e que ela é ‘motor da História’. É um fato e não um método de ação. Se cabe a alguém tensionar, ou ‘esticar a corda’, não seria ao governo, já que ao fazê-lo corre o risco de ser derrubado. E reduzindo juros de bancos públicos, por exemplo …

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