Não basta bater panela! É preciso enche-la!, por Marcelo Auler

Em outras palavras, é preciso se preocupar em encher as panelas de quem tem fome. Com isso evitar um possível o caos social no qual muitos bolsominos apostam.

Não basta bater panela! É preciso enche-la!

por Marcelo Auler

em seu blog

A insatisfação com o (des)governo de Jair Bolsonaro, notadamente com as posições dele, de seus filhos e do chamado núcleo ideológico que o cerca combatendo a política de isolamento social, fez com que parte significativa da sociedade brasileira, mesmo na quarentena, despertasse do ostracismo a que estava relegada. Impedidos de ir às ruas, cidadãos de todos os recantos brasileiros manifestam a contrariedade ao (des)governo indo às janelas, quase que diariamente, bater panelas.

Há, porém, motivo maior de preocupação. O despreparo (para não se falar em pouco caso ou mesmo desprezo) do (des)governo em fazer chegar comida aos mais necessitados. Àqueles que não têm renda, não têm trabalho, mas família e filhos (que perderam as merendas escolares) para alimentar.

São os “que se viravam como ‘trabalhadores informais’, agora sem clientela, e os sem trabalho algum” descritos por Janio de Freitas em sua coluna de domingo (12/04) na Folha de S.Paulo. Na coluna, Janio de Freitas faz o alerta: “A fome já chegou a muitas famílias. Mais de 20 milhões de pessoas desses segmentos estão fora do contingente que, diz o governo, receberá R$ 600 daqui a três dias“. Em seguida, adverte: “em dinheiro ou em produtos – o primeiro é mais versátil, produtos nem sempre coincidirão com o mais necessário ao recebedor – doações são a única possibilidade de atenuar os atrasos governamentais e de complementar a ajuda oficial de óbvia insuficiência“. Para, então, concluir: “os que necessitam não têm como tomar a iniciativa no socorro. A iniciativa é dos doadores. Nossa. Sua“.

Bater panelas como forma de protestar é legítimo. Pedir a cabeça do presidente é do jogo democrático. Aliás, algo necessário hoje, mesmo se sabendo que isso não ocorrerá facilmente. Trata-se de uma luta política que levará tempo e será dificultada pela própria pandemia e o isolamento social a que todos estão submetidos. Pode-se até pressionar políticos por um impeachment, mas o resultado ainda é duvidoso.

Porém, é preciso despertar para as vítimas que já estão passando fome. Os desempregados e sem fonte de renda. Os que o despreparo, incompetência, negligência (para não se admitir o desprezo) desse (des)governo, poderão até se livrar da COVID-19, mas correm o risco de morrerem de fome.

Em outras palavras, é preciso se preocupar em encher as panelas de quem tem fome. Com isso evitar um possível o caos social no qual muitos bolsominos apostam. Talvez na expectativa de terem justificativas para um golpe na nossa balzaquiana democracia.

Certamente ajudar a distribuir comida é algo difícil de se fazer por quem está em quarentena. Trancado em casa. Mas não é impossível apoiar, ajudar. Como lembrou Janio de Freitas, “A iniciativa é dos doadores. Nossa. Sua“.

A quarentena impede as pessoas de circularem. Com isto, provoca um ganho direto que certamente as pessoas trancadas em casa começam a perceber. A economia do que se deixou de gastar, em especial nos fins de semana, com as saídas de casa. Por exemplo, na diversão: bares, restaurantes, cinemas, teatros, festas, etc. Ganho facilmente retratado no extrato do cartão de crédito de cada um.

Uma economia que, no momento de desespero de muitos, poderá se reverter em salvação aos mais necessitados. Em forma de doações. Transformar a cerveja que se deixou de tomar no bar em alimento essencial nas panelas de quem não os tem. Panelas daqueles que ficaram sem qualquer renda, mas continuam tendo família a alimentar. Não é outra a “iniciativa” de que nos falou Janio de Freitas. Que pode ser feita sem sair de casa. On line.

Em Acari, substituindo o Estado

Não faltam ações à espera de ajudas. Elas se multiplicam. Muitas têm sido mostradas em jornais, programas de TV ou mesmo nas redes sociais. Outras nem são faladas. O BLOG conseguiu levantar algumas, que ocorrem no Rio de Janeiro. Há muito mais. São apenas exemplos.

Na verdade, elas já acontecem há tempos em algumas comunidades carentes onde é notória – e tradicional – a ausência total do Estado. Em qualquer nível – municipal, estadual ou federal. Ocorre, por exemplo, no bairro de Acari, na Zona Norte do Rio, local em que residem aproximadamente 70 mil pessoas, em estado de pobreza. Abandonadas pelo chamado poder público.

No bairro, situa-se o Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, que após ter sido deixado ao ostracismo pelo prefeito Marcelo Crivella, está sendo preparado às pressas para receber pacientes com o COVID-19. Nem a presença do hospital público na região é fator de benefício à comunidade no seu entorno. Basta ver quando chove forte. Nessas ocasiões, o rio Acari e o valão de esgoto que atravessa a comunidade transbordam. Inundam com lama e esgoto as casas e o próprio hospital.

Não raro, como relata o pároco da matriz da comunidade, a Igreja Nossa Senhora de Nazaré e Santos Mártires Ugandeses, padre Sérgio Júlio, a enchente atinge o necrotério do hospital e corpos ficam boiando, recorrentemente. Sem providências da prefeitura. Ocorreu no final de fevereiro e início de março quando também um homem se afogou ao tentar salvar vidas dentro das casas alagadas. Seu corpo também ficou boiando.

Com a ausência total do Estado, o padre revela que o coronavírus se espalha sem intimidar os moradores que continuam, por exemplo, frequentando a famosa Feira de Acari, como se não houvesse pandemia. Sem qualquer controle público. Nem mesmo do município, ao qual cabe fiscalizar as feiras.

“O coronavírus se alastrou dentro do Acari. Tem muita gente com coronavírus dentro do Acari. Estão indo, precariamente, em postos, UPAs, etc., mas os médicos os mandam para casa. Sem qualquer teste. Tudo indica que estejam contaminados porque têm todos os sintomas do coronavírus”, explica padre Sérgio, acrescentando:

“Os mais conscientes estão super assustados, mas a maioria não tem informação precisa. Para se ter ideia, a Feira de Acari, domingo (12/04), estava lotada sem nenhuma fiscalização ou cuidado da parte da prefeitura. Eu passei e fiquei assustado”, desabafa o pároco sem esconder a preocupação com o quadro:

“Muitas pessoas dentro da comunidade não falam que estão com coronavírus por medo de dizerem que estão contaminados. Um rapaz faleceu. Uma senhora está internada. Parte da família diz que ela tem corona, mas outra parte diz que não. Outra senhora se desconfia que infartou devido ao coronavírus. Ela foi para o atendimento na UPA Rocha Miranda, mandaram ela para casa e ao que parece ela piorou e infartou. Era uma senhora de idade e a sua família, agora, está toda em quarentena. Acari está tomado de pessoas com coronavírus. Dizem que tem muita gente com coronavírus”.

Sem ajuda do poder público, coube ao padre, que junto com a matriz administra cinco capelas no bairro, distribuir, na semana passada, 300 cestas básicas. Em 60 delas conseguiu até incluir ovos de Páscoa. Domingo, teve chance de doar 150 caixas de bombom. Está também arrecadando e distribuindo água potável para consumo.

Para realizar estas doações, porém, padre Sérgio – assim como outras iniciativas, como se verá abaixo – fica na dependência de doações à sua igreja. Que podem ser feitas pela conta bancária da mesma (Paróquia Paróquia Nossa Senhora de Nazaré e Santos Mártires Ugandeses, CNPJ 33.393.575/0289-8, Banco Bradesco, Agência: 0814-1 Conta corrente: 73651-1).

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