Bruno Lima Rocha
Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.
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Netanyahu e a constante ameaça ao Oriente Médio, por Bruno Lima Rocha

O presente artigo foi escrito no calor do momento após o anúncio da vitória do controverso e chauvinista político da direita israelense. Teremos mais tensões à frente no barril de pólvora permanente da humanidade.

U.S. President Donald Trump shakes hands with Israel’s Prime Minister Benjamin Netanyahu as they pose on the West Wing colonnade in the Rose Garden at the White House in Washington, U.S., March 25, 2019. REUTERS/Leah Millis

Netanyahu e a constante ameaça ao Oriente Médio

por Bruno Lima Rocha Beaklini

O presente artigo foi escrito no calor do momento após o anúncio da vitória do controverso e chauvinista político da direita israelense. Teremos mais tensões à frente no barril de pólvora permanente da humanidade.

O pleito de 2019 terminou praticamente empatado, com o Likud, partido de Netanyahu, conquistando 36 cadeiras no Knesset (parlamento de Israel) e o partido de centro, Azul e Branco (Kahol Lavan) recebeu 35 assentos. A legenda do general Benny Gantz está sendo apoiada pelo Trabalhismo (Avoda), ainda assim a pequena margem vitoriosa pelas direitas (direita, extrema direita, direita religiosa) é autorizada pelo presidente de Israel indica que o assecla de Trump forme uma maioria com 65 cadeiras.

O sistema político israelense é muito fragmentado e o tempo de costura para montar um governo é de 28 dias com uma extensão de 14 dias. Neste período de um mês e meio, a agenda externa pode incidir, já que a pauta da anexação é bandeira de campanha do partido político descendente dos movimentos terroristas da Stern e do Irgun. Estamos no século XXI e o chauvinismo continua.

É certo que a política de segurança de Israel e a constante ameaça do entorno moldaram uma autêntica fusão entre povo (em suas diversas comunidades e identidades) e exército. Também é correto afirmar que Israel é um Estado do Oriente Médio, peculiar, mas muito mais médio oriental do que uma “cabeça de ponte do ocidente”. Em outros termos, assim como a Israel imaginária dos neopentecostais e neófitos no apoio ao pacto neocon e telecon dos EUA – tal como o “jenial” capitão reformado Jair Bolsonaro – só existe na fértil imaginação milenar e essencialista que profana uma cultura, outras analogias também são ficcionais.

Faço aqui a mea culpa. Como militante de uma esquerda radicalizada, minha relação com a tradição humanista judaica é visceral, tomando por base a tradição libertária de Emma Goldman, Alexander Berkman. Como descendente de árabes e ainda defensor do pan-arabismo progressista e da causa palestina, me acostumei a ver no Estado de Israel um portador de “culpa e pecado”. Cansei de acusar aos mandatários do sionismo vitorioso por terem atirado ao lixo – após 1948 – a espetacular tradição das diversas correntes socialistas que passaram pela intelectualidade e o mundo do trabalho aschkenazi, também representando pelo Partido Bund e outros afins. Cresci dizendo que os opressores dos palestinos reproduziam situações vividas pelo heroísmo do Bloco Anti-Fascista (AFB) durante o Levante do Gueto de Varsóvia, em posições inversas. Eis que na maturidade aprendemos o oposto. Israel é Oriente Médio – com seus dramas, vergonhas e algumas virtudes-, um país mizrahim onde as comunidades antes minoritárias têm um país para chamar de seu. É isso.

Este sentimento do Estado Hebreu não difere do chauvinismo árabe, laico ou apoiador do wahhabismo, e menos ainda do “nacionalismo” turco em detrimento dos demais. Tampouco difere dos meus ancestrais maronitas se afirmando tanto fenícios (tudo bem) e cartagineses (tudo bem ainda), francófonos-francófilos (tudo mal, tudo muito mal) e anti-árabes (tudo péssimo, horrível).

Não preciso e nem quero rasgar as feridas recordando dos massacres de Sabra e Chatila ou dos conflitos intra-cristãos entre os clãs Chamoun e Gemayel, consequências diretas da guerra civil libanesa, mas também da segunda invasão de Israel ao Líbano. Enfim, há pouca similitude imediata entre o mapa político pós-liberalismo inglês e pós-iluminista para com o do “moderno” Oriente Médio, surgido através do nacionalismo árabe e a derrocada da última Ummah com a queda do Império Otomano.

Insisto. É preciso pensar em Israel como um Estado a mais na região, com laços muito fortes com suas comunidades na diáspora e o governo reeleito de uma máquina partidária chauvinista, especializada em fazer provocações sem fim e combinando uma mescla perigosíssima de extrema direita política com apostasia religiosa. Netanyahu como primeiro ministro aumenta a tensão dentre os israelenses, mas isso aquela sociedade aprendeu a processar. O problema é externo ou no vizinho. Não resta muita esperança de retomar os Acordos de Oslo na Palestina Ocupada reconhecida pela ONU (Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental), além de uma melancólica tendência de ainda maior marginalização aos árabes-israelenses (os cerca de 1.658.000 cidadãos do Estado Hebreu, mas com cultura e identidades árabes). A imensa maioria destes não é nem libanesa (na Galileia), nem drusa, tampouco beduína, mas sim palestina (majoritariamente sunita e em menor escala cristã). Qual a opção para estas famílias e sua juventude? Façamos uma comparação: quais as opções para a juventude curda em cidades do sudeste “turco” como Batman ou Diyarbakir? Quem apostar em uma estrutura de marginalização e o crescimento exponencial de shahids (mártires) está bem próximo de acertar.

O que fazer quando o Poder Executivo da única potência nuclear da região define a si mesma como força militar de anexação, incluindo as Colinas de Golan? Restará pouco ou nada ao mundo árabe e às comunidades islâmicas vizinhas de Israel além de resistirem e lutarem, das formas que sabem, com os conflitos internos, traições e oportunismos de sempre. Discordo profundamente da hipocrisia árabe e islamita (sunita ou xiita) quando afirmam ser a “entidade sionista” a fonte de todos os males. Menos ainda concordo com a estupidez de não reconhecer o direito de Israel em existir. É mais um país do Oriente Médio, com uma diáspora poderosa e a razão universal da shoah (holocausto) que legitimamente justifica sua existência. Mas é isso. Não difere em nada – ou quase nada – do comportamento dos Estados ao seu redor e como tal não é uma fonte de virtude, em nenhuma hipótese.

A complexa sociedade civil israelense (tomando como exemplo a aliança Hadash-Ta’al) e a capacidade de resistência do povo palestino, apesar da estupidez do Hamas e da corrupção da Fatah, formam a saída possível, ainda muito distante reconheço. Estava longe antes das eleições de 2019 em Israel e está ainda mais distante na vitória dessa soma macabra de impulso para a economia de guerra e o chauvinismo mesclado com apostasia. Anos ainda mais duros virão.

Bruno Lima Rocha Beaklini é professor de relações internacionais e de jornalismo, doutor em ciência política e pós-doutorando em economia política. Acompanha o Mundo Árabe e a Causa Palestina desde a invasão de Israel no Líbano em 1982 e como docente leciona disciplinas sobre o Oriente Médio.
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18 de abril de 2019, Bruno Lima Rocha Beaklini

Bruno Lima Rocha

Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.

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