O Jair e o Bolsonaro
por Flavio Cireno
Desde a semana passada algumas pessoas têm feito perceber que o presidente adota duas posturas distintas com relação ao coronavírus. A primeira delas continua igual à de sempre, virulento, agressivo, pouco comedido, beirando a paranoia e publicando tudo isso nas redes sociais. O segundo, que apareceu nos dois últimos pronunciamentos, tem tentado sofregamente manter o papel institucional de sua figura como líder do Brasil. Nesse artigo, ouso fazer um paralelo com o nosso maior símbolo, Pelé.
Durante a sua carreira, Edson Arantes do nascimento, o Pelé, costumava fazer essa distinção. Um dos maiores atletas de todos os tempos, Pelé se notabilizou por uma cuidadosa gestão de carreira, sabendo usar o símbolo que se tornou para o país e para o mundo. Às vezes (poucas) usava o Pelé para ajudar o Edson a ganhar dinheiro e fama, fazendo propagandas de polivitamínicos ou outros produtos.
Mas, via de regra, Pelé usava seu símbolo como cabeça de ponte da divulgação e profissionalização do esporte. O ídolo tem uma lei que leva seu nome e foi ministro extraordinário do esporte no governo FHC, entre os anos de 1995 e 1998. Também usava esse símbolo para campanhas ligadas à causas sociais, principalmente à infância (ABC, ABC, toda criança tem que ler e escrever).
Na vida privada, muito protegida, seus escores eram não tão brilhantes assim: um filho, Edinho, condenado por tráfico de drogas. Uma filha não reconhecida, Sandra, morreu sem ter o reconhecimento afetivo do pai. Mesmo depois de Pelé reconhecer a paternidade, não compareceu ao enterro dela e pelo que se sabe não tem contato com os dois netos.
Como seria bom conseguir separar o Jair e o Bolsonaro. O Jair é pai de filhos complicados e que parecem símbolos do que não se deve fazer na política (por ordem de idade: corrupção, fake news e nepotismo). Possui também uma personalidade quase psicopática, recheada pelo culto à violência e a ausência de empatia.
Por outro lado, para alguns brasileiros (não o que vos escreve), o Bolsonaro significaria uma “nova política” simples, direta, ausente de corrupção e de comunicação direta com o “brasileiro médio”. Bem, a má notícia é a seguinte: não dá para separar o Jair do Bolsonaro. Esse culto à personalidade violenta e psicopática, a concentração na figura do líder e a comunicação direta com a população significa, no mínimo, populismo da pior qualidade, e mais provavelmente a tentativa de implantação de uma nova forma de fascismo (não, o fascismo não era de esquerda).
O Professor Italiano Umberto Eco, além de um grande romancista era também um teórico e analista político de mão cheia, em uma conferência na universidade de Columbia[1] apresenta o que ele chama de “O fascismo eterno”, listando 14 características de um fascismo atemporal. Para Eco, para mais do que a figura do líder, eram ideias políticas, que se estivessem presentes na ideologia de uma certa corrente, indicariam esse Ur-fascismo (fascismo atemporal ou eterno). Bem, na minha singela opinião, o governo Bolsonaro gabarita essa prova.
No nosso caso, por mais que alguns analistas queiram, não dá para querer separar o Jair do Bolsonaro. Não podemos esperar um presidente que respeite “a liturgia do cargo” como batizou Sarney. Porque em todas as formas de populismo e de fascismo, a figura do líder é essencial para a manutenção do apoio político; e no nosso caso, o líder como culto, como tradição, como ação. Isso inclui seus filhos, sua falta de sofisticação e suas gafes grotescas.
Jair Bolsonaro representa a mediocridade do cidadão, do tio do churrasco. É a forma mais acabada de exemplo para essa mediocracia brasileira. Em outras palavras, não dá para separar o Jair do Bolsonaro.
Flavio Cireno
Doutor em Ciência Política
Pesquisador em C&T
Fundação Joaquim Nabuco/MEC
[1] ECO, Umberto. O fascismo eterno. Tradução Eliana Aguiar. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 2018. (Ebook Kindle).
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