O presidencialismo de coalizão ainda respira…, por Fabio Kerche e João Feres Júnior

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O presidencialismo de coalizão ainda respira…

por Fabio Kerche e João Feres Júnior

Correu nas redes sociais nos últimos dias, debates sobre possíveis alianças do PT com partidos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff nas eleições de 2018. O tema foi pautado por uma entrevista do ex-prefeito de São Bernardo Luiz Marinho, pessoa próxima a Lula, e por reportagem que mostra que o PT estaria conversando com partidos golpistas em diversos estados. Tudo isso ilustrado por uma foto em que Renan Calheiros aparece em um palanque com Lula em sua caravana no Nordeste.

Parcela significativa dos internautas reclamava de que Lula e seu partido não poderiam conversar com golpistas, muito menos se aliar ou aceitar apoio deles. Muitos anunciaram que caso o PT se associasse aos que disseram sim ao impeachment, especialmente o PMDB, não mais votariam em Lula. Para manterem a coerência, estes também não poderiam votar no candidato petista se ele também recebesse apoio do PSB e do PDT, já que seus parlamentares, em número expressivo, também votaram por abortar precocemente o mandato da Presidente Dilma.

O debate da maneira que está sendo feito, contudo, é pouco realista. Independentemente dos candidatos e de quem vencer as eleições, estes serão compelidos a se associarem a outros partidos. Esta é a regra do jogo e quem quiser ganhar e governar terá que jogar baseado nessas regras. A fragmentação partidária é enorme no Brasil e mesmo o maior partido na Câmera não ultrapassa uma centena de deputados. Dado que são necessários 257 votos para se fazer maioria simples e 342 para maiorias qualificadas, não é possível governar somente com o apoio do partido isolado. O presidencialismo de coalizão, regime no qual é necessário incorporar outros partidos políticos à base de sustentação parlamentar do presidente, para além daqueles que naturalmente se agregam por semelhanças ideológicas, não morrerá por decreto ou por indignação de parte da esquerda. Ele somente deixará de fazer sentido quando houver, por um desejo dos eleitores expresso nas urnas ou por uma reforma política draconiana, uma redução expressiva do número de partidos que contam no jogo parlamentar.

Esperar por um desejo tão unanime dos eleitores é vão pois a tendência é de dispersão de preferências. Uma reforma política que reduzisse o número de partidos e possibilitasse a formação de uma base majoritária de apoio ao executivo sem necessidade de coalizão ampla é pouco provável na conjuntura atual e as reiteradas tentativas de se reformar o sistema no passado recente acabaram sempre por parir um rato. Além disso, medidas radicais para diminuir o número de partidos provavelmente sacrificariam a representatividade política, diminuindo as opções dos eleitores. Para um sistema que sofre nos últimos anos com níveis tenebrosos de aprovação popular, isto representaria uma potencial perda ainda maior de legitimidade.

Outra alternativa, também aventada nesses debates de Facebook, é que seria melhor perder as eleições a se associar aos golpistas. Essa visão talvez seja a mais equivocada de todas. Por este raciocínio, o PT somente deveria ou poderia ganhar e governar quando fosse possível assegurar maioria parlamentar por meio do apoio exclusivo de deputados e senadores da esquerda. Como não há nada no cenário político que permita vislumbrar a possibilidade de que esse desejo se torne realidade, enquanto não conseguimos esse feito histórico de eleger um Congresso majoritariamente de esquerda, o desmonte do Estado, a desidratação das políticas sociais, o estrangulamento da ciência e da tecnologia, a pobreza e a fome e outras iniciativas voltadas para promover o privilégio de poucos, correrão soltas. Quando o cenário ideal para a pureza de parcela da esquerda se construir e o PT, ou outro partido de esquerda, puder governar sem ceder, talvez haja pouco o que administrar.

O mergulho recente e rápido de nossa sociedade e sistema político nas trevas do conservadorismo deveria funcionar como pedagogia para parte da esquerda que defende estratégias puristas em detrimento de alternativas mais realistas, arrancando-a desse idealismo com parco contato com a conjuntura. A superação do trauma do golpe institucional se dará a partir da realidade do país, e não da exclusão das forças políticas que pensam diferente. Esse desejo de governar o Brasil exclusivamente com a esquerda revela frequentemente um certo desprezo pela democracia, que infelizmente ainda acomete setores da esquerda. Ora, pois para conseguir realizar tal façanha precisaríamos nos impor a uma fatia enorme da população, silenciando-a. Portanto, a via democrática é necessariamente reformista e a reforma só se faz conversando e compactuando com aqueles que não pensam exatamente como nós.

O debate, portanto, não deveria ser se as alianças devem ocorrer, mas em que bases elas devem acontecer. Se elas, embora não desejáveis, são inevitáveis, como fazê-las de forma a preservar os princípios caros à esquerda e aos verdadeiros democratas? Alguma concessão precisará ser feita, ideia constitutiva da própria noção de negociação, mas quais são os limites? Se a esquerda não se unir em torno de uma agenda pragmática, na qual idealismos puristas não têm lugar, dificilmente irá vencer as eleições legislativas e majoritárias. E, em caso de vitória, dificilmente conseguirá aprovar as reformas necessárias e reverter as perdas acumuladas pelo atual governo. Isso certamente não ajudará a própria esquerda. E será uma tragédia para as classes menos favorecidas do nosso país, que já sofrem bastante com a atual virada conservadora.

Fabio Kerche – Doutor em Ciência Política pela USP e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa

João Feres Júnior – professor de Ciência Política do IESP-UERJ e coordenador do Manchetômetro

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. .. o buraco é mais embaixo..
    .. algum dia, algum cientista político irá levantar o “véu da inocência” que cobre as esquerdas no Brasil e demonstrar claramente o que está acontecendo nos dias atuais.. Arrisco dizer que o pensamento de esquerda não está representado pelos partidos.. O que existe no Brasil é um projeto de retomada do poder.. mais nada.. Sede de palácios.. e para saciar esse desejo, o arremedo de democracia que temos por aqui tá bom.. .. e todos os pecados serão perdoados.. .. como diz o Santayana, o Brasil é candidato a ser o corno da rua..

    1. Você está certo
      Poder pelo poder não nos fará progredir… Ao tempo que repensar os erros e formular projetos para o enfrentamento das coisas que promovem as mazelas sociais parece um recomeço!

  2. MAIS UNS…ESSA ABERRAÇÃO

    MAIS UNS…ESSA ABERRAÇÃO PROVOU SER UM ERRO.SE ELEIÇÕES HOVER E LULA NÃO SER IMPEDIDO NÃO PRECISA DO APOIO DESSA CAMBADA DE VAGABUNDOS PARA SE ELEGER,PELO CONTRÁRIO.VENÇA AS ELEIÇÕES SEM ESTES CANALHAS E SE TIVERMOS DE ENGOLIR SEM REGURGITAR ESSA MERDA DE COALIZÃO QUE  SEJA FEITA DEPOIS ASSIM OS VAGABUNDOS SERÃO DEVEDORES.EU RASGO MEU TÍTULO E NEM FAÇO CAMPANHA COMO SEMPRE FIZ AS MINHAS CUSTAS.ESQUEÇO LULA, PT E DESSA PODRE POLÍTICA POIS SE A VERGONHA NA CARA NOS FALTAR NADA MAIS NOS RESTARÁ.TER O APOIO DESTA CAMARILHA É MELHOR NEM SER CANDIDATO.VERGONHA!

  3.  
    Na verdade, parte dessas

     

    Na verdade, parte dessas pessoas bondosas e puras, gostariam mesmo de transformar o país num mosteiro gigante, com enormes e silenciosos cláustros, com capacidade para abrigar em suas oraçõs, os mais de 250 milhões e porrada de almas, divididos entre monges e freiras, devidamente castrados para evitar ocorrência de uma escorregadela indesejada. Amém.

    Política? Pojeto de poder? Aff mãe do céu! Nem pensar. Isso é desobediência pecaminosa. Coisa do tinhoso.

    Orlando

  4. Na veia. Quero ver o que dirão os arkx da vida

    De forma didática, concisa e clara Fábio Kerche e João Feres Júnior desmontam a argumentação infantil e tola dos “puritanistas” da ‘esquerda festiva’, que têm em partidos como PSOL e PSTU suas bússolas.

    Quero ver a reação de leitores-articulistas como o arkx.

  5. Não é tão simples

    Concordo com a direção geral – de ter que fazer alianças – mas não é tão simples.

    1) Essas forças puristas foram essenciais para a apertada vitória de Dilma no segundo turno. O desprezo do PT por esse fato e as concessões imediatas no pós-eleições à governabilidade desarmaram uma reação ativa ao golpe. Ainda vivemos essa ressaca de ativismo que nos torna incapazes de reação a um governo sem qualquer legitimidade. É claro que o monopólio da mídia é um fator fundamental para isso, podem argumentar. Mas ele tamém é parte do jogo e  o realismo a qualquer custo o deixou intocado. É preciso ser realista mas também ser líder e saber conduzir a mudança. Bolsonaro cresce em nome do anti-realismo. O PT não consegue disputar essa liderança porque está moralmente desarmado.

    2) Acho equivocado e sem bases empíricas considerar que os puristas não têm aderência à democracia. Não há evidências disso e mais: eles cumprem um importante papel na crítica à democracia real, isto é, conchavista, patrimonialista, etc.

    Isto posto, concordo com o teor do artigo e com a conclusão.

  6. Dilma já falou em entrevista
    Dilma já falou em entrevista à imprensa alemã que não haverá aliança com quem votou pelo seu impedimento. Mas Requião , por exemplo, será bem-vindo , mesmo sendo ele do PMDB. Pergunta: por que o paranaense continua no partido do Temer? Estranho.

    1. A anencefalia da polítva de

      A anencefalia da polítva de bondades é medíocre. O impeachment foi a salvação que os próprios petistas queriam, mexer na constituição pra salvar direitos políticos. Quem idolatra político faz parte da mesma leva.

  7. Crítica
    Então é mais seguro fazer acordos no escuro agora com quem traiu o governo, do que assumir agora uma posição de não aliança com golpistas e lá na frente após o pleito dialogar com aliados e opositores para o bem do Brasil?

    Qual garantia existe que Lula eleito pode fazer a banca do PMDB voltar atrás nos desmontes que eles mesmos promoveram?

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