Fernando Horta
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O que é polarização política ou como fazer a luta política pelos sentidos?, por Fernando Horta

Distribuição “Normal” estatística

O que é polarização política ou como fazer a luta política pelos sentidos?

por Fernando Horta

O século XXI começou e, rapidamente, um processo de polarização política se vê instaurado. Processo semelhante ao que ocorreu na Europa no período entre guerras, e que gerou o surgimento dos modelos políticos e sociais implementados do fascismo e do nazismo. Não é, pois, por detalhe ou mera coincidência que estamos vendo – em pleno século XXI – o ressurgimento da importância social de pensamentos e teorias que defendem a superioridade de pessoas e raças sobre outras. Estas ideias partem da noção dos direitos humanos como algo assessório (desimportante) e isto inclui o direito à vida, à livre expressão das ideias e à liberdade social, política e jurídica. O resultado é o crescimento do punitivismo, dos discursos de ódio o questionamento da democracia e de qualquer noção de igualdade entre os homens.

Mas efetivamente como isto se dá? E, indo mais longe, como fazer o combate destas ideias que, sabemos pela história, desembocarão em ditaduras bestiais e guerras (e os uniformes verdes vistos recentemente em todas as partes do RJ são um péssimo presságio)?

Toda a polarização política é um processo não natural de seleção e hierarquização de ideias. Quando se diz “não natural” é porque ela não obedece ao princípio da ação individual no campo político. O “grande mercado das ideias” (para usar uma noção de Stuart Mill) oferece todas elas ao livre consumo. Desde ideais humanistas, religiosas, altruístas até posições fascistas, nazistas e de autodestruição. Por qualquer meio que você venha a hierarquizar estas ideias a distribuição de pessoas dentro delas irá sempre obedecer a chamada “distribuição normal” na estatística, quando a posição relativa dos indivíduos é aleatória e independente.  Isto quer dizer que um número maior de pessoas vai se postar nos centros políticos ao invés de buscarem os polos.

Ainda que se tenha o trabalho árduo de partidos ou militância (de qualquer posição política), dado que este trabalho ocorre sempre de pessoa para pessoa, o convencimento e a luta das ideias – por seu reduzido alcance no tempo e no espaço – não provoca uma polarização. Ao jogar o comportamento político individual dentro de modelos matemáticos, o processo de convencimento pessoal, ainda que a originar-se nos polos, não consegue, sozinho mudar a distribuição normal. Usando-se apenas os partidos para luta política, as mudanças políticas ocorrem de forma lenta e, como diria Edmund Burke, “através do controle da experiência e da história”. As revoluções são sempre fruto de determinadas condições que alteram este processo. Guerras, fomes, crises econômicas, regimes de extrema violência, pestes e doenças que passam a ameaçar a existência de grande número de pessoas e etc.

Ocorre que, desde o final do século XIX, o capital (ou os capitalistas) passou a utilizar das forças sociais para se defender. Originalmente lastrado na violência crua do Estado, o capital passou a defender seu direito de acumulação (e assim formar sociedades tremendamente desiguais e injustas) via convencimento da população da superioridade hierárquica das noções de “propriedade privada” e “imperativos legais” emanados pelo Estado. Jogou aqui, muito fortemente a noção religiosa de “destino” e, assim, naturalizou-se a pobreza e explicou-se a extrema riqueza: os capitalistas eram “mais capazes”. Ao longo do século XIX e XX, a grande batalha foi, portanto, legitimar ou deslegitimar a riqueza como fruto do trabalho e sua justiça social através da “meritocracia”.

Neste processo, duas poderosas forças se digladiam através da ciência e da propaganda. As tentativas de convencimento podem se dar por mérito do argumento (ciência) ou por pura propaganda. Ocorre que enquanto o convencimento científico acontece através de leitura e autoconvencimento cognitivo, a propaganda entrou com métodos que são sim capazes de distorcer as curvas normais. Especialmente com o crescimento dos caminhos digitais, as ideias – certas ou erradas, com lastro científico ou não – atingem um número imenso de pessoas (muito maior do que antes ocorria) que acabam por se convencer por razões distintas do que foram historicamente a política e a ciência nos séculos XIX e XX.

No afã de se defender das repercussões das crises econômicas e da superacumulação explícita de riqueza, os capitalistas – assim como fizeram no período entre guerras – lançaram mão de seus vastos recursos materiais para mudar a distribuição normal das pessoas dentro do “mercado das ideias”. Como as pessoas mais ao centro foram vendo seus vizinhos imediatos sumirem, cada uma delas foi dirigindo-se mais aos polos, e este movimento individual, impelido pela força das comunicações instantâneas e dos meios de comunicação do século XXI, está acontecendo em escala global e de forma muito rápida.

A forma pela qual a propaganda age no processo de polarização política é recalibrando as noções de importância e atribuindo ao que é marginal peso como se fosse central. Se olharmos para o RJ, apenas para darmos um exemplo, a violência não é questão central. Não nem por questões quantitativas (onde o RJ não é cidade mais violenta do Brasil ou do mundo), nem por questões qualitativas (dado que o RJ não se encontra em situação diferente do que a maioria das cidades no planeta) e nem mesmo por alteração drástica de situação (dado que não houve mudança nos números de 2016 ou 2017 para agora). Este tipo de ideia de “segurança” (prender e punir) impacta apenas no bem-estar de uma parcela pequena da população, eis que as populações pobres, pardas e de periferia sobrevivem acomodando-se a esta violência que – para eles – tem dois vetores de aplicação (ao invés de apenas um): um vindo do crime e outro do Estado.

A questão central no RJ é a distribuição de renda e a falta de perspectivas econômicas, dada a crise que o Brasil foi jogado desde o golpe. Mas, por recalibrar as noções de importância, e atribuir à “segurança” um peso de centralidade que ela não tem, a propaganda cria um “falso consenso”, que justifica moralmente a ação da intervenção. Os processos são claros em “martelar” números e pesquisas, fotos de mortes e casos dolorosamente reais, ao mesmo tempo que se mascaram os números do desemprego, da concentração de renda e da violência de Estado. Com isto, empurra-se os consensos éticos para questões laterais e deixa-se intocado o centro explicativo da violência social: a acumulação de riqueza.

Na questão do impeachment ocorreu exatamente a mesma coisa. As “pedaladas fiscais” eram questão lateral e de menor importância. O cerne era o processo de recuperação econômica que o Brasil precisava, mantendo os programas sociais e trabalhando pela reativação da economia. Através de maciços investimentos em propaganda, se deslocou o centro de discussão política para questões no campo das ideias e do imaterial como a “corrupção”. Veja que a corrupção nunca foi apresentada como valor real. Nunca foram dados os valores que ela gerava na Petrobrás (pouco mais de 1% do faturamento), mas sempre tomada de forma “ideal”, como sendo inaceitável eticamente. A formação de consenso passa pelo deslocamento dos sentidos do que é real para o que é imaterial. E isto é necessário, pois de outra forma não haveria como explicar, racionalmente, como o combate a um malfeito que dava um prejuízo de 1% do faturamento da Petrobrás, levou à queda de quase 3% do PIB brasileiro. Este é o material efeito das ações da República de Curitiba e da Lava a Jato.

Não se trata de desculpar ou minimizar qualquer crime, trata-se de mostra que SOB O PONTO DE VISTA material era melhor deixar a corrupção e não jogar o país numa espiral de empobrecimento, desemprego, deslegitimação política e violência. Ainda mais quando se sabe que não havia somente estas duas opções (deixar a corrupção agir impune ou quebrar o país). Existiam muitos outros métodos de se combater o mal na Petrobrás. Alguns deles já estavam em prática, ou a crítica do PMDB e PP à indicação de Graça Foster para presidência da Petrobrás foi esquecida? A ordem de Dilma era “limpar” a Petrobrás sem destruir-lhe o valor, prejudicar a soberania brasileira ou acabar com a importância da companhia. Até por isto Dilma sofreu a oposição dos corruptos do congresso, que, eleitos por nós, vieram a se mostrar maioria de 2/3 para poder acabar com o mandato legítimo da presidenta.

Cada individuo sendo obrigado, por força da propaganda moralista, a decidir-se sob questões marginais e a definir o seu apoio e sua lealdade eleitoral, acaba se deslocando para os polos. “Você acha justo que pessoas continuem sendo assaltadas na linha vermelha? Olhe o vídeo!” e diante da evidência e do sentido moralista há que se tomar posição. Ocorre que a mesma violência que acontece na linha vermelha contra os carros e as pessoas brancas de classe média, acontece também – quase sempre sem visibilidade da propaganda e da mídia – com pessoas na periferia. E por se discutir a violência em si e não o que causa esta violência, o cidadão mediano é levado a apoiar medidas de força e endurecimento sem saber que elas não são minimamente eficazes para resolver o problema que ele pensa ser central.

A forma de combater isto é negar-se a discutir questões marginais. Não há que se discutir segurança porque ela é DECORRÊNCIA das questões econômicas. E quando se resolve o problema centra, os laterais ficam mais simples e fáceis de serem solucionados. É preciso dar emprego, diminuir a diferenciação social e econômica, garantir direitos e assim evitar a exclusão. Quando isto for feito, a violência urbana se reduzirá a um pequeno número de criminosos que não conseguirão se esconder numa imensa massa de excluídos e empobrecidos, trabalhadores que lutam para sobreviver e criar seus filhos. Pedaladas fiscais são questão desimportante. A crise econômica deveria ter sido atacada, mas não só Cunha travou TODAS as tentativas de resolução do problema, como o vice-governo de Temer institucionalizou as pedaladas, a corrupção e ministros e ministérios incapazes, inoperantes e reacionários. O que era marginal no governo Dilma – fruto da tentativa desesperada de busca de apoio político – virou essência do governo Temer.

É preciso parar de discutir Ficha-Limpa e passar a discutir representação e democracia. É preciso parar com as discussões sobre bíblia, direitos e moral cristã e discutirmos o direito humano laico. É preciso parar de discutir corrupção e discutirmos crescimento econômico e redução das desigualdades.  É preciso parar de discutir violência urbana e começarmos a discutir projetos de inclusão social no espaço e no tempo da maioria das pessoas. E esta maioria não está no Leblon ou na Villa Madalena, mas nas periferias. É preciso parar de discutir as cores do Brasil, para discutirmos o Brasil de todas as cores. E elas não são verde amarelo, mas um imenso conjunto que vai desde o branco europeu até o negro “da Guiné”, passando rigorosamente por todos os tons.

A esquerda tem que parar de ser pautada pela mídia e pela propaganda.

Sem isto, o golpe continua. Golpe que foi dado essencialmente sobre sentidos políticos. Golpe que mudou as noções daquilo que é central e o que é lateral, que capturou nosso olhar para vermos o que eles querem que seja visto. E mais nada.

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

6 Comentários

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  1. Nem tudo na vida é questão de ponto de vista

    Em 1986, um amigo convenceu-me a votar em Fleury sob a alegação de “Maluf ser um mmal maior”. Precisei ler Karl Kraus para aprender que MAL É MAL. Bem, quanto ao sr. Horta que afirmaque “…sob o ponto de vista material era melhor deixar a corrupção e não deixar o país numa espiral de empobrecimento, desemprego…”, acho que ele também deveria visitar os textos do grande mestre de Wittggenstein, Loos, Musil e outros nomes da Viena fin-de-siècle. 

    1. nem tudo….

      Caro sr. José Fernando, é exatamente o que escrevo nos comentários. Criou-se uma Elite Política Federal a partir de SP, na fantasia do combate à corrupção imposta à figura de Paulo Maluf. Seu convencimento a votar contra o candidato em favor ao mandante da Chacina do Carandiru (isto mesmo, não foi obra de Maluf. Foi de um dos protagonistas da OAB, parceira de 1.a linha da nossa elite esquerdopata) é exatamente a construção de 40 anos de Redemocracia Farsante. Ainda bem que votando contra Maluf, o sr. só votou em gente ‘honesta, democrática, que faria política de outra forma’, como estamos constatando. Inclusive Fleury é cria política de Orestes Quércia, o radilaista pobre de Campinas, que não tinha nem carro (emprestava a camionete do paí, segundo dizia) e quando morreu, deixou fortuna avaliada em um bilhão e meio de reais (R$ 1.500.000.000,00). O maior proprietário de terras da região de Campinas, o maior produtor mundial de café, dono do gado mais caro do mundo, 1 dúzia de rádios, emissora de tv,…) Tudo de forma anticapitalista, redemocrática, sem interesses pessoais, combatendo a corrupção. Que doutrinavam os inocentes, tal prática só caberia a Paulo Maluf. Alguma semelhança com todos outros Políticos da Redemocracia do pós Anistia de 79? Como estão atualmente Bolsos AntiCapitalistas? José Sarney, líder do Regime Miltar, da UDN, que virou PDS, que virou PFL, chegou Á Presidência da República com apoio de quem, na disputa contra Paulo Maluf? “Conheceis a Verdade. E a Verdade Vos Libertará”. O Brasil é de muito fácil explicação. abs. 

  2. o que….

    Alguma palavra sobre o fim do Voto Ditatorial Obrigatório? Esta excrecência tupiniquim conseguido pela esquerda mancomunada com um Ditador, que deu um golpe num Governo Eleito legitimamente, em Eleições Livres e Facultativas. Alguma palavra sobre o fim de Urnas Eletrônicas? Esta excrecência tupiniquim, que transforma o voto no ato de analfabetos em saber apertar a tecla laranja. Acabou a urgência em destruir o analfabetismo. Aberração que leva por pleito mais de 550 milhões de reais ou algo proximo a 200 milhões de dólares. Enquanto países pobres a atrasados como Inglaterra, Alemanha, EUA, França,… usam uma cédula de papel e uma urna de plástico reciclável aos custo de alguns trocados.  Alguma palavra sobre Biometria Escravagista? Sobre Justiça Eleitoral, que leva 30 bilhões de reais por ano, num país miserável? Quer dizer que Esquerdopatas querm que continue tudo igual aquilo conseguido junto ao conluio de um Ditador, há quase 1 século. Mas existem Ditadores e Ditadores. Realmente o Brasil é de muito fácil explicação.    

  3. Boa análise. Sobre as

    Boa análise. Sobre as condições para o surgimento do fascismo, recomendo a leitura dos artigos já clássicos do ítalo-argentino Gino Germani.

  4. Reversao
    O fascismo, o nazismo e antes deles, o salazarismo (laboratorio portugues?) Foram patrocinados pelos grandes banqueiros para contrapor-se ao avanco comunista diante do esgotamento retorico do capitalismo nos anox 1920.
    A receita se repete, agora como farsa, no munco inteiro.
    Os magnatas nao abrirao mao da propria opulencia pela sustentabilidade do planeta, e oferecem, alternativamente, o genocidio social, isto e, dos pobres e sua mao de obra barata, substituivel por maquinas.
    Esse ataque global aos estados assistencialistas; aos orgaos e programas assistencialistas, junto a ameacas de guerras e epidemias com remedios patenteados a precos proibitivos sao a garantia do sucesso do “programa”.

  5. Meu caro!! Como discutir redução de desigualdades, de violência urbana, projetos de inclusão social, educação, etc… quando os que se dizem representantes da coletividade, do “povo brasileiro”, colocam acima desses interesses a luta pelo poder político através de ideologias partidárias?

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