Pensamentos sobre a arrogância na agropecuária, por Rui Daher

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Enviado por Rui Daher

Da Carta Capital
 
Tudo é agronegócio
 
Pensamentos sobre a arrogância na agropecuária
 
 
Por Rui Daher
 
Na coluna da semana passada, “Agricultura familiar não é o mesmo que assentamento sem terra”, quem assim a intitulou pegou bem a essência do tema. Buscava-se desfazer equívoco comum às folhas e telas cotidianas, especializadas ou não, e entre internautas comentaristas que, de forma leviana, clamam posicionamento partidário no que é importante matéria de economia e ciências sociais.
 
Antagonismo besta, coqueluche desta Federação de Corporações, decadente a ponto de manifestar-se pedindo a volta de quem, por 21 anos, proibiu manifestarmo-nos. Apoiado em estudo da Embrapa e da Unicamp, aqui já citado, o texto discutia caminhos controversos do mundo rural no século 21.
 
Para esta semana, prometera aprofundar a moldagem da atividade agrária no Brasil, em bases históricas, comparando-a com outros grandes blocos produtores e exportadores. Não o farei. Mudei de ideia. Para fazer-me entender teria que saber desenhar. Prefiro manter a escrita, mesmo com risco de pedradas de internautas literatos. De alguns, apiedo-me. Dão mostras de não terem entendido um “aquele termo” que o comandante do navio afundado na Itália ouviu quando não quis voltar a bordo.
 
Pulo, pois, nesta semana, o estudo sobre o mundo rural para expressar o quanto entendo a decisão do amigo Márcio Alemão, que se despediu da versão impressa de CartaCapital, após dez anos de colaboração. “Fui”, última expressão do Refogado, sua coluna de gastronomia, é vontade frequente neste tratador de equações agropecuárias. Com certeza, contribui o fato de a culinária ser uma das extensões do agronegócio.
 
O Brasil gastronômico que o amigo relata não é diferente do que percebo em seis anos de coluna e blog em Terra Magazine, e vejo agora se repetir em CartaCapital.
 
Curioso. O título de meu primeiro texto para TM foi “Prazer em conhecê-los”. O da despedida de Márcio Alemão em CC é “Foi um prazer”. Sermos monotemáticos é um prazer que vez ou outra cansa.
 
No último Refô, que assim o tratávamos na intimidade, ele diz continuar acreditando “que uma boa lasanha, uma feijoada, um gigot, um bacalhau e um filé à cavalo merecem mais crédito que qualquer espuma ou ser rastejante/inseto da floresta”.
 
Taí! Poderia haver mais agronegócio embutido nos pratos a que ele dá crédito? Os demais podemos deixar para os chopes bem tirados e à antiga versão de Marina Silva.
 
Sinto o mesmo quando propalo a diversidade de culturas plantadas no Brasil, defendo a agricultura familiar já empresarial, sugiro transformar estigmatizados assentamentos em arranjos produtivos locais, indico a existência de matérias orgânicas efetivas, baratas e capazes de aumentar a produtividade, substituindo parte das aplicações de agroquímicos.
 
Quando Márcio Alemão diz que eventos patrocinados, como o Mesa SP, irão provar “que temos se não a melhor, uma das melhores cozinhas e cozinheiros do planeta”, lembro-me da agropecuária vista assim do alto sem a lupa que flagra galopantes misérias.
 
Sobre a minha mesa acumulam-se pilhas de publicações com estatísticas grandiosas sobre o agronegócio. São reais. Óbvias, porém, para sozinhas sustentarem parangolés criativos.
 
Poderia eu, como faz a maioria, a cada semana, escolher uma delas dar uma interpretada e fornecer belos textos para inflar o ego de ruralistas ou a revolta dos campesinos. Agradaria a todos.
 
Márcio Alemão bate na tecla da arrogância na gastronomia, feita de tatuagens, cursos, eventos VIP, patrocínios e puxa-saquismo de assessorias de imprensa, enfim, “muito óleo para pouco pastel”.
 
O mesmo se dá com a agropecuária.
 
Potência indiscutível? Sim, desde que as Bolsas internacionais garantam os preços lá em cima e o governo as dívidas aqui embaixo.
 
Associações patronais poderão continuar usando porta-vozes para denegrir pequenos produtores e programas de incentivo, e as academias publicarão inovações que não irão além dos currículos de pesquisadores.
 
Se a sua paciência, Alemão, acabou para quem diz que “comer é muito mais que comer”, o que diria da minha para alarmes quanto aos nove bilhões de bocas a alimentar em 2050?
 
Lasanhas, feijoadas, bagos de boi bem temperados e cozidos, Cora Coralina, Manoel de Barros, Câmara Cascudo, Pena Branca e Xavantinho, perfumes da Mantiqueira, ervas mineiras, o Refogado, enfim, tudo é agronegócio.
 
Volte logo para ele, viejo.
 
Os macrossetores
 
No evento de CartaCapital, “As empresas mais admiradas no Brasil”, muito se estranhou e justificou a ausência da presidente Dilma Rousseff.
 
Mais estranho e menos justificável, a meu ver, foi entre os macrossetores não constar a agropecuária. Faltariam admiradores para quem está antes da porteira da fazenda?
 
Criticou-se o rentismo, mas o setor financeiro foi admirado cinco vezes.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. Café
    Grande Rui Daher, aquele abraço.

    E vamos em frente à alimentar 7 bilhões, porque desse jeito dois vão passar fome e virão a falecer.

    Satisfação…

  2. Belo manifesto de Rui Daher,

    Belo manifesto de Rui Daher, mantém o tom indignado sem perder a elegância. A tônica do momento político é usar e abusar de sofismas, de reducionismos e de “fulanizações” para a defesa dos próprios interesses. Não se pensa a coisa a partir do que representa efetivamente em termos de bem comum, mas sob o enfoque da autoria. Se a iniciativa é de quem não se gosta, a crítica é negativa e veemente, ainda que para tanto seja necessário distorcer alguns dados e omitir outros. Não sou conhecedor do agronegócio, mas acredito que toda a economia terá que ser simplificada ao extremo se houver pretensão legítima de manutenção do capitalismo. A existência de grandes corporações não é saudável para a economia, pois toda grande estrutura tende a se desumanizar na busca de objetivos materiais, deixando de lado, desprezando, aquilo que deveria ser o objetivo central da existência da sociedade: o ser humano. A lógica da financeirização chegou ao extremo de sequer se importar com o próprio negócio em si, a empresa, a fábrica. Se for necessário ao lucro, encerra-se a produção, demitem-se os empregados e fecham-se os portões, sem pestanejar. Essa lógica é irracional e está fadada ao fracasso. Creio que a pulverização da iniciativa privada é um caminho mais salutar e que garante mais equilíbrio e igualdade, além de possuir um viés mais regionalizado e, portanto, mais limpo, mais ecológico. A agricultura familiar em lotes não muito grandes de terra está inserida nesta contexto, assim como o retorno do pequeno fabricante e a expansão do setor de serviços, tudo isso embalado pela social-democracia e regulação firme da economia pelo Estado. A liberdade individual quanto às decisões sobre os rumos da própria vida deve ser ampliada ao máximo, até o ponto em que não atinja a integridade física e patrimonial do outro. Isso, porém, não se aplica à liberdade econômica, pois o que a pessoa faz para ganhar dinheiro e sobreviver sempre possui implicações que vão além dela própria. A poluição, o extrativismo desenfreado, a miséria, a fome e a guerra são reflexos da exacerbação do liberalismo econômico. A era da preocupação com o crescimento do PIB está com os dias contados. Aqui e ali já se ouvem vozes questionando o crescimento econômico como motor do desenvolvimento humano. A percepção de que, ao fim e ao cabo, o que mais interessa na existência é a felicidade da maior quantidade possível de seres vivos começa a se impor.

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