Fernando Horta
Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.
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Podemos mudar?, por Fernando Horta

Por Fernando Horta

São poucas as ideias produzidas pelos seres humanos que não pensem de forma mais profunda a respeito da mudança. As religiões, TODAS, trabalham com a ideia da ascensão e aperfeiçoamento espiritual, segundo diversos caminhos e técnicas. Desde meditação até autoflagelo, todo pensamento religioso se pauta pela afirmação de que o espírito não só pode, como efetivamente quer mudar. Charles Darwin incorporou este pensamento numa grande ideia-força que modificou todo o mundo, desde o século XIX: a evolução. Retiradas as questões morais, evolução é todo o sentido de naturalizar a mudança. Assim como as religiões, Darwin afirmava que os seres mudam. Sempre. O liberalismo do século XVIII também bebia das mesmas fontes. A mudança política, realizada com base na afirmação dos direitos inerentes do indivíduo era o reconhecimento próprio da transformação social. Especialmente se comparados com as sociedades medievais ou mesmo do Antigo Regime, que – a propósito – também mudaram muito. Há uma falsa ideia na medievalidade como a “noite de mil anos”. Esta narrativa serviu ao Renascimento para mostrar-se como a novidade dos tempos.

Não importa para onde olhemos ou que referencial tomemos, a mudança é característica de tudo o que é vivo. Neste sentido, Marx não inova. Falar em mudança ou em revolução é assumir que nenhuma coisa é perene. Gramsci discutia a revolução ou a mudança “pacífica”. Edmund Burke dizia que a Inglaterra tinha alcançado o que a França alcançou sem sangue ou violência. Uma (Inglaterra) seria o exemplo da mudança pacífica (ou reformista), a outra (a França) seria o reino da revolução. Se mudar é da essência da existência, como todos os referenciais afirmam, a novidade em Marx foi ter mostrado – de forma muito clara – quais as forças que trabalhavam contra mudança e pela manutenção “das coisas como estão” (status quo). Marx denunciava – no que nunca foi desmentido – que a mesma classe que representou a força da mudança no século XVIII, a burguesia, se transformava na classe que significaria o maior bastião da defesa do congelamento da sociedade. Em suma, a força com que a burguesia tinha derrotado a nobreza, esta mesma burguesia negava a qualquer outra classe, exatamente para não ser derrubada. A burguesia, que implementara o capitalismo para promover o fim da sociedade nobre, usava do mesmo capitalismo para manter seus privilégios e se tornava, assim, conservadora. O capitalismo não gosta de riscos, contrariamente aos que os “coachs” andam dizendo por aí. Nem risco econômico, nem risco político.

O século XX e todo a sua fé na ciência (em oposição à religião) e na objetividade (em oposição aos julgamentos morais) convenceu-nos de que a mudança, capitaneada pela razão, seria sempre uma mudança “para melhor”. A “evolução” assumia-se como uma das ideias mais vivas do século XX. Desde Piaget até Friedman, a noção de que a ciência objetiva guiava os passos da humanidade para estágios melhores foi propalada aos quatro cantos, em todas as línguas. Todos o que se recusavam a seguir este “caminho natural” eram colocados como “obscurantistas”. Alguns grupos religiosos, os hippies e a “contra-cultura” foram sendo taxados como o que de pior existia na humanidade. Novas formas de compreender as mudanças e instiga-las foram sendo pesquisadas. Foucault, com os poderes “naturalizados” que mantém as formas de dominação e convencimento, Horkheimer com a razão que dificulta a mudança, Bourdieu e a identificação das formas de consagração ideológica como forças conservadoras. Se o tudo era feito para mudar, aquilo que dificultava a mudança precisava ser identificado e extirpado.

No final do século XX, com o impacto cada vez maior do perigo real de destruição nuclear de toda a humanidade, percebeu-se que a evolução era, em realidade, um grande erro. Os seres, todos eles, estavam em constante mudança, mas não era “evolutiva”, no sentido de que os seres nem seguiam um caminho paulatino e determinado para a mudança, nem a ideia de “melhor” ou “pior” poderia fazer algum sentido. Começou-se a perceber que mudanças, sociais, econômicas, biológicas, ecológicas também aconteciam para “pior”. Este “pior” entendido como uma deterioração das condições de existência, de segurança, e de liberdade dos tempos anteriores. E isto é tudo o que significa o século XXI. O homem come pão há mais de 5000 anos, e agora, por exemplo, surgem pessoas que não toleram glúten. Ou a ciência não causa “melhorias” e mudou o glúten, ou os seres não “evoluem” para um estado “mais adaptado”. Existe ainda a tese dos “ultra-evolucionistas” como Jared Diamond e Richard Dawkins de que a moral humana está destruindo a espécie. Basicamente, quando tratamos alguém intolerante ao glúten, salvamos alguém com problemas de desenvolvimento ou até quando oferecemos óculos para remediar miopia, estamos alterando a força com que o meio atinge os indivíduos. E a “má genética”, a genética que diminui as condições de sobrevivência do homem, é passada adiante.

O mesmo pensamento acontece na economia. O neoliberalismo e sua tripa de teorias auxiliares (quase todas cientificamente erradas e divulgadas com “objetivos escusos”) afirma que “não tem almoço grátis”. E sendo assim, qualquer forma de programa social causa uma diminuição nas capacidades produtivas. Seja porque altera as condições de concorrência do “livre-mercado”, seja porque induz a um entendimento de que a pobreza pode ser extirpada por ação do Estado, sem prejuízo dos outros cidadãos. Para os neoliberais, cada medida “assistencialista” tem um triplo impacto negativo: (1) altera os efeitos do “livre-mercado”; (2) diminui a capacidade das sociedades de oferecerem serviços básicos (entendido aqui como apenas a segurança a propriedade e a vida) e (3) induzem um estado de complacência social com os incapazes ou inferiores, no sentido produtivo. Assim como os “ultra-evolucionistas”, os neoliberais clamam o fim da “moralidade” como forma de alcançarmos o “progresso”. Dawkins, há alguns anos, afirmou em sua conta de twitter que a morte de pessoas com algum tipo de deficiência biológica era “natural”, e o errado era lutarmos para manter estas pessoas vivas. Ele falava especificamente de pessoas com deficiências neurológicas. Imediatamente foi atacado pelo pouco de humanidade que ainda nos resta.

O mesmo pensamento, contudo, quando na boca de um neoliberal não causa reação. Armínio Fraga disse que o salário mínimo brasileiro estava “muito alto” e precisava baixar. O Banco Mundial ano passado afirmou a mesma coisa e Temer, efetivamente, vem destruindo o poder de compra do salário mínimo. E todos acham isto “normal”. Afinal, seguindo o mesmo pensamento de Dawkins, não há porque se fazer qualquer esforço social para tornar a vida dos mais pobres menos penosa. Se são pobres, certamente é porque seu papel nos espaços de produção é inferior a outros e assim, condenados estão a sucumbirem numa sociedade de “livre mercado” e “meritocracia”. Por mais chocante que este pensamento seja, não é estranho que ele surja quando atingimos 7,2 bilhões de habitantes e a crise de 2008 custou 12 trilhões de dólares em prejuízos, quando o PIB do mundo todo em 2008 era de 63 trilhões. Em momentos de redução de riqueza e aumento da população – dramáticos – surgem novamente as ideias de que alguns seres humanos são melhores do que outros, e que isto é “natural”.

As mesmas ideias, aliás, do final do século XIX. Também lá havia um crescimento populacional e inúmeras crises capitalistas. A mais violenta foi a de 1929, mas já desde 1870 o capitalismo vinha convulsionando.

Neste sentido, o mundo do século XXI continua mudando. A questão é definir para onde esta mudança aponta. Se para a inclusão de pessoas, o aumento de direitos, a melhora dos processos de produção juntamente com a redução do consumo (para salvar o planeta) ou se para o caminho inverso. Não é estranho, portanto, que o século XXI veja o retornar de ideias como a “terra plana”, pastores que usam a ideia de Deus para enriquecerem individualmente, o medo do “comunismo” e de toda noção de igualdade, e a negação da própria ciência. Marx não deu “certo” e Foucault era “comunista”. O Papa que segue as palavras de Jesus é um ignorante, e o pastor (que nada mais é que um “vendilhão do templo”) é o meu guia. A Terra é plana, o aquecimento global não existe e as vacinas servem para matar pessoas. O que está na internet é verdade, a ciência é um monte “de mentiras ideológicas” e quem tem formação acadêmica “não sabe pensar por si” sem citar “os outros”.

O Brasil de Temer é o reflexo deste atraso e, na primeira crise do século XXI, o Brasil corre para trás. Menos tempo de estudo e menos matérias significa “melhor educação”, na propaganda feita pelo governo com ajuda de blogueirinhos infantis que não sabem sequer a respeito de si ainda. Diminuição do salário mínimo é “bom para o Brasil”, o fim dos sindicatos e das leis trabalhistas é “bom para o trabalhador” e cada vez o governo gasta mais em armas, polícia e exército, enquanto parte significativa da população empobrece. Os meios de comunicação se encarregam de mostrar esta relação. O RJ realmente é “modelo” de desigualdade e agora – como efeito direito desta desigualdade – de armas e tanques nas ruas. Compaixão com os desamparados virou “mimimi”, direito humanos são para manter “privilégios” (segundo uma douta desembargadora), ciclovias e bicicletas são a comprovação do “comunismo” no Brasil.

Hitler, que defendia exatamente uma doutrina de superioridade de uns seres humanos sobre outros, disse que “por meio de propaganda inteligente e constante, pode-se fazer crer que o Céu é Inferno e, inversamente, que a vida mais miserável é um verdadeiro paraíso”. O fascismo começa a se tornar imparável quando convence que o direito de muitos é inferior aos privilégios de poucos. Quando os juízes esquecem que não fazem leis e quando as armas surgem nas ruas para fazer calar. E tudo isto é sim luta de classes.

O filósofo camaronês Achilles Mbembe disse que, no século XXI, a “era do humanismo” chegava ao fim. Estamos diante do ressurgimento das bestas. Ou maus, ou ignorantes. Tanto faz. Bestas.

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

5 Comentários

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  1. Está mudando é rumo à barbárie, isto sim

    Numa sociedade em que muita gente bem formada de classe media não acredita na teoria da evolução, em que o fundamentalismo evangélico cresce nas classes populares, reforçando os preconceitos contra os gays e praticantes das religiões afro.

    Numa sociedade em que a maior parte da população assume o discurso moralista e acredita que bandido bom é bandido morto, que as classes médias votaram no Lula mas “se decepcionaram com ele porque “enricou na política”, pois leram na grande mídia e nas notícias do face e zap.

    Numa sociedade em que ódio ao pobre se rescrudesce nas elites e classes médias. Numa sociedade onde o maior desejo das pessoas pobres é se tornar classe média consumista.

    Numa sociedade em que o Bolsonaro não é tão doido assim , pois afinal ele é “homem crente, de família e a bandidagem está mesmo precisando de um pulso mais firme e os gays estão mesmo muito sem vergonha hoje em dia”

    Meu caro, a mudança está acontecendo, mas rumo à barbárie  e com as bênçãos de Deus.

    No médio prazo, não vejo luz no fim do túnel, só abismos mais profundos e escuros.

    Vivemos num país de zumbis.

    Deus tenha piedade de nós!

  2. texto confuso

    Charles Darwin jamais “incorporou idéias de mudanças” ,através de observações experimentais constatou que seres vivos sofrem mutações prevalecendo as que melhores se adaptam as condições naturais. Richard Dawkins jamais defendeu ideias eugenistas, observou que os novos metodos artificiais podem interferir na seleção natural.

    Sob o signo de uma mal explicada “mudança” o autor enfia no mesmo saco doutrinas, ciencia natural, ciencias humanas num texto confuso e sem critérios.  

  3. Sim, tudo isso é certo

    Tudo o que foi afirmado me parece muito correto. Creio que precisamos fazer o combate de ideias sobre novas bases, radicalmente diferentes, e mostrar que nosso projeto é o melhor. Para transformar verdadeiramente é preciso não construir, de modo algum, sobre o terreno do inimigo. Exemplo esquemático (semelhanças não são meras coincidências): Defender simplesmente que os pobres precisam ter renda para serem integrados ao mercado, se tornando consumidores, que isso será bom para todos e que, inclusive, os ricos se tornarão ainda mais ricos. O que teria que ser feito é uma defesa de outros valores fundamentais: partilha; fraternidade; cooperação; acolhimento; amparo a todo e qualquer ser humano; combate a toda assimetria entre pessoas (materiais, poder, liberdade, …); preservação do planeta (aliás, como isso seria possível com todos se tornando consumidores?).

  4. Podemos….

    Hitler foi totalmente influenciado por idéias norte-americanas de criacionismo e racismo. País que sempre deu liberdade para todos pensamentos. Inclusive estes. Ou seja não é o Livre Pensar e Livre Expressar, que proporcionam as bárbaries. São as Ações. Aquecimento Global já houve milhares de vezes na história geológica da Terra. Muito antes de fundamentalistas e intelectualóides do Apocalipse. Como hoje, muitos acusam o ‘pum’ da vaca. E querem colocar fralda no gado e cabresto na Agropecuária Brasileira Em outras eras deve ter sido o ‘pum’ do dinossauro. Realmente ainda podemos mudar. 

  5. Valha-me Hermes e Eux.

    “TODAS, trabalham com a ideia de ascensão e apefeiçoamento espiritual”.

    As asnices, generalizações, estupidez, ignorâncias e outras coisitas de Fernando Horta.são infinitas. 

    Na religião grega não há obrigatiramente apefeiçoamento espíritual. È certo que Fernando Horta deve considear o panteão grego de Cronos a Zeus, enquanto mito. Pueril nunca leu como Santo Agostinho em as “Consifissões”, a “Cidade de Deus” e o “Livre-Arbritio transformou a religião grega em mito.

    Criança bem comportada de classe média, nunca pos os pes num terreiro para ver Pomba Gíria, e numa encruzilhada para buscar o intermedio de Exu. Estes buscam safisfazer desejos individuais, vontades, sem  necessariamente ascensão espitual. 

    Néscio, não leu “Da Natureza dos Deuses”, de Marco Túlio Cícero, senão saberia do ataque a oferenda, sedução aos deuses, para se abolir a vontade na religião.

    Que Exu, nos proteja.

     

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