Luiz Ferraro: Por um think tank ecossocialista e do Bem-Viver

Eles são ótimos em pegar sentimentos legítimos da compaixão brasileira e transformá-los em ódio e adesão a políticas antidemocráticas e genocidas

Sugerido por Franklin Jr

De tudo ficaram três coisas… 
A certeza de que estamos começando… 
A certeza de que é preciso continuar… 
A certeza de que podemos ser interrompidos 
antes de terminar… 
Façamos da interrupção um caminho novo… 
Da queda, um passo de dança… 
Do medo, uma escada… 
Do sonho, uma ponte… 
Da procura, um encontro!
Fernando Sabino

Por Luiz Ferraro*

Há décadas vivemos o dilema da escala. Sentíamos que a sala de aula, a universidade e os grupos de extensão não tinham escala suficientemente grande e rápida para impactarmos a realidade. Fomos para as políticas públicas.

Queríamos (e queremos) alcançar 208 milhões de brasileiros. Para isso imaginamos uma arquitetura de capilaridade, com grupos de pesquisa-ação-participante articulados em diferentes níveis, territórios, municípios e bairros.

Imaginávamos que poucas centenas de coletivos territoriais alcançariam mobilizar e apoiar coletivos nos 5600 municípios, que formariam várias dezenas de educadores, lideranças e militantes ativos em cada bairro, escola, sindicato, fábrica, associação, grupo de hip-hop, igreja, e por aí vai. 

É uma progressão factível, e não conseguimos ir a fundo na experiência. Fomos interrompidos antes de terminar por aqueles que não acreditam na inteligência do outro, na pesquisa-ação como método da teoria crítica e só entendem da colonização das mentes a partir de suas próprias.

Mesmo assim, acho que nossa estratégia era incompleta. Essa matemática cuja progressão só conta com a artesania do contato olho-no-olho, do bom debate e da argumentação, toma de goleada dos laboratórios de ideias, ou think tanks da direita que operam com mecanismos de redes sociais, indústria cultural, propaganda e treinamento político de lideranças.

MBL, Instituto Millenium, Instituto Liberal, Instituto Mises, Instituto Ordem Livre, Estudantes pela Liberdade, Dragão do Mar, Casa das Garças, além dos estrangeiros Cato, Atlas e Friedrich Nauman,  tem sido muito mais eficazes em reeditar e alavancar ideias contra os direitos humanos, contra a proteção ao trabalho, contra a previdência, contra os partidos de esquerda e movimentos sociais, contra os impostos, contra a Venezuela e Cuba, contra os governos Lula-Dilma, contra as empresas brasileiras, contra os programas sociais, contra as políticas de cotas e a favor de pena de morte, redução do estado, armas, escola sem partido, privatizações, e até da desigualdade.

Os fascistas perderam a vergonha e até a defesa da importância da desigualdade como motor da economia tem reaparecido.

Existe nessa galera uma pegada que nosso DNA impede, que é da mentira, do uso da desinformação e da propaganda deslavada e alienante. Pegar a dor pujante de uma mãe que perdeu um filho para alavancar um “bandido bom é bandido morto” e usar essa dor para promover uma intervenção militar começando pelo Rio de Janeiro. Eles são ótimos em pegar sentimentos legítimos da compaixão brasileira e transformá-los em ódio e adesão a políticas antidemocráticas e genocidas. Eles fazem o mesmo com várias coisas, a lista é infinita. Usam novelas, revistas, programas de auditório, jornais, facebook, tweeter, blogs, youtube, filmes e outras mídias para fazer isso de modo sistemático. Produzem textos acadêmicos, editoriais, possuem seus intelectuais, seus linhas de frente, suas caras, seus artistas, suas celebridades e suas organizações (os “think tanks”) que formulam, orientam e apoiam a distribuição de todo este arsenal. 

Outra “desvantagem” nossa, além de não praticarmos manipulação, é de ordem material. É óbvio que “think tanks” de direita encontram financiadores pra todo lado. Eles conseguem bancar tudo isto, manter gente inteligente por conta de produzir e disseminar ideias, premiam teses, oferecem bolsas de estudos e por aí vai.

No Brasil, o único “think tank” de esquerda que funciona é o CEBRAP, que tem dezenas de financiadores e se consagrou como centro de excelência acadêmica e mantém mais de 150 pesquisadores. Apesar de ser considerado como “think tank”, ele não se compara aos da direita em termos de estratégia comunicativa, alcance, agressividade, contundência.

Os “think tanks” ligados aos partidos de esquerda (suas fundações) mal funcionam para dentro dos partidos.

Acho que já fizemos alguns esforços na direção de criar “think tanks” ecossocialistas e do bem-viver, a RUPEA (rede universitária de programas de EA), o grupo de Pesquisa-Ação-Participante de especialistas que apoiava a proposta dos coletivos educadores e ajudou a montar a série “Encontros e Caminhos” (podendo focar no apoio aos territórios sustentáveis) e o coletivo “Ecossocialismo e bem-viver ou barbárie”. Todos estes grupos permanecem latentes, com muito mais força do que realizam.

Talvez esteja na hora de fazermos uma leitura de nossos caminhos, de nossos grupos e de nossos instrumentos, para montar uma estratégia para um “think tank” ecossocialista e de bem-viver, para disputar corações e mentes, não entre duas ideias, mas entre duas ontologias do ser, uma autônoma, feliz e esperançosa, e outra conduzida e cheia de raiva e medo entre as pessoas.

*Luiz Ferraro é pai, paulista radicado na Bahia, professor, engenheiro agrônomo, doutor pelo CDS/UnB

 

Redação

11 Comentários

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  1. Andam dizendo que acabaram as

    Andam dizendo que acabaram as utopias; penso exatamente o contrário: elas estão prontas e são tão desafiadoras que ao sistema atual restou partir para a violência total.

    Precisamos abraçá-las e fazê-las brotar. E o caminho é por ai, por essa via descrita pelo autor.   

  2. Excelente

    É isso, partir para a conquista eficaz de corações e mentes. Deixar um pouco de lado as táticas e estratégias concebidas no final do século XIX, entender o campo de batalha atual e partir para a guerra semiótica. Agora, enquanto a esmagadora maioria da população desperdiçar horas de seu dia e anos de sua vida plugados na Globo – e seus satélites -, não há como vencer. O sistema dominante atual é o maior corruptor que se possa imaginar, transforma pessoas com grande potencial para a solidariedade, a aceitação das diferenças, a fraternidade, a cooperação, … em egoistas, preconceituosos, indiferentes, odientos.

  3. Belissímo texto, lembra-me

    Belissímo texto, lembra-me discussões do Fórum Social Mundial.

    Concordo que as instituições ligadas ao campo progressista são minoritárias hoje na sociedade brasileira.

    Mas não podemos nos esquercer do papel extremamente importante de resistência ao pensamento dominante que estes grupos desempenham. Neste sentido, talvez a quantidade não seja tão fundamental, e sim a verdade com que estes trabalhos são realizados.

  4. Olho no olho
    De todo texto excelente, exortando a acao militante, a parte que creio ser a mais determinante eh a do “olho no olho”.

    A direita mente, mente e mente mais. A verdade da mente e do coracao pode mais do que qualquer think tank reacionario.

    Ataque semiotico tambem vale. Eh mais facil desmontar os argumentos da direita do que um bacteria passar pelo fundo de uma agulha.

    Eh preciso falar ao povo e estar ao seu lado. Povo nao le jornal nem revista. Assiste apenas TV aberta. Com todo o massacre do jornalismo televisivo contra as esquerdas, Lula tem cada vez mais simpatizantes. A barca da Globo et caterva faz agua por todos os lados.

    O povo jah intuiu a realidade desfavoravel do golpe, vide o desfile brilhante da Tuiti. Ataque semiotico na veia. “Injecao de Brasil na bunda” da burguesia tupinamba.

    Avante, sempre, sempre e sempre. Nada de desanimar. O sistema esta totalmente podre em seus fundamentos fim de linha. Nao tem nada a oferecer para o bem viver dos explorados alem de soldadinhos fantasiados de ETs.

  5. Think Thanks de esquerda

    Concordo com a reflexão de Luis Ferraro e incluo a lembrança do IBASE que atuou como think thank de esquerda com forte incidência sobre a cena pública nacional nos anos 90. Atualmente ainda é um centro importante de referência para o pensamento crítico. 

     

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