Prisões e libertações, por Paulo Fernandes Silveira

Uma das coisas mais interessantes do protesto negro em julho de 1978 foi a escuta da palavra libertária dos negros retidos numa grande prisão, quem sabe ela nos motive em nossas lutas atuais

(Protesto negro organizado pelo Movimento Negro Unificado – MNU, em 7 de julho de 1978).

Prisões e libertações

por Paulo Fernandes Silveira

Em setembro de 1977, Steve Biko, militante sul-africano e coordenador do Movimento da Consciência Negra, foi encarcerado, torturado e assassinado pelas forças de repressão do apartheid. Na edição n. 17, referente aos meses de dezembro e janeiro de 1978, o Jornal Versus denuncia o crime bárbaro, o texto termina citando as palavras de um dos oradores em seu funeral: “Biko não morreu em vão, entre nós nascerão outros 100 Steve Biko” (Jornal Versus, n. 17, 1978, p. 39).  http://www.marcosfaerman.jor.br/Versus17.html?vis=facsimile

O Jornal Versus possuía a seção Afro-Latino-América. https://fpabramo.org.br/publicacoes/estante/afro-latino-america-versus/ Essa parte do jornal trazia textos sobre o pensamento e a cultura negra, além de acompanhar os movimentos e as ações políticas de combate ao racismo. Na edição n. 23, o jornal publica uma série de fotos e artigos relacionados ao protesto negro em São Paulo, em 7 de julho de 1978, organizado pelo Movimento Negro Unificado (MNU) contra a Discriminação Racial. Essa edição do jornal recebeu o título: Os negros estão nas ruas!

Uma das bandeiras do movimento refere-se à Consciência Negra, defendida por Steve Biko. Em São Paulo e no Brasil, os militantes sustentam que o 20 de Novembro, data do assassinato de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, seja reconhecido como dia nacional da Consciência Negra. O governo brasileiro só acataria essa demanda em novembro de 2011, quando a presidenta Dilma Rousseff sanciona a lei 12.519.  https://www.youtube.com/watch?v=fKQD7Y2H5tc&fbclid=IwAR29rNhZyIdyEdjdmp9OmCVLzVshHzdhix5xNo7aRzd4Xxdn4h_pqLQLo-w Essa foi uma das inúmeras medidas de reparação às negras e negros adotadas pelos governos petistas de Lula e de Dilma.

Esse processo de transformações sociais e políticas foi interrompido com o golpe midiático-empresarial-jurídico-parlamentar contra o governo de Dilma. Como fizeram com Biko e com outras grandes lideranças libertárias mundiais, Lula foi encarcerado por quase 2 anos. Estamos entrando num outro tempo, o tempo da libertação de Lula, das brasileiras e dos brasileiros. Uma das coisas mais interessantes do protesto negro em julho de 1978 foi a escuta da palavra libertária dos negros retidos numa grande prisão, quem sabe ela nos motive em nossas lutas atuais:

Casa de Detenção de São Paulo.

Do fundo do grotão, do exílio, levamos nosso sussurro a agigantar o brado de luta e liberdade dado pelo movimento Unificado Contra a Discriminação Racial.

Nós presidiários brasileiros contamos com nosso grupo unificado contra Discriminação Racial. E aqui estamos no lodo do submundo, mas dispostos a dar nossos corpos e mentes para a ação da luta, denunciando também a discriminação dentro do sistema judiciário. Aqui, no maior presídio da América Latina. (…)

Todos aqui almejam ter alguém que o represente no mundo exterior. Aos Afro-brasileiros (70% dos 6.354 homens) é praticamente negada a ajuda estadual em relação às necessidades judiciais. (…)

Por isto, desanimam de lutar, ficando à espera de oportunidades de mudanças jurisprudências e ao mesmo tempo que vai revoltando-se consigo mesmo, pois sentem-se podados, em todos seus passos e tentativas de avanços, pelos membros do poder público que detém nas mãos nossa vitória e nos impõe a derrota. (…)

Também tem o seguinte: se for algo do qual dependemos da sociedade branca para nos conscientizar, algo que se consiga com docilidade de servos, não apresente!…

Já estamos fartos de palavras, demagogias, por isto somos um grupo, por isto gritamos sem cessar.

Somos negros, somos NETOS DE ZUMBI…

(e vovô ficaria triste se nos entregássemos sem luta…)…” (Jornal Versus, n. 23, 1978, p. 35). http://www.marcosfaerman.jor.br/Versus23.html?vis=facsimile

Paulo Fernandes Silveira (FE-USP e IEA-USP)

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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