Qual a função do ensino religioso na perspectiva da laicidade?, por Marcos Vinicius de Freitas Reis

O ensino religioso é mais uma oportunidade que a escola tem de estudar a cultura local.  A valorização dos aspectos culturais e religiosos da sociedade na qual a escola está inserida é fundamental.

Religião e Sociedade na Atualidade

É possível ensino religioso nas escolas públicas e privadas no contexto da laicidade brasileira? Qual a função do ensino religioso na perspectiva da laicidade?

por Marcos Vinicius de Freitas Reis

 Quem não se lembra das aulas de ensino religioso no ensino fundamental? Acredito que a maioria dos brasileiros tiveram aulas com padres, freires, pastores ou pessoas muito engajada em suas atividades religiosas. Os conteúdos ensinados provavelmente eram ensinamentos sobre a bíblia, Deus, Maria, Santos, Orações, Campanha da Fraternidade, Círio de Nazaré, Natal, e outros feriados religiosos. O intuito do ensino religioso é a catequização, proselitismo religioso e as igrejas terem espaços nas escolas públicas e privadas para ministrarem temas ligados a suas confessionalidades.

Historicamente o modelo confessional (ensino dos dogmas religiosos) foi o escolhido pelas escolas públicas e privadas para a identidade do componente curricular ensino religioso. Isto deve-se a influência da Igreja Católica na política brasileira. Acredita-se que o ensinamento do credo, dogmas e princípios morais cristãos eram necessários para a formação humanística do aluno.

A partir da década de 1980 o Brasil avança para o crescimento de outros grupos religiosos cristãos. Os evangélicos tem aumento substancial em número de adeptos e influência na sociedade. Há quem diga que nas próximas décadas o Brasil será de maioria evangélica (teremos um artigo apenas para tratar disto). Evangélicos conquistam espaço nas escolas e naturalmente o modelo interconfessional acaba sendo assumindo por alguns sistemas de ensino. Interconfessionalidade consiste no ensino confessional de vários credos religiosos nas aulas de ensino religioso. A diferença que os conteúdos não apenas de inspiração católica, temos a presença de elementos de outras religiões, sobretudo as evangélicas pentecostais e neopentecostais.

Tanto o modelo confessional quanto o modelo interconfessional são problemáticos para o contexto da laicidade em que vivemos. Entendemos a laicidade a separação da Igreja e do Estado. Assuntos relacionados a religião são fé fórum íntimo, ou seja, a vivência da religião, religiosidade ou outro aspecto de fé é algo particular de cada um. O espaço público é o espaço de todos.  Cabe ao Estado não ter uma religião. A função do estado é garantir a liberdade de culto e religiosa, tratar todas as religiões de forma igualitária, vetar intolerância religiosa e racismo religioso ou qualquer forma de proselitismo religioso nas escolas (isto é constitucional).

O que vem ocorrendo diariamente nas escolas públicas nas escolas brasileiras? Muitos professores de ensino religioso impõe sua religião aos alunos dentro das aulas. Demonizam expressões religiosas diferente da teologia católica ou protestante, a exemplo das religiões de matriz africana. Satanizam as questões de gênero e sexualidade, investem em oração do pai nosso, ave maria, recitação da bíblia, cultos, missas, palestras ecumênicas, dentre outras práticas proselitistas.

Como falamos o Brasil não é mais um país de maioria católica. Nas últimas décadas percebemos queda significativa do número de católicos e aumento dos evangélicos e dos sem religião. O perfil religioso do brasileiro mudou radicalmente. O Brasil não é mais uma nação católica e sim de maioria de católicos. A pluralidade é o retrato da prática religiosa do brasileiro. As pessoas podem optar por serem católicas, evangélicas, espiritas, candomblecistas, islâmicas, umbandistas, vinculadas a alguma filosofia religiosa oriental, uso o chá da Ayahuasca, ou simplesmente não terem religião.

As religiões, religiosidades, filosofias de vidas, crenças, espiritualidades ou o nome que queira sempre influenciaram e sempre continuaram a influenciar a vida particular dos brasileiros e as decisões nos espaços públicos. Isto é, a religião dialoga com as questões de educação, saúde, segurança pública, direitos humanos, turismo, patrimônio, violência, cultura, juventude, e dentre outras áreas.

Acreditamos que a função do ensino religioso na escola pública e laica é outra. É levar o aluno a compreender a religião enquanto fenômeno social. A religião pode e deve ser estudada a partir de uma perspectiva cientifica. As aulas podem ser espaços riquíssimos de levar o nosso alunado a refletir como a religião pode incluir ou excluir as pessoas na sociedade. Isto é, não seria o ensino teológico e sim fenomenológico.

As aulas de ensino religioso precisa estar vinculado a proposta de educação em direitos humanos nas escolas. Os conteúdos relacionados a valores de liberdade, justiça social, tolerância a religião e cultura do outro, solidariedade e promoção da cultura da paz. Caberia ao professor de ensino religioso discutir questões de gênero, raça, etnia, migração, política, cultura, sexualidade, mulheres, indígena, ambiental, na conscientização do respeito as pessoas, a sociedade e a pluralidade religiosa e cultural.

O ensino religioso é mais uma oportunidade que a escola tem de estudar a cultura local.  A valorização dos aspectos culturais e religiosos da sociedade na qual a escola está inserida é fundamental. Podemos citar o exemplo da Amazônia. Alguns estados reformularam seus conteúdos de ensino religioso e priorizaram as características da cultura e religiosidade local. Os temas trabalhados são as tradições indígenas, as práticas e saberes africanos, religiosidade popular, festas tradicionais, cultura religiosa do ribeirinho e das comunidades quilombolas, turismo religioso, espaços sagrados, dentre outras opções. O objetivo maior é combater a intolerância religiosa e o racismo religioso.

Acreditamos que a ciência referência para o docente em ensino religioso é a Ciência da Religião. Necessitamos de uma política pública que esteja em consonância com os referencias teóricos e metodológicos de pensar a religião enquanto ciência e não dogmatismo. Para isso, as universidade públicas e privadas necessitam oferecer cursos de graduação e de pós-graduação em ciência da religião. Uma pena que a realidade é o contrário. Há resistência de reitores, secretários de educação no comprometimento desta agenda de ensino e de pesquisa.

Finalizo aqui esta coluna agradecendo publicamente a APERAP – Associação de Professores de Ensino Religioso do Estado do Amapá – da luta que vem travando a décadas para a consolidação de um ensino religioso laico, plural e democrático no Estado do Amapá. Certamente no futuro termos melhores notícias a respeito deste assunto.

Marcos Vinicius de Freitas Reis – Professor da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) do Curso de Graduação em Relações Internacionais. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Docente do Curso de Pós-Graduação em História Social pela UNIFAP, Docente do Curso de Pós-Graduação em Ensino de História (PROFHISTORIA). Membro do Observatório da Democracia da Universidade Federal do Amapá. Docente do Curso de Especialização em Estudos Culturais e Politicas Públicas da UNIFAP.  Líder do Centro de Estudos de Religião, Religiosidades e Políticas Públicas (CEPRES-UNIFAP/CNPq). Interesse em temas de pesquisa: Religião e Politicas Públicas. E-mail para contato: [email protected]

 

Redação

2 Comentários

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  1. Chego à conclusão mais uma vez que diplomas de graduação, mestrado e doutorado múltiplos não transformam em alguém sábio ou no mínimo atrelado a realidade.
    Achar que há utilidade no ensino religioso em escolas públicas porque há um pequeno grupo de professores da disciplina de ensino religioso que tentam mostrar a diversidade das populações e que deve contar com uma pequena percentagem de doutrinadores religiosos mais “laicos”, tudo isso é de uma tal incapacidade de ver a realidade do mundo que me espanta. Não era melhor dar um curso sobre diversidade cultural?
    Há uma imensa contradição nesse discurso procurando achar razão em algo que definido pela constituição, que deveria ser uma resposta absoluta:
    Se o Estado é Laico qual o sentido de o Estado pagar educação religiosa para a população?
    Dar mil e uma voltas provando que o ensino religioso não é religioso, ou seja que nas aulas de ensino religioso vai se falar em tudo menos no ensino da religião é verdadeiramente patético, ensino religioso parte do princípio que religiões são uma necessidade do ser humano, algo que tem sido pregado há milhares de anos pelos religiosos que tem como ofício viver da credulidade religiosa implantado desde a infância na cabeça das crianças, além disso todas as religiões são ou tentam se vincular ao poder e a superestrutura da sociedade vigente.
    A religião claramente reforça a inércia de mudança da sociedade, assim como elas durante séculos deram uma colaboração maciça com os escravocratas mostrando que os livros considerados “santos” permitiam a escravidão e a naturalizavam. O ensino religioso tem por objetivo de cristalizando a sociedade e promete aos infelizes da Terra uma vida futura nos céus para que os pobres saibam que poderão continuar mansos e pacíficos, porque eles herdarão os céus.
    Hoje em dia fala-se tanto de Fake News, mas vamos imaginar que alguém, após uma contribuição a uma determinada pessoa, receba dessa um mapa completo para chegar a uma mina de ouro, vamos dizer que os sócios desse vigarista façam o mesmo durante milhares de anos e para bilhões de pessoas. Só há um pequeno problema, a mina de ouro terá um ouro que só poderá ser utilizado no local que ela está e este local ninguém sabe onde é, nem na verdade ninguém voltou de lá para dizer se este local existe. Pois bem o Estado permite que esses vigaristas vendam uma terra que ninguém sabe se existe, e as referências da existência estão em livros que ninguém sabe quem os escreveu nem ao menos se acham os originais.
    O mais interessante que ensino religioso deveria ser tratado como realmente um Fake News, simplesmente porque se há milhares de pessoas que mostram esse local a onde ninguém sabe a onde é. Entretanto há outro problema, todos esses milhares desses vigaristas dizem que somente ele está correto e que os outros milhares estão errados, são mentirosos, apóstatas filhos de entidades maléficas. Se não é possível dizer com precisão qual dos milhares de vendedores dos céus, a única certeza que se pode ter, é que se um está certo e os outros milhares são mentirosos.
    Se o Estado não quer ficar ao lado dos milhares de mentirosos para dar direito a somente um não mentiroso, a prudência indica que o Estado deva se manter totalmente longe de toda essa briga em que todos exceto um estão errados, ou pior ainda, que não todos estejam errados.

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