Reflexões kantianas sobre a infestação nazifascista, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em 15 de março de 2020 uma vez mais teremos a oportunidade de observar e julgar as manifestações antidemocráticas (que eu prefiro chamar de “infestações nazifascistas”)

Reflexões kantianas sobre a infestação nazifascista

por Fábio de Oliveira Ribeiro

A filosofia kantiana tem um imensa lacuna, pois Kant não se deu ao trabalho (ou não teve tempo) de escrever uma obra específica sobre política. Entretanto, algumas de suas concepções políticas podem ser extraídas da sua obra crítica, pois como disse Hannah Arendt:

“…no centro da filosofia moral de Kant encontra-se o indivíduo; no centro de sua filosofia da história (ou antes, de sua filosofia da natureza), encontra-se o progresso perpétuo da raça humana, ou gênero humano. (Portanto: a História de um ponto de vista geral.) O ponto de vista ou perspectiva geral é ocupado pelo espectador, que é um ‘cidadão do mundo’, ou melhor, um ‘espectador do mundo’. É ele quem decide, tendo uma idéia do todo, se, em algum evento singular, particular, o progresso está sendo efetuado.” (Lições sobre a filosofia política de Kant, Hannah Arendt, organização e ensaios Ronald Beiner – nona lição -, editora Relume Dumará, 2a. edição, Rio de Janeiro, 1994 p. 59)

Ao dissertar sobre o gosto como uma espécie de senso comunitário, Kant afirma que não há:

“…nada más natural en sí que hacer abstracción de encanto y de emoción cuando se busca un juicio que deba servir de regla universal.” (Crítica del Juicio, primeira parte, §40 – Emmanuel Kant, v. II, Clásicos Inolvidables, Librería El Ateneo, Buenos Aires, p. 305)

“… nada mais natural em si mesmo do que abstrair-se do encanto ou da emoção se estamos em busca de um juízo que venha a servir como regra universal.”

Kant não está aqui falando de máximas e sim de uma verdade compartilhada apta a compelir todas as pessoas da comunidade. A universalidade de um juízo pode ser reconhecida como regra [verdadeira] quando ele é compartilhado por diversas pessoas.

Uma pessoa incapaz de fazer a distinção entre aquilo que gostaria que fosse a regra [verdade comunitária] e o juízo universal há algo errado com sua faculdade de julgar, pois ela não é capaz de abstrair-se de seu encanto ou emoção pessoal. Ao projetar na comunidade sua própria subjetividade essa pessoa incapaz de reconhecer o juízo universal pode ser considerada insana.

A perpetuação da democracia e da paz social é algo bom, belo e justo. Essa afirmação pode ser considerada uma regra universal verdadeira, pois todas pessoas da comunidade podem compartilhar os benefícios dela independentemente de sua condição social, financeira, sexual, religiosa, etc. Nesse sentido, quem tentar destruir o regime democrático ou defender o uso da violência para provocar uma ruptura da paz social é insano, pois acredita que o seu encanto ou emoção precisam ser obrigatoriamente compartilhados por todas as pessoas.

Em 15 de março de 2020 uma vez mais teremos a oportunidade de observar e julgar as manifestações antidemocráticas (que eu prefiro chamar de “infestações nazifascistas”). Elas foram convocadas e desconvocadas por Jair Bolsonaro. O mito e seus defensores tem um objetivo bem definido: eles querem fechar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

O poder absoluto e incontestável que eles reconhecem em Jair Bolsonaro [e que eles querem impor à todos os demais cidadãos] não existe dentro dos limites do sistema constitucional. Portanto, o que as infestações nazistas pretendem provocar e/ou legitimar é o rompimento do sistema constitucional de 1988. Bolsonaro trabalha dentro da legalidade para destruir a paz social conquistada com sangue, suor e lágrimas durante a ditadura militar.

A Constituição Cidadã não foi o produto de uma vontade singular, mas o resultado de um longo e doloroso processo histórico. A promulgação dela em 1988 pacificou a sociedade brasileira e colocou um ponto final definitivo num regime político violento e infame. Ao pacificar nosso país, a Constituição Federal de 1988 resultou num imenso progresso. O Brasil que foi criado nos últimos 32 anos é um país economicamente mais rico, culturalmente mais desenvolvido e politicamente mais complexo do que aquele que existia durante a ditadura.

Após um ano e três meses de desgoverno Jair Bolsonaro podemos dizer que os métodos de governança do mito são conhecidos. No exercício do poder, a familícia apostou todas suas fichas na propagação da mentira, da violência policial, do racismo, do desprezo pelos pobres, do ódio contra os índios, gays, quilombolas. Sempre que falam em público, Bolsonaro e seus filhos demonstram um imenso desdém pela igualdade política. Eles demonstram uma predileção mórbida pela censura, pela tortura e pelo assassinato.

Os resultados do Reich Bananeiro também são conhecidos: isolamento diplomático crescente, fuga de capitais, aumento da concentração de renda, taxa de desemprego elevada e um crescimento econômico pífio. Bolsonaro prometeu o céu concluído e nos entregou um rascunho do inferno.

Apesar de ter utilizado o regime democrático para conquistar prestígio, poder e dinheiro, os Bolsonaro são incapazes de reconhecer que a preservação da Constituição Cidadã é algo bom, belo e justo. A regra universal verdadeira compartilhada pela comunidade brasileira [a ditadura é pior do que a democracia; a paz é melhor do que a guerra civil] é totalmente desprezada por uma família problemática que pretende impor ao Brasil um novo regime político insano comandado por insanos.

O rompimento da legalidade e a concentração de todo o poder nas mãos da família Bolsonaro representará um progresso? A “infestação nazifascista” de hoje diz respeito a todos aos brasileiros. Tanto àqueles que declararam guerra à maioria da população quanto aos demais. Aqueles que não forem capazes de reconhecer as virtudes da Constituição Cidadã serão vítimas preferenciais da guerra declarada ao Brasil pela familícia Bolsonaro e seus capangas, milicianos, policiais e militares.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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