Regularização de bens não declarados no exterior: escândalo ou solução?

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Pierpaolo Cruz Bottini 

No Consultor Jurídico

Hoje a Câmara dos Deputados votará o Projeto de Lei 2690/2015, que possibilita a regularização de bens não declarados no exterior. A proposta tem suscitado aplausos e reações indignadas. Tanto uns como outros tem uma parte de razão, pois o projeto combina uma ideia importante com trechos que merecem críticas. O presente texto tem o objetivo de esclarecer os contornos originais do projeto e pontuar alguns excessos que merecem cuidado.

Em primeiro lugar, vale um passeio pelas principais críticas: (i) é uma proposta do governo voltada para salvar réus da “lava jato”; (ii) a lista de crimes anistiados é extensa demais; (iii) as medidas para garantir que os bens regularizados tem origem lícita são insuficientes.

Parte das ponderações procede. Parte não.

Em primeiro lugar, não se trata de um projeto só do governo, ou deste governo. A regularização de capitais não declarados é uma experiência já implementada em países como Estados Unidos, Portugal, Irlanda, Itália, Reino Unido, França e México. Em segundo lugar, não se trata de proposta ideologicamente vinculada a esse governo, uma vez que pensadores de todas as matizes, como Everardo Maciel, Heleno Torres e Ives Gandra da Silva Martins, apoiam a ideia, embora divirjam no que se refere às multas e alíquotas, bem como na forma de previsão legislativa da regularização.

Assim, vale conhecer a razão central do projeto. No passado, milhares de brasileiros enviaram dinheiro e abriram contas no exterior, sem comunicar as autoridades nacionais, para proteger seu patrimônio da inflação e da instabilidade econômica que grassava o país. Salários, honorários, enfim, frutos de atividades lícitas foram deslocados para a Suíça, Uruguai e Panamá, dentre outros.

O problema: tais operações não eram e não são permitidas pela lei brasileira. São consideradas crime. Além do delito fiscal, consistente em omitir informações à Fazenda, caracterizam evasão de divisas, na forma de manter depósitos no exterior não declarados ao Banco Central. A pena para essa última infração é de dois a oito anos de prisão, mais multa.

A despeito disso, um sem número de nacionais possuem contas no exterior não declaradas. Há quem estime que são 100 bilhões de dólares em divisas nacionais que rodam pelo mundo, ariscos à fiscalização.

Cientes da gravidade da situação, muitos querem regularizar seu capital, repatria-lo, trazê-lo de volta ao Brasil. Concordam em pagar os tributos incidentes e em demonstrar sua origem lícita. Mas não podem porque, ao revelar contas não declaradas, acabam por confessar a prática da evasão de divisas e, mesmo que recolham os impostos e paguem as multas devidas, não estão livres da pena.

Em suma, não há como regularizar o retorno do capital sem algum risco penal. Diante dessa difícil realidade, alguns buscam estruturar sofisticadas operações financeiras — como a criação de trusts, de offshores, a simulação de exportações —para repatriar os valores sob o manto de aparente legalidade. Porém, a depender do caso concreto, aquele que usa de tais estratégias pode piorar sua situação, uma vez que agrega à evasão de divisas a prática de lavagem de dinheiro, cuja pena varia de três a dez anos.

Outros, perante esse quadro, optam por sair do Brasil, adquirem cidadania estrangeira, de país onde a evasão de divisas não é crime. Por fim, existem aqueles que desistem de rever tais valores, organizando esquemas para que ao menos seus filhos possam usufruir do dinheiro após sua morte. Para isso, precisam rezar para que o Brasil não firme acordos de troca de informações fiscais com o país no qual depositaram os recursos. E a má notícia é que o Brasil já firmou alguns deles e pretende ajustar com os países da OCDE o envio/recebimento de tais informações a partir de 2018.

Nesse contexto, o PL 2960 parece uma boa ideia. Por ele, aqueles que mantém valores de origem licita no exterior, não declarados, terão a opção de regularizar o capital, desde que pagando os tributos incidentes, uma multa, e demonstrando que os bens tem origem lícita. Nesse caso, estaria extinta a punibilidade do crime de evasão de divisas e dos crimes fiscais correlatos. Parte desses 100 bilhões de dólares retornaria ao país e poderia ser reinvestida, reaquecendo a economia.

Em suma, a proposta é boa. Porém, alguns aspectos do texto legal merecem cuidado.

Em primeiro lugar: quais crimes serão anistiados (chamo de anistia porque a proposta tem todas as suas características). É natural que o delito de evasão de divisas (manter bens no exterior sem declaração ao Banco Central) e contra a ordem tributária (crimes fiscais) tenham sua punibilidade extinta, senão o programa será um fracasso. De nada adianta prever a regularização de bens sem uma garantia de que seu possuidor não passe uma temporada na prisão.

Também parece adequado afastar o crime de descaminho — que nada mais é do que um crime fiscal no qual o tributo sonegado é aquele devido pela entrada ou saída de mercadoria lícita no país — e aqueles referentes à falsidade documental, desde que essa falsidade tenha sido usada exclusivamente para a evasão de divisas. Assim, a falsidade voltada para qualquer outro crime (corrupção, peculato, tráfico de drogas etc.) continua punível, por óbvio.

Por outro lado, o projeto aprovado nas comissões prévias acabou por prever a extinção de punibilidade de crimes não relacionados à evasão de divisas. É o caso do artigo 16 da Lei 7.492/86, que pune aquele que “faz operar, sem a devida autorização, ou mediante autorização mediante declaração falsa, instituição financeira”. Aqui se trata do doleiro, aquele que vive profissionalmente de operações de câmbio à margem da lei. Não parece adequado anistiar esse personagem, sob pena de deslegitimar uma boa intenção.

Portanto, justas as críticas quando dirigidas a esse dispositivo.

Há quem diga que essa anistia regularizaria capitais de traficantes, corruptos e doleiros. Não é verdade. Apenas serão beneficiados aqueles que detém capitais de origem legal.

Mas aqui está outro ponto polêmico. Como comprovar que os valores tem origem licita? O projeto de lei prevê que a mera declaração da licitude dos bens é suficiente, indicando que tal documento não pode ser usado como elemento para investigações posteriores contra o declarante.

Nesse ponto a proposta também merece reparos. Para que a anistia não seja uma oportunidade para a lavagem de dinheiro oriundo de outros crimes, é importante alguns cuidados. O Gafi publicou em 2012 um paper (“Managing the anti-money laundering and counter-terrorist financing policy implications of voluntary tax compliance programmes”) no qual propõe medidas para prevenir que programas de facilitação de regularização similares sejam usados para lavar dinheiro sujo, dentre as quais a exigência que as operações de regularização ou repatriamento sejam efetuadas por meio de instituições financeiras regulares; a previsão de que os documentos de homologação da regularização não sejam endossos oficiais de licitude da origem dos bens (ou seja, que não impeçam investigações posteriores se existirem indícios de origem delitiva), que as instituições financeiras adotem políticas de análise reforçada das operações de regularização, identificando o beneficiário final da operação, cadastrando seus dados e exigindo documentos que demonstrem a licitude do capital.

Assim, para evitar que um bom programa se converta em um instrumento de reciclagem de bens sujos, parece necessário incrementar a vigilância sobre os bens que serão regularizados. Nesse sentido, seria admissível exigir que as instituições financeiras que intermediarão a regularização adotem diante dos bens declarados os mesmos cuidados que abraçam quando operam transações de pessoas politicamente expostas, ou seja, que façam uma diligência reforçada (enhanced diligence) e comuniquem ao Coaf quando o ato tiver características suspeitas. Importante aqui seria, portanto, que o Banco Central se debruçasse sobre o projeto de lei e fixasse diretrizes e orientações claras para que as instituições financeiras desempenhem um papel efetivo nesse controle.

Em suma, o projeto de lei é bom, adequado e importante, mas também apresenta alguns problemas pontuais de redação que podem ser revistos e resolvidos. Fica aqui a contribuição para seu aprimoramento.

 

Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

15 Comentários

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  1. Se sabem onde está o dinheiro…

    Se sabem onde está o dinheiro traga-o de volta e puna os culpados. Mas não sabem não é mesmo.. Melhor pegar 30% de algo dado como perdido ou viver na eterna igenuidade e ilusão de que irão prender todo mundo e recuperar essa grana.  O projeto é bom e deveria abranger qualquer crime, aliás nem deveria ser mencionado o crime. Traga o dinheiro, pague 30% por cento e a vida continua daqui pra frente com mecanismos sérios que impeça nova evasão, porque senão o resultado é o seguinte: ninguém será punido , como de fato não é, e em vez de arrecadar 30% vai perder o dinheiro todo e ficar por isso mesmo.

      1. Responde Alice

        Defensor de doleiro e traficante é a senhora sua mãe. Você tão pura e decente (pra não dizer ingênua e burra) sabe onde estão o dinheiro e os respectivos titulares das contas? Se sabe não se omita já que é tão honesta, vá correntdo a uma delegacia e faça a denúncia. Não deve saber né, sua moralistazinha de araque. A solução que apontei foi justamente essa, focar meramente no aspecto financeiro, tentar recuperar uma parte do dinheiro que é dado como perdido e perdido estará. Não cabe discussão cristã e puritana, o jogo aqui é mais bruto, o do mundo real, onde você não deve habitar, pela foto é só mais um fantasma da hipocisia e da fanfarronice que anda assombrando este país. A respota é essa mesmo, cheia de impropérios, uma vez que você não conseguiu apresentar uma ideia para contrapor saiu atirando sua leviande contra os outros. Burra, mentirosa e leviana. Tipinhos como vc, que rotula em vez de discutir deveria ser tratado a pontapés. Que o blog admitia o comentário como pura liberdade de expressão uma vez que fui onfendido gratuitamente por esta paquiderme.

        1. Além de defensor de bandidos, grosso para dedéu

          E ingênuo, burro, paquiderme, etc, é o seu avô torto. Posso nao saber onde estao as contas, mas nao vou propor anistia para o tráfico de divisas. Que será provavelmente pego com os acordos que o Brasil está fazendo, sendo por isso aliás que o Congresso está correndo atrás dessa “brilhante soluçao”. E vc, que nem cadastrado é, deve estar aqui a soldo dos que ganham com isso. Aliás a sua linguagem sugere isso bem.

          1. A senhora que me cadastrar?

            Quer meu cadastro. Quer fazer minha ficha. Quer inscrever minha folha corrida no DOI-CODI de sua ideologia tacanha. Nem o blog me exigiu cadastro, vem vc com seu autoritarismo querendo ficha. Minha linguagem é proporcional ao seu agravo sua anta. Bateu levou. Veja o que acabou de insinuar sua débil mental, que estou aqui pra defender bandido. Emiti uma opinião e vc partiu pra baixaria, talvez pensando que caluniar pessoas seja uma classe de pensamento e reflexão. Se enganou, um homem de bem ofendido reage como uma fera. Muito diferente talvez dos tipinhos com quem vc convive. Aprenda isso e segure sua leviandade.  Não venha procurar briga com gente decente.

          2. De jeito nenhum. O Blog nao precisa de trogloditas como vc

            E gente decente? Será? Nao parece nem um pouco. Gente decente nao acha normal que dinheiro sujo seja lavado.

  2. Partindo dessa redacao, nao

    Partindo dessa redacao, nao vai dar em muita coisa nao!!!

    “Em primeiro lugar, vale um passeio pelas principais críticas: (i) é uma proposta do governo voltada para salvar réus da “lava jato”; (ii) a lista de crimes anistiados é extensa demais; (iii) as medidas para garantir que os bens regularizados tem origem lícita são insuficientes”:

    (i):  dinheiro de c o r r u p c a o nao eh “regularizado”, eh confiscado.

    (ii):  QUAIS crimes?!

    (iii):  so advogado escreveria isso mesmo!  Entao a “regularizacao de bens” nao pode ter uma fronteira legal entre o que eh e o que nao eh regularizavel, ou qual dinheiro eh confiscavel por causa de dinheiro de corrupcao ser crime irregularizavel?  Que bom pros clientes deles!

    Gostei do item, a critica eh a essa paragrafo especificamente.

  3. Aqui ou fora, até aí tudo bem!

    A repatriação de dinheiro no exterior deveria oferecer uma especie de “delação premiada”, reduzindo multas por evasão de divisas a quem declara na receita. Mas, a origem desse dinheiro, sim deverá ser questionada e nenhum ilícito deveria ser perdoado. Esses pilantras se perseguem lá fora, com a colaboração de governos estrangeiros e acompanhamento mais cuidadoso. Depois da Petrobras, deveria haver mais foco em grandes sonegadores da receita e, ainda, levantar os podres do Banestado, na época tucana (Paraná), de onde surgiu este festival de doleiros. Só atacando os focos aqui levantados estaria resolvida grande parte do problema. Se o MP, a Justiça e a PF considerarem que os tucanos também estão sujeitos à investigação, então aí é que vai sobrar dinheiro.

  4. Quer dizer que o país vai

    Quer dizer que o país vai ficar para sempre refém dessa Lava a Jato, é? Pelo menos até 2018, presumo. Já está enchendo o saco. 

    A medida é salutar: dá chances para o repatriamento de capitais que o país tanto necessita ao tempo em que redime aqueles que o expatriaram por razões aceitáveis. Depois de pagos os impostos e as multas e, claro, dissipadas as dúvidas acerca da sua origem. 

  5. http://www.infobae.com/2008/1

    http://www.infobae.com/2008/12/24/422581-entro-vigencia-ley-repatriacion-capitales

    Pouco dinheiro vai voltar. A lei argentina 26.476 de 18 de dezembro de 2008 mirava US$250 bilhões de argentinos que estavam depositados no exterior e só voltaram 10 MILHÕES, uma merreca. O dono do dinheiro NÃO CONFIA no Pais, é porisso que o dinheiro está la fora. E confia ainda menos ainda no sistema montado para o repatriamento, com SIGILO ZERO, igual a dos processos da lava Jato, o dinheiro repatriado vai ser examinado com lupa pela Receita, pelo COAF, pela Policia Federal e

    vai provar a licitude da origem, algo dificl de documentar se for dinheiro parqueado lá ora há muito tempo.

    E ficam discutindo filigranas juridicas para nada, como se isso fosse o essencial.

    1. Só q agora o Brasil tá fazendo acordos d revelaç d contas secret

      Que deixem lá, e sejam pegos. Aí em vez de 30% perderao tudo, e irao para a cadeia. Muito merecido, aliás.

  6. Será dificil…

    Dificilmente alguém enviou dinherio para fora em quantidades gigantescas ´por conta do medo do comunismo…justificar essa evasão será difícil para a turma de cima…A lei precisa ser muito bem elaborada para não deixar margem para esses abonados justificarem sem provas fortes de origem. 

    Quem trabalha em dois empregos como eu, professor universitário paga muito imposto, muito imposto mesmo retido na fonte. Não sou contra pagar esses impostos, sou a favor que todos paguem como eu que tenho carteira assinada em dois empregos. 

    É  preciso estar muito atento ao que vai ser aprovado pelo pior perfil de congresso da história republicana…legislar em causa própria é uma prática constante dos congressistas. 

  7. Será dificil…

    Dificilmente alguém enviou dinherio para fora em quantidades gigantescas ´por conta do medo do comunismo…justificar essa evasão será difícil para a turma de cima…A lei precisa ser muito bem elaborada para não deixar margem para esses abonados justificarem sem provas fortes de origem. 

    Quem trabalha em dois empregos como eu, professor universitário paga muito imposto, muito imposto mesmo retido na fonte. Não sou contra pagar esses impostos, sou a favor que todos paguem como eu que tenho carteira assinada em dois empregos. 

    É  preciso estar muito atento ao que vai ser aprovado pelo pior perfil de congresso da história republicana…legislar em causa própria é uma prática constante dos congressistas. 

  8. Você se acha mesmo né

    Então você é o blog, você é quem decide quem pode ou não pode. Se for assim, perfeito. Ou é apenas seu desejo latente de censurar quem tem uma opinião diferente.  Não defendi lavagem de diheiro, defendi repatriação dos recursos, inclusive com anistia. O mais é ilusão, achar que iremos recuperar todo esse dinheiro de volta pelos canais ortodoxos das instituições, veja o caso do dinheiro do Cunha, só agora que ele entrou nos holofotes e foi denunciado que o dinheiro apareceu, mas existem milhões que não são o Cunha e estão tranquilos esperando a competência de nossas instituições funcionaream. Foi o que disse, e a grosseria foi por conta de sua insunuação de defensor de bandidos. Da próxima vez modere sua leviandade em sair acusando. Desta vez, me desculpo com os demais leitores, que não mereciam ler as imprecações que eram todas pra vc, mas não tem como direcionar isso no blog.  Grande abraço, e aprenda, aqui é bateu levou. E vc é danada, mas nesse ponto nossas opiniões são diferentes. Superemos isso. O que vale é o debate sempre e da próxima vez  sejamos mais elegantes. Tchau.

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