Sapatos, livros e redes sociais, por Giselle Mathias

Há um tempo atrás decidi fazer uma brincadeira no Facebook para mostrar o quanto estávamos mais preocupados com superficialidades do que com questões importantes para o país e o mundo.

Sapatos, livros e redes sociais

por Giselle Mathias

Após assistir o documentário “O Dilema das Redes” percebi que apesar de me considerar uma pessoa pouco influenciável, pois todos em alguma medida somos passives de influências, percebi o quanto eu estava sendo pautada e mudando meu comportamento em razão das redes sociais, em um primeiro momento parecia possibilitar unir as pessoas e ser um novo meio para conhecermos e nos conectarmos com outros.

Antes preciso informar que me considero de esquerda e por este motivo estou nessa bolha segundo os algoritmos, mas acreditava que de alguma maneira poderia furar essa bolha.

Me enganei!

Há um tempo atrás decidi fazer uma brincadeira no Facebook para mostrar o quanto estávamos mais preocupados com superficialidades do que com questões importantes para o país e o mundo.

Comecei a publicar fotos dos meus sapatos (sim, eu adoro sapatos!) as quais recebiam muitas curtidas. Publicava durante 5 a 7 dias apenas fotos de sapatos, então publicava uma foto de um livro que eu estava lendo.

Pasmem! Não recebia mais do que 5 curtidas.

Depois de pouco mais de um mês revelei a brincadeira em um comentário, no qual eu dizia que meus sapatos faziam mais sucesso do que meus livros, e questionava porque estávamos tão distantes dos livros e o quanto era preciso voltarmos a ler para não sucumbirmos a superficialidade imposta pela internet, pois o conhecimento e a possibilidade de desenvolvermos análise crítica são essenciais ao desenvolvimento humano.

Eu, simplesmente, acreditei que dentro daquela bolha  os meus “amigos” da rede social tinham tido acesso às minhas publicações e que deliberadamente preferiam sapatos ao invés de livros, e de alguma forma isso demonstrava como estávamos apenas nos ligando ao supérfluo.

Em um primeiro momento imaginei que em razão de todo o processo de ascensão da ultra direita, após o golpe de 2016, estávamos de maneira geral cansados, esgotados e desanimados por não conseguirmos impedir o desmonte do Estado e das políticas sociais conquistadas nos governos do Partido dos Trabalhadores.

Percebi que após essa brincadeira diminui minhas postagens de frases ou textos sobre política e comentários sobre os livros que li, e passei a publicar muitas fotos com amigos, viagens, festas e tudo aquilo que receberia mais curtidas, pois era o que aparentemente me conectava mais com meus “amigos” das redes sociais.

Quando assisti o documentário “O Dilema das Redes” descobri que as publicações que fazemos não atingem à todos nossos “amigos” das redes. Assim, quem decide o que atingirá o maior ou menor número de pessoas na rede social é o algoritmo, e dessa forma vai determinando como iremos nos comportar dentro e fora desse ambiente. Por este motivo as fotos de sapatos eram vistas por mais “amigos” do que as fotos dos livros, pois não interessa a quem paga e manipula as redes que sejamos informados e possamos desenvolver a análise crítica do que vivemos no mundo.

Descobrir que não há possibilidade de furar a bolha, e que mesmo dentro dela conteúdos que não são do interesse da oligarquia mundial não repercutem porque, simplesmente, o algoritmo impede a sua divulgação, me assustou profundamente. Perceber que meu comportamento vinha sendo modificado e que estava em alguma medida me submetendo a uma forma de vida superficial e pautada por curtidas me apavoraram.

Há muito tempo vinha questionando as redes sociais por entender que elas mais nos afastam do que aproximam, que elas nos tornam superficiais e nos fazem agir com mais falsidades. A vida pelas redes apenas proporciona uma ilusão de que nos relacionamos, de que somos aceitos e amados. Nada disso é real pela perspectiva de nos submetermos aos algoritmos.

Nos tornamos pessoas mais raivosas, agimos com mais falsidade e somos mais ansiosos, pois quando a realidade se impõem percebemos nossa solidão e o quanto estamos distantes de nossas essências.

Imaginem quantas vezes estamos chateados ou magoados com alguém, e quando recebemos a mensagem no WhatsApp desta pessoa perguntando como estamos, simplesmente, respondemos com um tudo bem e um emoji de coração ou namastê, quando na verdade gostaríamos de dizer que não está tudo bem, pois essa pessoa não foi gentil ou cordial conosco.

Percebo que nos tornamos cada vez mais distantes um do outro, nos afastamos do que somos e falseamos o que sentimos. Estamos nos isolando e ao mesmo tempo acreditamos que estamos próximos, nos iludimos, somos iludidos e nos desconectamos de nós mesmos.

Acredito que esse é um projeto de poder que está nesse momento ganhando, pois estamos todos submetidos a várias redes sociais, as quais ressaltam o que há de pior na humanidade. Não sei o que é possível fazer para minorarmos esse efeito nefasto que prolifera rapidamente no mundo, apenas decidi me afastar e sair das redes. O que me fez bem!

Hoje quero relações reais, telefonemas para ouvir a voz e encontros para olhar nos olhos, quero rir, chorar e me emocionar com o que é real. Desejo viver a minha vida e não a ilusão das fotos. Desejo amigos reais, encontros reais, amores reais e contato humano real!

Giselle Mathias, advogada, especialista em Direito Público, membro da ABJD e da #partidA

Redação

1 Comentário

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  1. Facebook, instagram e whatspp se tornaram um vício, principalmente para a galera mais jovem. O que se lê nesses veículos é rápido, rasteiro e superficial, isso sem falar nas notícias falsas com foco em bolsonaristas e afins. Ou seja, as redes sociais são um meio rápido e eficaz de disseminar a falta de senso crítico e a burrice. Os zuckerbergs do Vale do Silício são muito inteligentes, e aproveitam-se da burrice da massa ignara para se tornarem cada vez mais bilionários, fortalecendo também, claro, os governos de direita pelo mundo. E assim caminha a humanidade…

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