Três modos da estratégia do bolsonarismo, por Luis Felipe Miguel

De diferentes maneiras, dirigindo-se a públicos com grau decrescente de sofisticação, Melo, Pondé e "pavão" ilustram a mesma estratégia

Três modos da estratégia do bolsonarismo

por Luis Felipe Miguel

No começo da Folha de S. Paulo de hoje, na página 2, uma estranha coluna de Marcus André Melo especula sobre os “efeitos políticos” da VazaJato. Lula sairia fortalecido mas, exatamente por isso, a oposição perderia. Como o tema da corrupção volta à tona, Bolsonaro é beneficiado. Moro perde a vaga no Supremo, mas ganha politicamente.

Não creio que seja um bom exercício de especulação; de fato, as conclusões parecem demasiado conduzidas pelas simpatias e antipatias do articulista – e, mais ainda, ele não leva em conta a dinâmica do escândalo, que ainda está em processo e tende a acuar cada vez mais os conspiradores contra a democracia.

Mas o principal é que “efeitos políticos” se resumem a impactos nas ambições de agentes individuais. Fora uma breve referência ao maior “protagonismo” que os militares devem assumir, nada sobre os efeitos no sistema político. Nada sobre os efeitos na possibilidade de retomada da democracia ou, ao contrário, recrudescimento da nossa deriva autoritária.

Melo, que nunca escondeu seu apoio ao golpe de 2016, entende que o que está em jogo agora não é só Moro ou o governo Bolsonaro, mas toda a trama política que levou à derrubada de Dilma e à criminalização da esquerda. Em seu texto, a “petite politique” se torna toda a política – com isso, o entorno institucional é naturalizado, logo não há espaço para que seja questionado.

Já na última página do jornal, deparamos com a coluna de Luiz Felipe Pondé. Ele tem uma vantagem: como está há muito tempo desmoralizado, não precisa se importar com o risco de se desmoralizar. Chama a VazaJato de “terrorismo digital”, e essa seria a verdadeira ameaça para o Estado democrático de direito no Brasil.

Afinal, jogar às favas o devido processo legal, o direito a um julgamento justo e as garantias individuais não ameaça o Estado democrático de direito, não é mesmo?

Mas eu gostei mesmo foi de um parágrafo em especial: “O PT não tem moral pra falar de defesa da democracia. Caso Haddad tivesse vencido as eleições, hoje apoiaríamos o ditador Maduro na Venezuela, que foi elogiado por altas patentes do partido quando foi ‘reeleito’. Portanto, a narrativa de virgem violentada que o PT faz após esse conteúdo hackeado só engana bobo.”

Reparem no “portanto”. É um truque que qualquer estudante do ensino médio já sabe que nunca dá certo: juntar informações disparatadas e enfiar um “portanto” para fingir que elas criam uma cadeia de causa e consequência. O PT apoia Maduro, “portanto” não pode ser vítima de conspiração entre o juiz e o Ministério Público.

Já no Twitter, foi o tal “pavão”, nada misterioso, que pôs o exército robótico de bolsomínions para trabalhar com falsificações tão grosseiras que chegam a ser risíveis. Os erros primários de inglês em pretensos documentos bancários, inclusive na notação das quantias (feita ao modo brasileiro), já mostram à primeira vista a fraude.

Fica claro que não há a intenção de enganar ninguém: o objetivo é apenas dar alimento para que os bolsonaristas permaneçam em sua espiral de ódio e negação. Eles reproduzem entre si a falsificação, indiferentes à sua total falta de credibilidade, e com isso se entretêm. Afinal, a base do bolsonarismo precisa estar sempre agitada, para não haver o perigo de, em algum momento de folga, inadvertidamente uma sinapse cerebral ocorrer e um deles pensar sobre o que está falando.

De diferentes maneiras, dirigindo-se a públicos com grau decrescente de sofisticação, Melo, Pondé e “pavão” ilustram a mesma estratégia: apagar o elemento central do escândalo em curso – uma conspiração contra a democracia – e focar no acessório, por meio seja da naturalização dos gravíssimos crimes cometidos por Moro, Dallagnol e companhia, seja pela invenção de diversionismos.

Luis Felipe Miguel

6 Comentários

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  1. Talvez um dos fatores que contribuíram para o surgimento do entusiasmo por Bolsonaro, Moro, Guedes e turma seja a pequena, rasa profundidade de qualquer reflexão. A opção por essa linha estúpida de administração pública talvez seja apenas produto do terror que a propaganda ideológica feita pelas firmas privadas impõe a pessoas que perderam parte da razão ante seus temores, a saber, a perda da ilusória noção de exclusividade (beirando a fidalguia) que essas pessoas alimentam. Qualquer um hoje tem um carro marca Mercedes Benz, por exemplo, e isso se choca com o que diz a propaganda, que vende que automóveis dessa marca são exclusivos. Daí a apoiar quem mostra viés de excepcionalidade foi um único passo.

    Presidente miliciano pode? “Pode!”
    Juiz injusto e corrupto pode? “Pode!”
    Sonegação pode? “Pode! Deve!”
    Ilegalidade, corrupção e retirada das redes de proteção sociais pode? “Deve! Lugar de pobre é nos servindo ou na cadeia!”

    “Chega dessa história de ‘justiça social’! Chega de diminuir nossos privilégios, de torná-los meros direitos! Se forem direitos, qualquer um pode ter mas se forem privilégios, só nós é que teremos!”

    Creio que uma olhada atenta no espelho pode desmontar essa ilusão toda, pelo menos às pessoas mais civilizadas. E espelho, a gente sabe, reflete…

  2. Infelizmente, o documento falsificado funciona para os fanáticos bolsonaristas impor intermináveis discussões, mesmo quando apontados os erros crassos do falso doc. Li diversos comentários do tipo “se não duvidam dos vazamentos do Intercept, porque estão duvidando deste? A fonte é confiável e garantida.”
    E assim levam, de roldão, muitos bolsonaristas a acreditar que o doc é verdadeiro.

    1. Não creio que o objetivo maior seja convencer alguém que o Pavão está dizendo a verdade. A questão é obrigar o pessoal a questionar sua veracidade para lembrar que o mesmo problema afeta o Glenn, pois não há como garantir que os diálogos que ele apresenta não foram editados.

  3. Perda de tempo analisar a miséria moral dos delinquentes referidos.Mas,tem um detalhe interessante , a queda de moro desnudará toda a trama golpista /entreguista e a sua legitimidade será contestada abertamente ,não pelas opiniões,pelos fatos .
    Se pensarmos que as instituições ,salvo honrosas excepções estão comprometidas até o pescoço ,resulta difícil acreditar que haverá uma mudança de rumo.Seremos testemunhas daquela situação do delinquente apontando uma arma para vc e diante da sua pergunta “vc vai me roubar”?, ele responde,”vou,e daí vai fazer o qué?”

  4. Melo e Pondé, articulistas que com suas falácias ou ausência de crédito jornalistico, conforme o post apenas alimentam “públicos de grau decrescentes de sofisticação”. Mas não são apenas figurantes neste teatro dantesco que levou ( e mantém) no poder este grupo infame? Afinal, no mesmo veículo jornalístico temos Mônica Bergamo e Janio de Freitas, cujos artigos se contrapõem às falácias e mentiras “escrachadas” contidas em outros artigos.
    Já no tal “Pavão Explicito” enxergo a ferramenta que exacerba o grau de insanidade e burrice atualmente observado no pais, que mantém este grupo infame no poder. Esta ferramenta de multiplicação sao robôs na rede e, diferente do que afirmam, pode ser facilmente identificado e bloqueado.
    Pelo bem do Brasil deveriam fazê-lo imediatamente!

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