Uber, a guerra com taxistas e a ficção do livre mercado

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Sugerido por Aldo Cardoso 

Sinceramente, não dá pra não compartilhar isso que acabei de receber; é muito didático!

Do Blog da Milly

Livre mercado e outras ficções

Recentemente o Uber, um sistema de serviço privado de transporte que funciona via aplicativo de celular e concorre com os taxis nas maiores cidades do mundo, foi temporariamente proibido de operar em São Paulo.

Os que defendem o direito de existir do Uber dizem que a beleza do serviço é que se trata de empresa criada por uma necessidade de mercado, e, como tal, regulada de forma natural pelo mercado, ao contrário dos taxis, que são regulados pelo estado, que, entre outras chatices, impõe regras e tarifas.

 

Todos aqueles que ainda acreditam que existe de fato um troço chamado livre mercado e que ele é uma das coisas mais eficientes do mundo esparramam-se de amores por argumentos como esse – e eu um dia fui uma dessas pessoas até resolver começar a estudar o tema e virar a casaca. Mas uma análise nem tão profunda faz a gente ver as coisas sob outro ângulo.

Quem joga luz na questão é o doutor em economia pela Universidade de Yale, Richard Wolff, que explica como o mercado nesse caso do Uber funciona:

“Se numa dada ocasião existir uma demanda urgente por transportes em uma cidade o que o Uber faz é subir os preços da viagem” diz Wolff explicando que, como sabemos, é assim que mercados funcionam, nesse dueto oferta/demanda: sem carros suficientes para atender todos os pedidos, fica com o serviço quem pagar mais por ele. “Portanto, se os preços sobem aqueles que não podem pagar pela tarifa mais cara ficam sem o serviço”.

Wolff dá um exemplo: num certo fim de tarde chove torrenciamlente e a demanda por carros aumenta. Quem pode fazer uso do sistema nesse caso? Os ricos. Nesse dia, quem tem mais dinheiro chegará em casa, quem não tem terá que batalhar um meio de voltar. “É dessa forma que mercados funcionam: eles excluem aqueles que não têm dinheiro suficiente. E, por contraste, o sistema de taxi funciona assim: todos pagam a mesma coisa. Não se exclui os de menor renda”.

Esse é apenas um exemplo atual de como a regulação feita pelo estado é bem-vinda e necessária se ela for capaz de proteger o mais fraco do mais forte.

Mas o que temos hoje na maioria dos casos é o estado protegendo o rico do fraco – como aconteceu quando o dinheiro do contribuinte salvou da falência bancos milionários e, nos Estados Unidos, a indústria automotiva.

Imaginemos, portanto, se, como pedem alguns, o estado sair de todos os serviços básicos que servem uma comunidade e que, nessa hora, o Deus Mercado domine e comece a se auto-regular. É esse o mundo que queremos? Certamente não, mas é esse o mundo que estamos criando.

Um outro exemplo há décadas exposto por Noam Chomsky e semana passada discutido por Wolff em seu programa semanal de rádio (link para o programa no final desse texto).

“Cada vez mais pessoas começam a se dar conta dos enormes benefícios que corporações levam ao se utilizarem do resultado de pesquisas financiadas e organizadas pelo estado”, diz Wolff antes de dar alguns poucos e conhecidos exemplos: o computador, a Internet, vários componentes-chave do Iphone etc; todas essas conquistas de agências estaduais e universidades que fizeram uso do dinheiro do governo – do contribuinte, portanto -, para bancar cientistas, laboratórios e material.

Ou seja: o público paga por pesquisas caras e importantes que são depois entregues a corporações que lucrarão com elas. No capitalismo verdadeiro, e não nessa versão plutocrática que temos hoje, aquele que investiu o dinheiro fica com o lucro se houver um. Chomsky se refere ao atual sistema como uma economia que funciona privatizando o lucro e socializando o risco.

“Se o governo usa nosso dinheiro para subsidiar empresas privadas vamos chamar isso pelo nome correto: assistência social a corporações”, diz Wolff.

Até uma tonta como eu consegue perceber que se o estado entra no jogo econômico para beneficiar corporações em detrimento do interesse público ele tira a palavra “livre” do tal “livre mercado”, não?

O absurdo da situação é que os mesmos que se opõe ao subsídio aos mais carentes vilanizando programas como o Bolsa Família não veem nenhum problema quando o estado dá uma força para os ricos.

Outro exemplo contundente é o fato de todos os cientistas sérios do mundo terem alertado para que paremos de extrair combustíveis fósseis do solo.

Eles dizem que se não deixarmos, a partir de já, 80% dessas reservas no solo a Terra será inabitável em pouco tempo. Diante da notícia o que fazem as corporações, estimuladas pelo Estado? Cavam mais rápido e mais fundo em nome do lucro, do bônus, do dividendo.

Era a hora de governos interessados em proteger o bem-estar da população dizerem ‘basta’ a essas corporações e começarem a buscar alternativas. Mas eles se calam porque o que temos hoje são estados-corporativos, uma parceria diabólica que, todos os dias, protege a concentração de capital do interesse da população, e nada mais do que isso.

Noam Chomsky deixa tudo ainda mais claro quando mostra que as 100 empresas listadas na Fortune 100, que relaciona as maiores corporações do mundo, já foram beneficiadas por políticas intervencionistas, e que muitas nem existiram mais se não tivessem sido tiradas da falência com a ajuda do dinheiro do contribuinte. Que tipo de ‘livre mercado’ é esse então?

Por isso, quem ainda chama o sistema atual de ‘livre mercado’ não percebeu – ou já, mas prefere ignorar porque se trata de uma coisa difícil de não ser percebida – que de ‘livre’ esse mercado nada tem. Ou é mais ou menos como o saci-pererê: talvez o ‘livre mercado’ até exista, mas até hoje nunca foi visto.

Se você conseguiu chegar até aqui pode cair na tentação de imaginar que se trata de uma defesa pela ampla participação do estado na economia. Não é. Todos sabemos o que acontece quando o estado passa a ser a única força de uma sociedade: ele se torna tirânico, controlador e ditatorial; assim como é tirânica, controladora e ditatorial uma sociedade regida por corporações, como é a nossa hoje.

O que falta, portanto, é encarar a situação: o sistema pifou e é preciso parar de fingir que ficções como o ‘livre mercado’ existem e vão nos salvar. Estamos indo para o abismo e se não começarmos a buscar soluções não duraremos muitas gerações mais.

A alternativa é a completa deterioração do meio-ambiente e da sociedade, dividida entre muitos miseráveis, alguns poucos remediados e um porcento de milionários; e na qual o estado se tornou uma instituição que protege o rico do pobre, o incluido do excluído, o opressor do oprimido.

A situação no epicentro do capitalismo, os Estados Unidos, pode ser ilustrada pelo diálogo entre a jornalista americana Amy Goldman, do canal Democracynow.com, e uma menina negra de 13 anos que protestava nas ruas de Long Island contra o assassinato de Eric Garner, também negro, pela polícia.

“O que você esperar alcançar com esse protesto?”, Goldman perguntou.

“A chance de viver até fazer 18 anos”, a menina disse.

Trata-se do novo ‘sonho americano’, Goldman conclui.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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  1. “…E, por contraste, o

    “…E, por contraste, o sistema de taxi funciona assim: todos pagam a mesma coisa. Não se exclui os de menor renda”.

    Em dia de chuva torrencial? Eles somem… Não acham nem ricos, nem pobres…

  2. Essa “proibição” do UBER vai

    Essa “proibição” do UBER vai até o momento em que o GOVERNO ache uma maneira de tributar e arrecadar algum $$$… depois, esquece…

  3. boas inteções, mas ingênuo.

    O texto até é bom, mas prima por alguma ingenuidade. Por exemplo “No capitalismo verdadeiro, e não nessa versão plutocrática que temos hoje, aquele que investiu o dinheiro fica com o lucro se houver um”. É bom dizer quando esse capitalismo verdadeiro que não é uma plutocracia aconteceu na história. Se nunca aconteceu não é o verdadeiro, o realmente existente, mas apenas o imaginado, o utópico no sentido literal: o que não existe em lugar nenhum.

    Outra ingenuidade é na relação Estado e mercado. E muita gente de esquerda caiu nessa ingenuidade achando que um é externo a outro. Muitos Estados tirânicos protegeram as corporações e não as substituiram (alguem falou Hitler/Thyssen Krup, IG Farben, Volkswagen? alguem falou ditadura militar no Brasil/construtoras, Globo, a grande midia?). No capitalismo a tirania do Estado e das grande corporações são duas faces da mesma moeda. Quando a oposição social a essa tirania é fraca se dá uma fachada democrática a ela; quando não é mais temos a tirania pura do Estado a favor das corporações.

     

  4. Livre mercado e outras ficções

    O “Novo Paradgma”,aliás,que de novo não tem nada,desde o momento em que o genial matemático John Nash,

    provou sua Teoria do Equllíbro de Nash,já deveria ser à muito aplicada por todos os Estados Nacionais,no regramen-

    to e ordenamento das relações ecônomicas,sociais,políticas,educacionais,saúde…enfim em todas as áreas das relações humanas.

    Enquanto a sociedade de uma maneira geral não estiver profundamente ciente disso,ficaremos nas mãos dos déspostas esclarecidos e de suas relações e interesses inconfessos.

     

    Até em relaçõess egóicas pode-se estabelecer um equlíbrio geral onde todos obtenham o melhor para si,sem que isso

    signifique algo de prejudicial para o “todo e/ou conjunto”.

     

    Observem este trecho de um dos experimentos mais recentes aplicados com sua teoria 

    Transferências de poder

    Na palestra ministrada na ESPCA, Nash descreveu um de seus experimentos recentes. “Em um jogo experimental, os vários jogadores participantes não foram orientados sobre como deveriam reagir ao comportamento daqueles com quem estavam interagindo. A interação foi sendo repetida mais e mais ao longo do jogo até que, naturalmente, os participantes passaram a incentivar o cooperativismo entre si, formando coalizões”, disse.

    Durante o processo, Nash observou o comportamento dos jogadores quanto às transferências de poder realizadas na formação das coalizões, a aceitação por parte de alguns deles e a distribuição de recompensas por parte dos favorecidos.

    “A aceitação dependia das gratificações. E jogadores com forças diferentes poderiam aceitar uma transferência de poder para outro participante, caso fossem recompensados por isso”, afirmou.

    O experimento permitiu a Nash colocar o processo real de formação de coalizões e seus métodos de aceitação em um modelo matemático, demonstrado pelo cientista no evento.

    O trabalho com jogos repetitivos, a formação de coalizões e os métodos de aceitação revelou ainda um aparente paradoxo observado pelo matemático: a evolução natural do comportamento cooperativo mesmo entre organismos ou espécies que interagem apenas por motivações egoístas, fenômeno que tem estudado nos últimos anos.

    A exemplo do que ocorreu na concepção do Equilíbrio de Nash, a motivação para as novas pesquisas veio da observação inquieta do mundo.

    Link : http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/john-nash-fala-sobre-teoria-dos-jogos-e-novas-pesquisas

    Conclusão : 

    A sociedade abandonando o uso de tal teoria de maneira meramente Científica/Teórica,e passando

    a utiliza-la em todos os campos da vida humana,a sociedade avançara a passos largos rumo a pros-

    peridade e equlíbrio social,ambiental,econômico.

     

  5. Bem escrito, bom raciocínio

    Bem escrito, bom raciocínio mas capenga de exemplos e msiturou muitos assuntos o que fez com que a idéia central fique confusa.

    O artigo é bom no início, sobre o Uber e a necessidade de regulação pelo Estado, mas depois se perdeu no meio do Chonsky.

    A autora deturpou o que Chonsky disse!Ele Criticou APENAS a ajuda financeira de 2008 que não tem qualquer relação com pesquisa e o assunto do artigo.

    Depois…

    Os exemplos estão todos incorretos e não servem para a idéia proposta.

    Não há relação entre Iphone, PCs e Governo. Pelo visto a autora não sabe a história dos PCs, que estas empresas nasceram em garagens e armazéns em zonas de prostituição e que não tiveram acesso a nenhum recurso do BNDEs.

    Se hoje elas tem acesso ao Governo, é porque venceram. São vencedoras e se tornaram parte relevante da economia de seu país.

    A pessoa que desenvolveu o WWW, UMA PESSOA, não uma empresa ou um instituto governamental, doou sua descoberta, o protocolo, para a humanidade.

    Sem exemplos concretos ficou um argumento capenga. MAs vamos continuar fazendo de conta que é verdade absoluta. Então, Os Governos, todos eles, ajudam os ricos. Pesquisam e doam para ricos, não é isso?

    O mundo ideal é o mundo em que TODA a pesquisa E conhecimento conetífico são livres e compartilhados. Usa e aproveita quem quer e PODE.

    A partir daí o artigo se perdeu por completo. A autora aparentemente está orfã de ideologia. A autora e metade do planeta Terra.

    O pior é que a autora, apesar da argumentação falha, pensa, acredito eu, exatamente como PENSO.

     

    Um exemplo melhor para  este artigo e usando o Brasil poderia ter sido retirado de um artigo do Nassif e dos planos (na cabeça do NAssif, na minha não há qualquer plano)energéticos do país.

    Diz o Ministro que nós vamos gerar energia a gás simplesmente porque temos gás. Isso é plano ou é deixar rolar solto?

    Vamos sair de uma matriz limpa para o que?

    Não seria melhor, usar o gás para aquecer a água dos banhos tomados pelo Brasil considerando que nenhum país DO MUNDO utiliza chuveiros elétricos que são estúpidamente ineficientes?

    Mas isso dá muito trabalho, tem que escolher onde, tem que fazer regulação, tem que criar empresas, tem que quebrar o chão empregando centenas de milhares de pessoas….é invetimento no bolso da população e não em alguns POUCOS mega projetos térmicos.

    Coisa de inteligência brasileira é usar gás para gerar eletricidade para tomar banho com chuveiro elétrico. 

    Somos muy inteligentes mesmo!

    MAs da menos trabalho… e alguns poucos é que ganharão com isso.

    Não foi o Brasil quem investiu US$7bi na construçãod e um gasoduto  que corta o país inteiro?

    Este gasoduto não é para vc!!! Seu banho continua elétrico e caro!

    Não era sobre isso que o artigo falava?

     

    Bom, achamos gás….e agora. Para quem vai este gás? Porque SP não pode ter gás encanado? Porque BH não pode ter gás encanado? Porque todos não podem ter?

    Tem que ser tudo para gerar energia suja? E olhe que nem entrei no mérito de chuva ácida, canceres e mortes de crianças pro problemas pulmonares….

  6. O mercado já deu sua sentença sobre o Uber

    É um dos aplicativos mais valiosos no mundo hoje em dia.

    Livre concorrência trará milhares para trabalhar como taxistas e não tarifas mais caras para os usuários. Se a tarifa é alta, muitos se disporão a trabalhar nas horas vagas no transporte de pessoas.

    Tai as Vãs que quando surgiram foram a salvação para muitos desempregados, hoje já têm uma máfia parelela, ao arrepío da Lei que as controlam. Mas isto é problema de segurança pública e não de livre-concorrência.

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