Eliara Santana
Eliara Santana é doutora em Linguística e Língua Portuguesa, com foco em Análise do Discurso. Ela é pesquisadora associada CLE/UNICAMP, onde participa do projeto Pergunte a um/uma Cientista. É integrante do Observatório das Eleições. Desenvolve pesquisa sobre desinformação, desinfodemia e letramento midiático no Brasil.
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‘Uma escolha difícil – parte 2’ ou ‘Precisamos falar de polarização’, por Eliara Santana

Quero pontuar algumas questões a partir dessa nova pérola editorialista do Estadão, sob o título “A quem interessa a crise”.

Uma escolha difícil – parte 2′ ou ‘Precisamos falar de polarização’

por Eliara Santana

Ontem, o jornal Estado de São Paulo publicou um novo editorial reeditando o “dilema” de 2018. Não vou entrar em detalhes sobre o texto em si, muitos já o fizeram (vejam análise de Letícia Sallorenzo), só quero pontuar algumas questões a partir dessa nova pérola editorialista, sob o título “A quem interessa a crise”.

1. O ponto mais importante, algo em que venho batendo há muito, é o seguinte: a imprensa vai continuar normalizando o governo Jair (ainda que bata com alguns tapinhas mais intensos no presidente em alguns momentos e mostre aquela indignação republicana que nos faz arrepiar…). Isso porque, se realmente fizerem jornalismo, Jair não sairá sozinho, o que reforçará a percepção de todos os problemas existentes no processo eleitoral – e antes dele. Para manter a situação mais ou menos sob controle, é essencial o segundo ponto:

2. Polarização: Lula e os petistas (representando aí todo o campo de esquerda) são os eternos radicais que estão no polo oposto a Jair. A polarização é uma construção discursiva, tal como o foi a corrupção – empacotada para ser levada efetivamente a todos.

LUIZ INÁCIO –––––––––––––––––––– JAIR

3. Polos assim colocados não são boas coisas para o “meu Brasil”. Pouco importa se um tem desejos de fechar o Congresso e o outro sempre teve atitudes republicanas (às vezes, até demais). A construção simbólica da ideia de pólos-que-atrapalham-o-país é o que interessa.

4. É preciso firmar a ideia de que Lula e Bolsonaro se equivalem no radicalismo, na tentativa de levar o país ao caos. Portanto, apontam o mesmo radicalismo para um cara que saiu da prisão e não jogou ninguém nas ruas manifestando, ao contrário, está quietinho, namorando, viajando, costurando… e para o ocupante do Palácio do Planalto que divulgou vídeos incitando manifestações contra os poderes da República. Vai saber que critérios são esses que utilizam…

5. Portanto, “Uma escolha difícil” + “A quem interessa a crise” = “Precisamos desesperadamente de uma alternativa”. Essa alternativa não existe ainda, o que há são possíveis candidaturas ainda fraquinhas.

6. O editorial do Estadão é uma resposta ao mercado financeiro, depois de matérias e da jornalista da casa (que o fez brilhantemente e corajosamente) terem exposto a face nada republicana do atual ocupante do Palácio do Planalto. Que ele é o que é, todos sabem, mas daí a mostrar, fortalecendo o outro campo, já é uma história diferente. Então, prontamente, o Estadão tratou de mostrar que o outro cara, que está viajando, namorando, construindo pontes na Europa, é um radical de primeira linha.

7. O outro cara, o tal de Luiz Inácio, está sendo diuturnamente chamado para a briga. E está ignorando os apelos. Isso está inquietando sobremaneira os adeptos da teoria da polarização – afinal, é preciso haver um radical barra pesada do outro lado para que ela se justifique. Para que não fique escancarado de vez que não há polos – há apenas um ex-capitão a quem deram plenos poderes.

Por último, fica esse marco simbólico de uma cena do carnaval. Ao fim e ao cabo, é disso que se trata. Daí decorre a desconstrução necessária.

P.S: Para esclarecer: quando falo em imprensa, não me refiro a jornalistas individualmente. Refiro-me a um bloco de poder. Uma máquina de produzir informação. Conglomerados que se estruturam e agem como atores políticos na disputa ideológica.

Eliara Santana

Eliara Santana é doutora em Linguística e Língua Portuguesa, com foco em Análise do Discurso. Ela é pesquisadora associada CLE/UNICAMP, onde participa do projeto Pergunte a um/uma Cientista. É integrante do Observatório das Eleições. Desenvolve pesquisa sobre desinformação, desinfodemia e letramento midiático no Brasil.

3 Comentários

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  1. “Para que não fique escancarado de vez que não há polos…”
    Eliara Santana: você precisa convencer os dirigentes petistas sobre essa sua afirmação. Figuras destacadas das “esquerdas” (PT, PCO, PSOL) têm defendido a Polarização como estratégia de luta política. Para enfrentar Bolsonaro só vale se tiver “carteirinha” de esquerdista. Só devem entrar na “Frente” os puros (sei lá o que isso significa no mundo político).
    Eu penso o seguinte:
    Polarização em Política é uma situação extrema caracterizada pelo “Nós OU Eles”. Não concebo “Polarização Graduada” com variações na escala “Nós E Eles”.
    As chamadas “esquerdas” têm força suficiente pra eliminar o seu oposto ? A Polarização é um caminho viável como é defendido pelo PT e outros ? Haverá retomada do Estado Democrático de Direito por meio da Polarização Lula-Bolsonaro ? Ou a Polarização correta seria Democratas OU Fascistas ?

    1. A polarização justa é: polo golpista de um lado e polo não golpista do outro. Por isso a polarização Lula/Bolsonaro é uma farsa porque a mídia golpista está ao lado de Bolsonaro em um polo, enquanto a esquerda e alguns centristas estão no outro polo. No polo golpista tem quem se diz esquerda também: pstu, Luciana Genro, Babá, e que tais. Ciro está no polo não golpista, por mais besteira que fale. Esse é meu sonho de polarização.

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