A Ucrânia e o renascimento da história 2

Quando o Brasil acordar da letargia carnavalesca os brasileiros se encontrarão num mundo diferente daquele que existia antes de sua longa festa pagã.

 

Na última vez que escrevi sobre o conflito na Ucrania a guerra era uma possibilidade. Nos últimos dias o conflito armado se tornou quase inevitável. Enquanto os foliões brasileiros discutem os desfiles das escolas de sampa ou amargam terríveis ressacas matutinas produzidas pelos exageros noturnos que se renovarão nos próximos dias, o Parlamento russo autorizou Putim a usar força militar na região e os ucranianos que apóiam o novo regime começaram a se mobilizar para a guerra. Helicopteros de ataque russos foram filmados entrando na Criméia e tropas ucranianas na região se recusam a obedecer Kiev dizendo que não pretendem morrer defendendo o regime nazista que derrubou o presidente pró-russo eleito.

 

O governo dos EUA oscila entre fazer ameaças virulentas na imprensa e ligações telefônicas diplomáticas para o Kremlin com exortações à preservação da paz, mas a verdade é que os norte-americanos se tornaram parte do problema ao fomentar e apoiar o golpe de estado nazista contra o governo pró-russo eleito pelos ucranianos. Entre estes há os que desejam a europeização do país e os que preferem preservar as ligações históricas com a Rússia. A guerra será, portanto, menos fruto de uma agressão militar russa do que o resultado do aprofundamento da discórdia civil que ressurgiu violentamente dentro da própria Ucrania. Sem dar um tiro a Marinha daquele país já se colocou ao lado da Rússia, demonstrando a gravidade da situação na região.

 

Toda guerra começa com um tiro e acaba de maneira imprevista depois de espalhar morte, destruição, prejuízo e sofrimento por todos os lados.  Antes da carnificina começar, entretanto, há quase sempre uma longa preparação subterrânea que não é percebida pelo respeitável público mantido em passiva ignorância. No caso da Ucrania, o conflito armado já vinha sendo desenhado desde 1994 quando EUA, Inglaterra, Rússia e Ucrania assinaram um memorando permitindo a guerra na região caso ocorresse a violação da fronteira daquele país. Os norte-americanos sabiam, portanto, que arrastariam a Rússia para a guerra quando apostaram na destruição do governo ucraniano pró-russo. Os russos também tinham ciência de que seriam inevitavelmente arrastados para a guerra caso um novo regime nazista emergisse no vizinho dividido. Os ucranianos, porém, estavam tão cegos por causa de suas disputas políticas internas que foram incapazes de perceber qual seria o resultado do que estavam fazendo. Como os antigos iugoslavos, os ucranianos serão as maiores vítimas desta guerra que ajudaram começaram.

 

Cada uma das partes que assinou aquele fatídico memorando estava querendo proteger seus próprios interesses. A Rússia pretendia garantir a infra-estrutura que lhe permite exportar gaz e petróleo para a Europa através da Ucrania. Os EUA, como sempre, desejava preservar e ampliar sua hegemonia global. A Inglaterra provavelmente queria brincar de potência européia inconteste como se estivéssemos no século XIX, tentava reduzir o poderio da Alemanha (maior importador do petróleo e do gás russos) ou apenas garantir um mercado para seus armamentos caso a guerra étnica dos ucranianos recomeçasse.

 

O teatro do absurdo está montado. Ucranianos, russos, norte-americanos e ingleses pavimentam seu caminho para a guerra na Ucrania assim como os brasileiros seguem inevitavelmente sambando para a quarta-feira de cinzas. Cá a história começa depois do carnaval, lá ela recomeçará no ponto em que foi interrompida ao fim da II Guerra Mundial. Antes do primeiro tiro as soluções negociadas são possíveis, depois dele tudo – exceto o lucro dos fabricantes de armamentos – é incerto até que as pilhas de cadáveres cresçam o suficiente até que os vivos percebam as vantagens de uma paz qualquer, qualquer que seja a paz que resulte da guerra.

 

Neste exato momento em que os brasileiros se preparam para uma nova jornada dionisíaca, há aqueles que marcialmente ou apolineamente se preparam para a guerra e aqueloutros que hermeticamente lucrarão com o conflito ou antevem os negócios derivados da reconstrução das Ucranias. “Ave, Caesar, morituri te salutant” dizem todos sem saber por razões absolutamente distintas.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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