Mais poderoso que El Rey? Alto lá Bicho Papão…


Aqui mesmo no GGN afirmei que a Procuradora Geral da República reconheceu, no âmbito da Lava Jato, a infalibilidade papal de Sérgio Moro https://jornalggn.com.br/opiniao/raquel-dodge-decretou-na-lava-jato-habemus-papam/. Volto ao assunto porque ele parece ter incorporado esse poder excepcional e o está utilizando no Ministério da Justiça para silenciar o The Intercept. O STF resolveu desafiar Bicho Papão da Justiça intimando-o para prestar informações sobre a suposta investigação de Glenn Greenwald https://jornalggn.com.br/noticia/toffoli-pede-informacoes-sobre-investigacao-da-pf-sobre-greenwald-diz-lauro-jardim/.

Essa disputa medieval no centro do poder político brasileiro – Sérgio Moro é ou não infalível? As decisões dele no Ministério da Justiça tem ou não atributo divino e são imexíveis? – me fez lembrar uma história antiga que ocorreu nos tempos da Colônia.

As monarquias absolutas não admitiam a liberdade de imprensa. Mas em compensação elas reconheciam o direito dos vassalos de se comunicarem direto com o rei. Em Portugal não era diferente. No Brasil, alguns governadores queriam fazer diferença silenciando os vassalos do rei. Esse foi o caso de D. Antônio Teles da Silva (1590-1650).

“É bem revelador da importância que o direito de representação ao rei gozava na cultura política do Antigo Regime um parecer do Conselho Ultramarino, datado de 1645, sobre a ordem do governador-geral D. Antônio Teles da Silva, impedindo os vereadores de Salvador de escreverem ao rei. A proibição causou a mais profunda indignação nos conselheiros, pois se chocava com o princípio de que todos poderiam recorrer ao monarca como a um pai, para clamar por justiça. No parecer, bastante duro, eles defenderam que o soberano deveria ‘mandar estranhar ao dito governador’, advertindo-o de que ‘este é um meio muito contra o seu serviço, no qual convém que não só a Câmara e ministros, senão ainda qualquer mínimo vassalo tenha liberdade de escrever a Vossa Majestade o que convier a seu serviço e o bom governo de seus Reinos e Estados, e das injustiças que se lhe fizerem, porque por este meio terá Vossa Majestade notícia do bom ou mal que procederem seus vassalos e ministros’. Evocavam ainda o caso do vice-rei da Índia, o Conde Almirante, que havia solicitado ao rei que proibisse aos vassalos daquele Estado de lhe representar contra as autoridades locais, em razão da ‘variedade com que o caluniavam’. Em sua resposta, o rei dissera que ‘não convinha a seu serviço limitar a seus vassalos a via por donde lhe podiam dar notícia dos procedimentos de seus ministros, e que quando eles excedessem, a Vossa Majestade ficava lugar de os castigar’.” (Corrupção e Poder no Brasil – uma história, séculos XVI a XVIII, Adriana Romeiro, editora Autêntica, Belo Horizonte – Rio de Janeiro – São Paulo, 2017, p. 214/215)

Fonte e receptáculo da soberania, o Rei garantia aos súditos o direito de reclamar. Só assim ele poderia distribuir justiça, garantir a submissão de seus prepostos e se distanciar das perversidades cometidas em seu nome. Numa república as coisas são diferentes. Todo poder emana do povo (art. 1º, parágrafo único, da CF/88). O reconhecimento expresso da soberania popular significa que, no regime político em que nós vivemos, o povo ocupa a posição central que era ocupada pelo Rei no regime absolutista.

Os vassalos podiam escrever ao Rei. Ninguém podia proibir eles de exercer esse direito sem ofender as prerrogativas do monarca. Entre nós, os cidadãos podem escrever ao povo. A liberdade de expressão e de imprensa são os equivalentes republicanos e moderno do direito de petição ao Rei da época absolutista. Ninguém pode censurar a imprensa sem violar as prerrogativas soberanas do povo de ser informado, inclusive e principalmente quando isso se referir às “injustiças que se lhe fizerem” e a verdade factual “convier a seu serviço e o bom governo”.

A “notícia do bom ou mal” acerca dos atos de Sérgio Moro devem circular. Se ele incorporou o espírito de D. Antônio Teles da Silva o STF deve mandar fazer uma sessão de exorcismo e descarrego. A qual obviamente terá que ser realizada solitariamente pelo próprio Ministro da Justiça dentro de uma cela da Papuda. O problema da censura ministerial é nosso, o da possessão espiritual é exclusivamente dele.

Exceto, é claro, se Sérgio Moro se autoproclamar Rei. Mas neste caso ele terá que enfrentar não só o STF. A Rainha da Inglaterra que despacha no Palácio do Planalto certamente se sentirá ofendida. “Alto lá, que a única familícia real no Brasil é a minha. Talkei” Nesse aspecto, me parece mais fácil Eduardo Bolsonaro virar embaixador brasileiro nos EUA do que o Ministro da Justiça sair inteiro desse labirinto medieval em que ele mesmo se meteu.

O abuso autoritário de Sérgio Moro tem precedente. A limitação do poder dele também. Compete ao STF fazer sua escolha. Se o Ministro da Justiça não prestar as informações requisitadas ou admitir que está tentando cercear o direito do The Intercept de informar os brasileiros, a honra da soberania popular ofendida demanda punição. Ele terá que ser castigado, sim. Mas na forma da Lei que ele mesmo adorava ignorar quando era juiz.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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