Marielle Franco no país dos descarados

No dia 14 de março de 2018, a TV Globo iniciou a apresentação de uma série de reportagens sobre o que chamou A Franquia do Crime; no mesmo dia, 4 PMs foram presos, acusados de participar da imensa organização criminosa. No início da noite, Marielle foi assassinada.

Anos antes, tentativa similar de controlar as milícias, resultante na prisão de vários policiais milicianos, foi respondida com extrema selvageria, quando policiais milicianos indignados com a ação executaram 29 pessoas em localidades pobres, em protesto contra as prisões, no episódio macabro que ficou conhecido como “a chacina da baixada”, a maior chacina na história do RJ.

A represália de 2018, ao contrário, teve alvo definido: a execução de Marielle Franco foi um recado muito claro das milícias para mostrar quem manda no RJ, e de que modo.

As investigações da polícia

Durante um ano a polícia do RJ fingiu estar investigando o assassinato, até a apresentação da patética solução do caso e da prisão de 2 milicianos acusados da execução, incriminados por imagens forjadas pela polícia e MP – que seguramente impediriam a condenação dos acusados –, em março de 2019.

A polícia teria chegado aos criminosos através de denúncia detalhada que incluía vídeo identificador de um dos acusados. Além da denúncia e das imagens forjadas, nenhum resultado colhido durante um ano inteiro de investigações policiais sigilosas foi revelado, deixando claro o controle das milícias sobre o inquérito policial. Quanto ao Ministério Público do RJ, partícipe das investigações, desde o início estava claro ter sido plantado no caso para proteger a milícia.

O Escritório do Crime

5 meses depois do crime, O Globo publicou reportagem revelando detalhes de um grupo de milicianos – matadores de aluguel –, cujos préstimos eram apresentado quase que de maneira publicitária, como se o jornal estivesse a oferecer serviços de execução.

Surpreendentemente, a revelação bombástica caiu em esquecimento, como se sobre ela houvesse sido decretado silêncio absoluto, após ter sido veiculada na TV Globo. TRATA-SE DE UM DOS EPISÓDIOS MAIS REVELADORES DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO BRASIL que explicita claramente as relações de intimidade e cumplicidade entre os meios de comunicação e as milícias – a maior facção do crime organizado no país.

O intocável

Citado como chefe do Escritório do Crime, descrito como um de seus mais exímios matadores, o miliciano executado dias atrás, na Bahia, era apontado como líder da milícia de Rio das Pedras, a originadora da Franquia do Crime. O ex-policial era especialista no uso da arma utilizada na execução de Marielle, uma submetralhadora, ao contrário do acusado da execução, que teria estado no carro utilizado para interceptar o de Marielle, transformando-a em alvo fixo.

O intocável tinha laços notórios com a família do Presidente da República e havia sido informado previamente de todas as operações efetuadas para prendê-lo. Foi executado como queima de arquivo.

O país dos descarados

MP-RJ e PGR vêm se empenhando em uma contenda descarada com o propósito de estabelecer qual dessas sub facções milicianas se encarrega de assumir o controle das investigações sobre o assassinato. Tendo apresentado uns resultados pífios após quase 2 anos de “investigações”, MP e polícia do Rio revelam um descaramento inaudito ao insistir em manter as investigações sigilosas que, a essa altura, parecem ter como propósito abafar o caso até a prescrição do crime.

Descaramento maior, no entanto, encontra-se nos propósitos da PGR, baseados em uma piada miliciana que elevou 2 criminosos à categoria de fontes de altíssima credibilidade, sendo um deles, aliás, denunciante do outro.

Não fosse esse o país dos descarados, as investigações realizadas pela polícia e MP-RJ seriam tornadas públicas, permitindo com isso uma base para a decisão sobre quem deve continuar no caso. Ao que tudo indica, no entanto, trata-se de uma contenda entre duas sub facções milicianas empenhadas em disputa pelo poder interno. (Atente: as milícias estão entranhadas em toda a estrutura de poder do estado brasileiro.).

O Presidente da República e os assassinos de Marielle

No país dos descarados, no entanto, não se estranha que os assassinos de Marielle tivessem tocado na casa do posteriormente empossado Presidente da República antes da reunião macabra da qual partiu o comboio rumo ao assassinato, nem que se sucedam revelações de intimidades entre o presidente e uma diversidade de assassinos de aluguel.

A naturalidade com que vêm sendo encaradas as relações entre o presidente e os assassinos de Marielle, assim como a diversidade de evidências ligando um e outros impressiona. É absurdamente surpreendente, estarrecedor, que seja considerado normal e aceitável que o Presidente da República tenha articulado o assassinato de uma vereadora, mais ainda que tal crime tenha sido executado com o propósito de instituir preceitos morais doentios.

Temo, de fato, estar sendo considerada admissível a intimidade do presidente com tantos e tais assassinos, que tenha sido ele o articulador do assassinato, e que o país tenha perdido o rumo a tal ponto que todo esse descalabro pareça aceitável.

Leia também:

Marielle Franco contra a Franquia do Crime, por Gustavo Gollo

Conspiração 2: A Franquia do Crime, por Gustavo Gollo

Marielle Franco e a Franquia do Crime, por Gustavo Gollo

Conspiração 1: O Escritório do Crime, por Gustavo Gollo

Redação

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