2 – Outra vez o Bento que bento

Vimos que o velho brinco infantil do Bento que bento é conhecido no Pará, em Alagoas, na região do Baixo São Francisco, em Minas Gerais e Goiás. Vimos também que no Norte, Nordeste e na região central — não apresenta ele, via de regra, aquele começo que, entre nós, dá nome ao jogo (Bento que bento), sendo mais conhecido com o nome de Boca de forno, expressão com que, por lá, se inicia o brinquedo.

Cecília Meireles, em breve estudo publicado em A Manhã, ano de 1942, nos dá a seguinte versão do Rio de Janeiro:

— Bento que bento é frade

— Frade

— Da boca do forno?

— Forno

— Fazereis tudo quanto vosso mestre mandar?

— Fazeremos todos.

Duas outras variantes cariocas estão referidas no livro de Sales Cunha (Aspectos do folclore de Aladoas). Uma delas, de Irajá (1910), diz assim:

— Bento, convento ou frade?

— Frade! — Na boa do forno?

— Forno!

— Tirar um bolo?

— Bolo!

— Tudo que seu mestre mandar?

— Fazeremos todos. De São Paulo (em Tradições e reminiscências paulistanas, de Afonso A. de Freitas, São Paulo, 1921, p.188), conhecemos esta versão:

— Bento que bento frade!

— Frade!

— Na boca dum forno!

— Forno!

— Tirar um bolo!

— Bolo!

— Onde seu mestre quiser ir vade?

— Vades!

Através desse registro de Afonso Freitas, fica-se também sabendo que o velho brinco infantil era corrente em São Paulo desde 1880. E no Espírito Santo? A versão capixaba com que, em criança, nos divertíamos, dizia assim:

— Bento que bento

— Frade!

— Assar um bolo

— Bolo!

— Na boca do forno

— Forno! — Fazei tudo que seu mestre mandar?

— Faremos todos! Atualmente — segundo informações que colhemos há pouco entre alunas do Colégio do Carmo (primeiro ano do Curso de Formação de Professores), a versão capixaba mais corrente assim se fala:

— Bento é o Bento

— Frade

— Na boca do forno

— Forno

— Fazei tudo que o mestre (ou eu) mandar?

— Faremos todos

— E se não fizer (ou fizerdes)?

— Ganharemos (ganhamos) um bolo

Além do Bento é o bento, esta versão nova ainda encaixa aquele final que não vimos nas variantes já referidas.

A muitos leitores há de parecer puerilidade nossa o tratarmos de um simples brinquedo menineiro. Há — bem o sabemos — coisas mais sérias de que se tratar, problemas de maior porte a serem examinados, assuntos de relevância que merecem postos na berlinda, em vez dessas ninharias que são os folguedos infantis.

Não digo que sim, nem que não.

Não esqueça, porém, o leitor, que temas assim são miúdos, como o do Dedo mindinho, o Amanhã é domingo, o Quem vai ao vento…, o Vilão do Cabo e o… Bento que bento — foram estudados por dente grande e séria, tal como mestre João Ribeiro, em seu O folclore (Rio de Janeiro, 1919). É verdade que com erudição larga e profunda, coisa que nos falece…

A respeito do Bento frade, além do que diz o culto polígrafo em capítulo especial (X), esclarece à página 41:

“A aproximação dos jogos infantis, que nos parecem sem significação, aos atos da vida primeva, longe de ser uma explicação ou hipótese pedantesca, ao contrário é a mais fácil e mais simples de todas e a que mais se adequa às leis da própria imaginação, que consiste sempre em apropriar os elementos da realidade. Um dos assuntos constantes desses brinquedos são de interesse culinário, tema principal na imaginação infantil. E, sem dúvida, a esta ordem pertencem as parlendas dos bolos, do forno de Bento frade, e várias outras entre as quais o Vintém queimado ou o Vilão do Cabo”.

Focalizando, em dois artigos, o velho brinco infantil do Bento que bento, e referindo versões de vários pontos do Brasil (Pará, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) nosso objetivo foi, além de lembrar o joguinho das nossas crianças, mostrar — como noutro tema também o fizera João Ribeiro — um aspecto curioso da “unidade da nossa cultura” (p.222).

(Neves, Guilherme Santos. “Outra vez o Bento que bento”. A Gazeta. Vitória, 18 de outubro de 1959)

http://www.jangadabrasil.com.br/temas/outubro2010/te14110g.asp

Redação

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