Debate sobre o conceito de crescimento econômico

Onde está o crescimento? Alguns “food for thought”

Caro Nassif, gostei muito de sua iniciativa de discutir conceitualmente o crescimento econômico, para analisar e encontrar novas pistas para a estratégia de crescimento, nesse momento onde uma redução de dinâmica econômica está até servindo de exploração política, impondo ao Governo atitudes um tanto precipitadas e de efeito limitado, para manter artificialmente a conjuntura em marcha.

Li atenciosamente seu esquema conceitual e venho lhe contrapor o meu, no qual tenho trabalhado há anos e mais intensamente nos últimos meses. O meu possui algumas diferenças epistemológicas com o seu, e seguintes pontos gostaria de adicionar na discussão

PRIMEIRO PONTO: REPRESENTAÇÃO DO CRESCIMENTO COMO PROCESSO CURCULAR-ESPIRALAR MULTIFÁSICO

Parto da clássica visão do circulo de acumulação de capital, tão amplamente discutida na literatura. Na figura abaixo, ordeno diversas fases do processo de conhecimento, iniciando com os atores, seus recursos, seus conhecimentos e seus projetos. Falarei dos atores mais adiante, cuja caracterização diferenciada é um elemento central para o entendimento do processo de crescimento, segundo meu ponto de vista. 

Em função das decisões produtivas (que pode também de ser a de continuar a fazer mais do mesmo), insumos são empregados, se dá a produção e sua qualidade, com efeitos diversos não apenas para o produtor, mas também para outros setores da sociedade. Em algum momento, os resultados se somam e se distribuem, condicionando a vida interna dos atores (empresas, Estado, famílias e também o mercado externo), seu consumo, sua poupança e seu próprio desenvolvimento, que o preparará para a nova rodada da acumulação. 

Existe, como essa, diversas formas de representar o processo de crescimento, e o que importa é o que se quer demonstrar. Como engenheiro, estou preocupado com a compreensão do crescimento da economia enquanto sistema, e com a sua decomposição em elementos e etapas. Tal compreensão visa, antes de mais nada, buscar tipos de ações e projetos propulsores do crescimento. E essa representação do crescimento indica que ele é um processo circular-espiralar multifásico. 

Consequentemente, as políticas de fomento ao crescimento  precisam atacar as mais diversas fases desse círculo de acumulação, que abrangem 

a) o apoio à formulação e adoção dos projetos de investimento e de vida, 

b) a disponibilização de recursos, 

c) a busca de eficiência no processo de produção, mas passam também pela 

d) ativação da demanda final e intermediária nos mais diversos elos das cadeias produtivas e 

e) pela potencialização econômica final dos diversos atores tanto pela satisfação de suas necessidades imediatas, quanto pelo seu crescimento cultural. 

Portanto, as receitas políticas correntes que se limitam ao incentivo à poupança e investimento ou ao crescimento da demanda, por meio de manipulação de instrumentos fiscais e monetários gerais ou de regulação geral das atividades econômicas, deixam de lado os diversos potenciais de propulsão do crescimento. 

Nosso trabalho de sistematização das mais diversas opções de ação propulsiva mostra precisamente os amplos espaços que a política de crescimento há de ocupar. Na realidade, a maior parte dessas ações é já efetivamente realizada por meio de diferentes políticas setoriais. Contudo, sua relação direta com a política de crescimento ainda não é reconhecida na prática, de forma que as políticas de crescimento continuam a se limitar nas ferramentas gerais citadas, muitas vezes insufladas por uma verdadeira guerra mediática entre torcidas ideológicas dos que defendem as abordagens da supply economics e a da demand economics, a partir de uma leitura um tanto vulgar da Teoria Econômica. 

Dessa maneira, dispersas que estão nas políticas setoriais fracamente coordenadas, as restantes ações propulsoras listadas perdem efeito de sinergia. Para contrapor essa perda, nossa abordagem, ao partir dessa representação sistêmica do crescimento, visa conjugar essas diversas frentes de apoio ao crescimento mediante os correspondentes projetos integrados em programas territoriais concretos (já escrevi nesse blog sobre isso; ver minha página). 

SEGUNDO PONTO: PAPEL DE DIVERSOS ATORES NO CRESCIMENTO

Entretanto, sublinho outro aspecto que, ao meu ver, ainda não é suficientemente considerado nas análises e propostas de propulsão do crescimento: o papel dos mais diversos atores. De um lado, reconhecemos o papel protagonista do setor empresarial como liderança no processo de agregação de valor, assim como o papel positivo da liberdade de sua iniciativa e dos mecanismos de mercado. Evidentemente, trata-se de incentivar o mais amplo espectro das classes empresariais, e não de limitar os apoios a um grupo limitado de atores economia e politicamente dominantes. 

De outro, a importância do Estado precisa voltar a ser reconhecida, a despeito de todo um discurso anti-estatizante que vem dominando o pensamento econômico nas últimas décadas. Novamente fugindo das tradicionais brigas entre torcidas de uma partida “estado versus mercado”, a história econômica do próprio capitalismo sempre demonstrou o papel central do Estado para assegurar o dinamismo e a estabilidade da economia. 

Da nossa parte, argumentamos a favor de um “Estado orquestrador” que integre as funções previstas e superasse os limites estabelecidos nos conceitos de Estado “provedor” e “regulador”.  Nota-se que as funções adicionais, propostas no conceito de Estado Orquestrador, a) da construção da consertação entre atores, b) da capacitação e informação dos mesmos, assim como c) de definição da estratégia de desenvolvimento econômico e social sempre estiveram presentes nas ações do Estado, embora que não fossem tão explicitadas na discussão do papel do Estado na economia. Tais papéis de estrategista, consertador, animador e educador são fundamentais na propulsão do crescimento, que ainda continua requerendo a provisão estatal de bens e serviços, a ser vista como suplementar, e a garantia da ordem social.

No que tange a preservação da estabilidade da economia, alertamos para a importância do controle da sustentabilidade fiscal das diversas ações do Estado. Esse controle é feito ainda de forma agregada e grosseira, e quando a preservação do equilíbrio impõe restrições fiscais, mais das vezes são sacrificados campos e projetos de ação que propulsionariam o crescimento e justamente regenerariam os espaços fiscais em falta. Em sentido contrário, nos momentos de expansão fiscal são realizados desembolsos e concedidos favores fiscais sem o devido controle do respectivo impacto econômico e do retorno fiscal. 

Especialmente a área que é comumente designada de infra-estrutura (transportes, energia, comunicações; estranhamente excluindo a educação e a saúde) é objeto de enormes inversões, logo apelidadas de “investimento”, sem que os retornos sejam minimamente cobrados. Portanto, o que se advoga aqui é que a análise de impactos econômicos e fiscais dos diversos tipos de apoio pelo Estado à economia passe a integrar as ferramentas e a própria cultura da gestão fiscal, fazendo que as ações do Estado visem um padrão de crescimento com bases sólidas e estáveis.

Continuando discursar sobre os atores, sublinhamos aqui o papel fundamental das famílias para o crescimento econômico. Novamente, a teoria econômica convencional tem lhe reservado um lugar marginal e um tratamento fragmentado, preocupando-se apenas com sua função de consumo ou de força de trabalho. Contrapomos que o fortalecimento da função da família como educadora, gestora de projetos profissionais, empresariais e de investimentos, além de rede se suporte para momentos de riscos existenciais tem de ser considerado como um ponto essencial da política em prol do crescimento econômico e de sua estabilidade. 

Evidentemente, não podemos deixar de lado o papel do mercado externo, que tem sido privilegiado nas teorias de crescimento, sobretudo regional. Entretanto, é importante que a respectiva inserção da economia regional e nacional seja construída de forma estratégica. A política de crescimento não pode se contentar com um papel passivo da economia territorial frente aos agentes externos. Isso implica em que as transações comerciais e financeiras com o mercado externo sejam ativamente buscadas, mas no contexto de uma estratégia, acordada entre os agentes do território, que vise tirar o melhor proveito possível.

TERCEIRO PONTO: NO INICIO ERA O PROJETO

Como explicitamos com todas as letras, o crescimento parte dos atores, seus recursos e informações, mas também de seus projetos de ação. Portanto, a política de crescimento tem de ser desenhada a partir dos projetos em pauta. Para tal, o governo tem de procurar os atores, tomar conhecimento de seus projetos, incentivar sua formulação e lhes prover um quadro sistêmico que aumente a sinergia entre os projetos dos diversos atores e os projetos do próprio Estado. 

Essa tomada de conhecimento dos projetos em pauta não pode se dar a partir dos gabinetes da Esplanada dos Ministérios. É essencial que os agentes governamentais busquem os potenciais de crescimento nos diversos cantos do País, até nos mais sujos dos botecos.

Quem sai das principais metrópoles e dos principais eixos industriais e perambula pelos novos pólos do interior como Palmas, Porto Velho, Chapecó, Montes Claros, Bico do Papagaio, o Cariri, Mossóró, Petrolina/Juazeiro irá se surpreender com a quantidade e qualidade de projetos de investimento e com as rápidas transformações econômicas desse locais, sobretudo no campo da agroindústria. É lá que estão os potenciais de crescimento, mas que não tem sido considerados nas recentes medidas anticíclicas do Governo Federal. 

QUARTO PONTO: A QUESTÃO DA INADEQUAÇÃO DA ESCALA ESPACIAL DAS POLÍTICAS DE CRESCIMENTO

Tal postulado de proximidade da política de crescimento com os projetos dos agentes locais impõe uma discussão da adequação da escala espacial dessas políticas.  

De início, para que as políticas de incentivo sejam definidas de acordo com os potenciais locais, é indispensável, pois, que elas sejam definidas em função de um planejamento territorial, nacional, regional e local, hoje ainda ausente no Brasil, a despeito de diversas tentativas de retomada. 

Para tal, as estruturas de decisão acerca das ações governamentais têm de se desdobrar no espaço, em busca da escala que tiver maior potencial de mobilização das forças produtivas:

– De um lado, ela não pode ser por demais agregada, com vistas a desprezar os potenciais locais e os projetos dos respectivos atores; 

– de outro, não pode ser excessivamente localizada, dificultando economias de escala nas ações administrativas, especialmente no campo das infra-estruturas. 

Nossa proposta de definição de território de acordo com programas territoriais de diversas dimensões pode fornecer uma escala flexível e adequada aos objetos de ação e de investimento governamental bem como do setor privado, especialmente se os programas partirem da inclusão otimizada ou mesmo da iniciativa dos atores locais.

Contudo, a prática atual é a adoção de escalas espaciais inapropriadas para as políticas de fomento. O que vem se observando é que, invariavelmente, as políticas nacionais são definidas de forma genérica, indiferenciada no espaço (ou quando muito levando em consideração especificidades “macro-regionais”), o que acarreta ineficiências de todo o tipo: 

– Primeiramente, elas podem acarretar distorções sérias de mercado, e até favorecimento injustificado ou mesmo danoso de determinados setores. 

– Segundo, na medida em que os setores favorecidos apresentem uma distribuição espacial concentrada, as disparidades econômicas regionais podem vir a ser fortalecidas, em vez de atenuadas. 

– E muitas vezes os produtos das indústrias selecionadas, mesmo que a seleção se dê de acordo com algum critério técnico como os máximos efeitos multiplicadores conforme a análise insumo-produto, podem apresentar uma demanda rapidamente saturável, enquanto que outras necessidades continuam a descoberto.     

Esse tem sido o exemplo dos recentes favorecimentos fiscais da indústria automobilística (não apenas no Brasil) e de outros artigos de consumo. Seus efeitos limitados para alavancar a conjuntura em um contexto de recessão podem inclusive acirrar discussões infrutíferas sobre os limites da política de “incentivo ao consumo” ao invés de “priorizar o investimento (e a poupança)”. 

Pois de forma alguma podemos considerar esgotados os incentivos ao consumo, tendo em vista o ainda amplo desatendimento de necessidades como a habitação, o saneamento, a saúde e a educação. No caso do Brasil, a habitação social e sobretudo a urbanização das favelas são exemplos de potenciais de crescimento ainda não contempladas pela política anticíclica emergencial. 

De outro lado, uma política de “incentivo ao investimento”, constituída de aumento do juros, de reduções tributárias indiscriminadas e no afrouxamento de regulações sobretudo no campo trabalhista (cerne da receita neo-liberal), sem que haja qualquer compromisso concreto de aumento da produção, tende a favorecer apenas a especulação financeira ou quando muito a implantação de empreendimentos imobiliários faustosos ou de projetos superdimensionados ou mesmo faraônicos de infra-estrutura (caso de muitos países europeus, que hoje enfrentam dificuldades fiscais).

QUINTO PONTO: NECESSIDADES SÃO OPORTUNIDADES

No que tange as necessidades não atendidas, é essencial olhar para a sua evolução, para daí extrair oportunidades estratégicas de investimento produtivo. Como referido, muitas vezes as políticas de fomento favorecem indústrias já instaladas, acirrando o respectivo mercado consumidor para além da capacidade de pagamento e necessidade de aquisição. Mesmo as políticas de “inovação” focalizam demandas consolidadas, ignorando as mais diversas necessidades do campo social e ambiental. 

Novamente, um olhar mais aproximado sobre os potenciais e necessidades locais pode descortinar opções novas de fomento, com maiores chances de sucesso. Igualmente, a análise das tendências do desenvolvimento mundial e dos problemas globais, realizadas pelos Estudos do Futuro, pode dar luz a oportunidades globais para as economias regionais, em função de seus potenciais locais.

Os potenciais e fatores competitivos do Brasil residem no seu espaço, assim como nos vastos recursos naturais e humanos que lá se encontram. Por exemplo, em uma época em que as fontes baratas de recursos fósseis de energia e matéria-prima estão se esgotando, um grande leque de oportunidades se abre para as matérias-primas renováveis, onde Brasil pode angariar uma posição competitiva, reconstruindo sua industrialização de ponta a partir do beneficiamento dessas matérias. Ademais, a construção civil, a saúde, a educação e a infra-estrutura são outros potenciais de recuperação industrial, onde poderíamos concentrar nossos esforços de inovação e competitividade.

SEXTO PONTO: CRESCIMENTO ECONÔMICO – CORRA MAS NÃO MORRA

Por fim, falar da dimensão espacial implica em também falar do papel do tempo no crescimento. Como afirmamos, é da natureza do capitalismo de aumentar cada vez mais a velocidade do giro de capital, com vistas a maximizar a taxa de lucro. De um lado, a busca da eficácia e da eficiência não apenas na indústria, mas também nas outras fases do ciclo de acumulação que apresentamos, é um momento central da política de crescimento. 

Entretanto, a demasiada pressa pode ser inimiga do crescimento, na medida em que prazos cada vez mais curtos de avaliação das políticas estressem a tomada de decisão em direção a medidas de efeitos imediato, mas que desequilibram o processo geral. Isso implica em uma seleção adversa de setores a serem favorecidos por incentivos fiscais ou de reformas regulatórias liberalizantes que não se traduzem em compromisso concreto de investimento. 

Ano após ano, governos são chantageados politicamente para apresentar taxas de crescimento substanciais, independentemente das condições macroeconômicas nacionais e internacionais permitirem voos mais ousados. Para manter o “velocímetro” da economia em um patamar comparável a outros países, medidas que realmente fortalecem mais consistentemente processo de crescimento, mas a um prazo mais longo, são preteridas. 

No campo privado, projetos empresariais de prazo mais longo de retorno são inviabilizados, e diretorias das empresas são aterrorizadas por cobranças do sistema financeiro por resultados anuais positivos, dificultando a adoção de estratégias empresariais mais consistentes.

Nossa reflexão sobre a política de crescimento termina com o apelo de que temos de definir prazos estratégicos para os resultados e as transformações e considerar muito mais a qualidade do que a quantidade do crescimento. No fundo, crescimento econômico é que nem sexo: mais vale a qualidade do que a quantidade.

Crescimento como processo circular-espiralar multifásico

Luis Nassif

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