“paixão do mundo, poema”

As árvores de galhos desnudos do outono e suas folhas amarelecidas se sustentam prósperas ante a queda. Prósperas, veja bem. Essa passagem natural e nada traumática que as árvores atravessam com a sabedoria que não possuímos, às vezes, para apenas admirar suas fases de mutação. Quando ainda é outono. Encontrar a representação de um estado emocional caminhando pela cidade, deter-se a observar. Pintores talvez utilizem mais tais comparações e jeitos de olhar o entorno. Tampouco faria muito sentido não considerar as estações, se elas nos definem tanto, até certo ponto.

Uma das coisas mais bonitas é ver as ruas cheias de folhas. Todos os outonos têm em mim força de reflexão. Como este outono que agora se instala e parece não querer ir embora. Durante dias seguidos, não escrevi e nada tinha em mãos. Agora pude reconduzir os fios ao mesmo assunto, era o outono o sentido da escrita, e à mesma vontade de traduzir poemas de Juan Gelman – como é difícil, às vezes, reencontrar o fio de atração de uma escrita que nunca deixa de estar presente.

O outono não foi embora. E volto novamente a essa paisagem mutante e às casas que nunca abrigam as folhas secas que pertencem às ruas, às cidades, ao todo nunca recluso e sempre exposto. Assim como a tradução dos poemas de Juan Gelman devem sair e encontrar o todo. Sempre sem saber o que cada passante pensa sobre as folhas secas do outono. Isso que realmente não importa, ou apenas quando nos perguntamos se há olhos de amor à espera das folhas verdes.  

Poema

Como o amor, como o amor insistes,
nada pode distanciar-te,
nem a pedra mais dura que atiro contra mim.

Vens, golpeias, pé ligeiro,
como o amor acendes,
dizer puro,
onda da escura desconhecida maravilha.

Sob um dia de verão clausura da sombra
entre um ruído de rostos prováveis morrerei,

sozinho de ti, sozinho de ti, paixão do mundo, poema.

*Poema

Como el amor, como el amor insistes,
nada puede alejarte,
ni la piedra más dura que tiro contra mí.

Vienes, golpeas, pie ligero,
como el amor asciendes,
dicha pura,
oleaje de la oscura desconocida maravilla.

Bajo un día de verano clausura de la sombra
entre un ruido de rostros probables moriré,

solo de ti, solo de ti, pasión del mundo, poema.

*do livro “Velorio del solo” – Juan Gelman, 1961

**Uma mulher e um homem

Uma mulher e um homem levados pela vida,
uma mulher e um homem cara a cara
moram na noite, transbordam por suas mãos,
se escutam livres subir pela sombra,
suas cabeças descansam na bela infância
que eles criaram juntos, plena de sol, de luz,
uma mulher e um homem atados por seus lábios
enchem a noite com toda sua memória,
uma mulher e um homem mais belos no outro
ocupam seu lugar na terra.

Una mujer y un hombre

Una mujer y un hombre llevados por la vida,
una mujer y un hombre cara a cara
habitan en la noche, desbordan por sus manos,
se oyen subir libres en la sombra,
sus cabezas descansan en una bella infancia
que ellos crearon juntos, plena de sol, de luz,
una mujer y un hombre atados por sus labios
llenan la noche lenta con toda su memoria,
una mujer y un hombre más bellos en el otro
ocupan su lugar en la tierra.

**do livro Gotán – Juan Gelman, 1962

Redação

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