O que virá depois da democracia burguesa? Não será o fascismo!, por Rogério Maestri

por Rogério Maestri

Muitas vezes somos vítimas das próprias armadilhas e o que sofrerá a esquerda brasileira em geral nos próximos anos ou talvez décadas, será um produto de sua armadilha em não interpretar corretamente o que foi o fascismo e no que poderá ocorrer no futuro do país.

Historiadores são pessoas que contam o passado, políticos são aqueles que preveem o futuro, e talvez na esquerda brasileira de esquerda tenhamos historiadores demais e políticos de menos.

A interpretação do fascismo como uma única e possível saída para o fim da democracia burguesa é resultado da experiência europeia do início do século XX e talvez na tentativa de caracterizar tudo aquilo que se contrapõe a uma saída revolucionária de esquerda está o grande erro de parte dos “teóricos” socialistas do fim do século XX e início do século XXI.

Em nenhum escrito dos primeiros teóricos do marxismo está escrito que o capitalismo evoluiria para o fascismo, está escrito que o capitalismo pode tomar outras feições para continuar a sua dominação e talvez retornando a este pensamento pré-fascismo possamos entender quais as possibilidades de evolução do capitalismo.

O fascismo na sua propaganda inicial é algo completamente anacrônico nos dias atuais. A base da propaganda do fascismo para assumir o poder, não para mantê-lo, era uma combinação de um espírito revolucionário que combinava um desprezo tanto pelos comunistas como pelos liberais no sentido econômico, com fortes doses de nacionalismo e na sua base o autoritarismo.

Fica claro que para assumir o poder, colocando mais o racismo do nazi-fascismo estes pré-requisitos eram necessários, para mobilizar as massas uma aparente crítica ao liberalismo era necessário nos movimentos fascistas, eram estes tão, ou algumas vezes, mais criticados que os socialistas. O aspecto revolucionário do fascismo tinha que aparecer às massas que o apoiavam e junto a este vinham os elementos nacionalistas, da combinação destes dois se chegava à necessidade do fim da democracia burguesa com seus pesos e contrapesos que regulavam o poder com eleições democráticas burguesas.

A concepção de um Estado regulado por um executivo, um legislativo e um judiciário para controlar os dois outros com as leis estabelecidas era um fator de equilíbrio que não era rompido enquanto parte deste poder fosse assumido por um partido de esquerda ou mesmo reformista.

Porém, o objetivo final do fascismo nunca foi implementar uma sociedade revolucionária de direita em que o Estado serviria de agente regulador entre o capital e trabalho, o objetivo final deste sempre foi a implantação de um Estado Autoritário em que as leis fossem adaptadas conforme a necessidade do regime. A figura do Líder que na Itália foi representada pelo Duce (Mussolini) e na Alemanha pelo Füher (Hitler), e estes logo depois de assumirem o poder mostraram para que chegaram ao poder. Imposto o regime de partido único, censura da imprensa e um judiciário que julgava de acordo com as leis vigentes, leis estas que eram modificadas conforme a vontade do Líder.

Neste momento em que o Líder assume o poder o fascismo se transfigura modificando as sua linguagem e mudando suas prioridades. O “socialismo” fascista deixa por completo de existir, a sociedade ideal, regulada pelo estado é mostrada pelos agentes de propaganda em que só o lado positivo é visto por todos, e quem não se ajusta ao discurso fascista é morto ou preso.

Ou seja, o fascismo olhando a realidade histórica nunca atendeu ao seu discurso, chamo a atenção que o squadrismo italiano (movimento popular de extrema direita, que através da violência e intimidação combatiam os opositores), logo após a tomada do poder é substituído pela burocracia do partido fascista italiano, da mesma forma, porém muito mais violenta Hitler em 1934 manda assassinar todos os líderes da SA (Sturmabteilung) conhecidos pelo nome de Strasserismo, nome advindo do teórico nazifascista Gregor Strasser. Neste evento conhecido pelo nome da Noite das Facas longas, Gregor Strasser, Ernst Röhm e mais outros, são assassinados pela SS (Schutzstaffel) que era uma unidade bem menos numerosa (uns 600.000 homens em 1933 enquanto a SA possuía 3.000.000 de militantes), porém tinha apoio da grande burguesia e aristocracia alemã e principalmente do exército e polícia alemã.

É interessante notar que nesta época é lançado no direito alemão a Gesetz über Maßnahmen der Staatsnotwehr (Leis lei sobre Medidas de Estado de Auto-Defesa de 3 de Julho de 1934), que é uma lei muito simples, ela retroage ao passado e diz que o que foi feito é Legal (os assassinatos dos líderes da SA).

Só para não se perder a conexão do parágrafo anterior com os fatos atuais pode ver as palavras o que o Juiz Sérgio Moro, ainda não como Líder, profere numa reunião de empresários em Novo Hamburgo em 21/09/2016 segundo o Jornal Correio do Povo.

A Justiça Criminal brasileira não tem a tradição do enfrentamento à corrupção sistêmica. Claro que existem direitos fundamentais a serem respeitados, mas a Justiça Criminal precisa ser firme”, afirmou. “Há que ter uma abordagem pragmática da presunção de inocência.

Mas voltando a história, o nazi-fascismo, por necessitar de uma base popular para ascender ao poder, teve que lançar mão do squadrismo italiano e das SA alemãs, porém estas rotas de tomada ao poder, num país como o Brasil, onde as contradições sociais são bem mais fortes do que as da Itália e Alemanha do início do século XX, em que apesar de existir uma crise a pequena burguesia conservadora era inúmeras vezes mais forte do que é a brasileira, uma imposição de um governo autoritário via o caminho de organizações de massa é extremamente perigosa, pois como na Alemanha em que Strasserismo exigia uma revolução dentro de outra revolução e teve que ser combatida por muitas mortes de seus representantes, no Brasil a chance de um movimento desta forma atingir o núcleo do poder é muito mais provável.

Na incapacidade de reproduzir o fascismo em sua essência se toma outro caminho, retira-se do cenário com organizações de massa de extrema direita e se passa a uma mobilização via intenso movimento mediático. Esta fase da mobilização virtual serve como a primeira etapa, porém ainda falta claramente quem é o Líder e falta à completa destruição dos inconvenientes “direitos fundamentais”.

Porém não podemos ficar por aí numa hipóteses de futuros acontecimentos, não esqueçam que não está se adotando aqui o papel de historiador, logo aventura-se a apresentar hipóteses futuras de acontecimento.

O nacionalismo preconizado pelos movimentos fascistas do início do século XX, nos dias atuais é extremamente inconveniente, pois movimentos radicais com discurso nacionalistas levam necessariamente a guerras, coisa que nos dias atuais com o potencial destrutivo das mesmas podem provocar ao capitalismo mais perdas do que ganhos. Desta feita, para se conquistar o poder e implantar um regime autoritário dentro de uma sociedade altamente globalizada o nacionalismo deve ser substituído pela aparente eficiência da internacionalização da economia.

Também a figura do Líder carismático, como foram tanto Mussolini como Hitler também deve ser relativizada, mais vale um Líder sem brilho próprio do que alguém que se sair do script fique difícil de desconstruí-lo, logo alguém com um carisma inexistente, porém sustentado pela propaganda paga pelas grandes corporações é muito mais conveniente.

Falta ainda o Incêndio do Reichstag, porém com a falta de unidade da esquerda, com diversos partidos de micro-ônibus (cabe toda a sua militância num micro-ônibus) com a existência dos enigmáticos Black-Blocs, sustentados por elementos anarquistas, tem-se vários grupos que se pode atribuir algum evento extraordinário que justificariam as nossas “Gesetz über Maßnahmen der Staatsnotwehr”, que criariam o nosso regime de exceção e autoritário, não precisando montar uma esquema de propaganda oficial, pois a que existe já é suficiente.

Voltando ao segundo parágrafo, o que indica que historiadores falam do passado e não de projeções do futuro, é importante destacar que estes profissionais tem uma visão clara que a história não está escrita e não é determinística, e que uma mera divulgação do que se espera para o futuro, pode modifica-lo, transformando as previsões como especulações que não se realizaram, porém como não sou historiador me sujeito ao erro.

Redação

7 Comentários

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  1. Muito bom. Infelizmente

    Muito bom. Infelizmente muitos estão errando na leitura, até porque nem sabem de que lado está vindo a porrada. Penso que aquele documentário de Chomsky é bem adequado, pois fala do estágio do capitalismo que prescinde da democracia como a conhecemos, mas que não necessariamente instala o fascismo oficial. Este é fruto dos desejos de parte da sociedade.

  2. uma singela contribuição

    Caro Maestri, uma pequena contribuição para sua tese tão bem desenvolvida!

    Em toda a história social do homem, ao mesmo tempo em que o homem é o predador do próprio homem, o homem (outro) é o parceiro que permite a produtividade e conseqüente alivio do trabalho (no sentido estrito da palavra, pois que no laboro o amor esta presente).

    Mas vivemos dias singulares, o trabalho que defino como aquela necessidade dos seres agruparem-se para aliviar a carga do “dia a dia” foi abolido e é muito inocente aquele que não enxerga. O trabalho só fará sentido agora no sentido do laboro, pares que desejam um objetivo comum.  O que dizer se a classe que esta levando a melhor, tem capital, tem cultura e objetivos comuns de se perpetuar se conscientizasse que de fato o trabalho foi abolido e que a única alternativa, no momento, é a servidão??? Por que servidão? A outra “alternativa” é deixar ao  sabor do vento os miseráveis e sua fome!  Como TODA “ferramenta” foi extraída, a opção para este lúmpem é a morte a míngua (vide África).

    Mas ainda não chegamos a este ponto, pois o capital ainda não está totalmente internacionalizado e ainda existem guerras pela hegemonia da burguesia (vide guerra fria 2.0). Logo a guerra ainda é uma alternativa para a hegemonia da classe burguesa, mesmo que para isso ainda seja necessário o “trabalho”. Mas não há mais como compatibilizar este movimento por causa de um fator que até então não existia: o fator CLIMÁTICO, o meio ambiente!!!  O relógio foi disparado a partir da década de 80 quando o planeta começou a dar os primeiros sinais de insolvência!

    Resumindo:

    1- Trabalho no sentido social foi abolido, restou apenas o laboro, mas o laboro só tem sentido quando existe amor

    2- A classe burguesa, para ver-se livre de vez do trabalho, precisa re-estabelecer o conceito de servidão. Sem a servidão, nos dias atuais, a alternativa é a morte por inanição!

    3- O fator determinante para o re-estabelecimento da servidão é a hegemonia burguesa, mas ela ainda tem “concorrentes” e por isso a necessidade da guerra, e conseqüentemente a necessidade do trabalho (work, atividade que gera capital de uma maneira mecânica)

    4- Mas agora o problema ambiental disparou o relógio para a revolução ultima sob o ponto de vista do capitalismo: capitalismo com servidão, a separação definitiva das classes.

    Conclusão: as classes burguesas estão atuando  desesperadamente para acabar com suas diferenças pois são esta diferenças que não permitem a hegemonia (redundância) e a abolição ultima do trabalho.  E, se a guerra não terminar com todos, o meio ambiente dará conta daquilo que os humanos não conseguiram ultrapassar: a extinção, pois o homem continua o lobo do homem.

    Conclusão: as classes burguesas estão atuando  desesperadamente para acabar com suas diferenças pois são esta diferenças que não permitem a hegemonia (redundancia) e sem a hegemonia, se a guerra não terminar com todos, o meio ambiente dará conta daquilo que os humanos não conseguiram ultrapassar: a extinção pois o homem continua o lobo do homem.

     

    http://freituk.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-como-lobo-do-homem-e-sua.html

  3. o que virá….

    Continuaremos seguindo no Brasil com este fatalismo? Com a idéia da esquerda “santa” e direita “diabólica”? Este é o projeto de país? Olhem para o Brasil e vejam o que foi realizado em quase 40 anos de redemocratização com governos quase ininterruptos de centro esquerda? Muito pouco e de forma medíocre. Lembrem-se dos projetos e metas prometidas no final dos anos de 1970/80? Seguimos e continuamos insistindo em seguir por caminhos extremamente errados. Continuaremos com este discurso que a culpa é dos outros?

  4. Pode parecer para muitos uma mera firula, mas para reagir ao …

    Pode parecer para muitos uma mera firula, mas para reagir ao golpe é necessária uma caracterização clara do mesmo.

    As pessoas confundem palavras de ordem em passeatas com interpretações claras da realidade, chamar por exemplo os policiais militares de fascistas, pode até parecer um boa palavra de ordem, porém para combater a “porrada” como dizes, tem que se saber bem por que lado chega o cassetete!

    Outro vantagem está no combate a longo prazo do golpe, pois um regime fascista, ou com base ideológica fascista, tem contradições completamente diferentes do que um capitalismo clássico com governo autoritário sem respeito a chamada democracia burguesa.

    Pensando no futuro se vê claramente que as contradições de um ou outra saída para o capitalismo serão diferentes, e o trabalho político sobre estas contradições deve levar em conta contra quem está se lutando.

  5. Pois então que errado, muito

    Pois então que errado, muito errado estejas. Mas  sou só uma velha… nem historiadora , nem política, só um ser desejante.

    1. Prefiro estar errado e ter esta pequena tese desmoralizada!

      Sinceramente também desejo estar errado, porém já tenho montado este raciocínio a um bom tempo e cada vez ele fica mais verdadeiro!!!

  6. “nuovo squadrismo “, barillas

        Creio que o futuro próximo estará mais apto, mais afeito a um “facismo” em nova roupagem, muito mais perigosa e de ascenção mais rápida do que o do século passado, uma vez que alem da sociedade globalizada, o fenomeno das famigeradas “redes sociais” permitem, desde que bem trabalhadas politcamente, uma maior velocidade de trafego de idéias totalitárias, as mais simples e intelegiveis possiveis, possibilitando uma projeção geométrica de adesóes e/ou simpatizantes, e deste “squadrismo” virtual, passar para um “squadrismo” de rua e até de massa, é muito mais factivel.

          Por exemplo : Imaginemos um universo de seguidores de doutrinas totalitárias, em um unico país, de digamos na soma de todos eles, 2.000.000 de pessoas – numero perfeitamete cabivel em um conjunto de saida > 25/30 Milhões, caso 5% destes “virtuais” cheguem a atividades publicas, seriam 100.000 pessoas muito ativas, ideologicamente comprometidas com a “causa”, e 100.000 com apoio de corporações de midia e empresariais ( suporte financeiro ), chegam a 1 Milhão rapidinho, o adesismo de massa não é um fenomeno pouco conhecido, ele é real

          Quanto a um possivel ” Lider ” ( Duce, Fuhrer ), creio ser algo ultrapassado, no caso ocidental, apenas cabem atualmente em democracias não consolidadas ou mesmo em vias dê, como a Russia e alguns paises do leste europeu, como Polonia, Turquia, que necessitam historicamente que o governo seja personificado em uma figura “forte”.

            Já caso por exemplo do Brasil, o processo pode ser mais sofisticado, com a não presença de um Lider unico, mas de corporações lideres, sem um “alpha dog ” cintilante, sequer um estrito ditador , mas represntantes corporativos varios, atuando em conjunto, e caso “rebeldes”, substituiveis, não pelo voto livre, mas pelo conluio das corporações que sustentariam esta forma de governo, um “nuovo fascio”.

            Il nuovo fascio : Uma evolução do “estado corporativo ” de Mussolini, aprimorado com a aliança das corporações fixas de Estado, tanto com a midia de massa, como as corporações financeiras, tanto as internas como as transnacionais.

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