Por que os xingamentos à Presidenta são graves? Uma outra interpretação

Por Sergio Reis

Por que os xingamentos à Presidenta são graves? Uma outra interpretação

A coleção de xingamentos sofridos pela Presidenta Dilma Rousseff ao longo do jogo de abertura da Copa do Mundo na última Quinta-feira (e repetidos por pequenos grupos, com intensidade muito menor, em algumas outras partidas) foi recepcionada de forma polarizada por analistas, intelectuais, políticos e pela sociedade de forma geral. Se houve muitos que criticaram as vaias e, especialmente, os impropérios de baixo calão proferidos à Chefe de Estado brasileiro, outros celebraram ou não deram relevância esse evento, ora compreendendo-o como uma “saudável” manifestação democrática contra o governo federal, ora entendendo-o como algo que seria comum no interior de estádios de futebol – e que, portanto, não mereceria ênfase reflexiva.

Dentre aqueles que objetaram à realização dessas manifestações, muitos trabalharam a análise do fenômeno a partir de dois registros básicos: 1) as ofensas mereceriam censura por expressarem palavras indecorosas a uma mulher; 2) as ofensas mereceriam censura porque vieram de uma elite branca, reacionária, preconceituosa e incoerente em sua defesa da superioridade educacional de sua condição de classe, contrabalanceada por sua extrema falta de polidez em um evento de celebração. É possível, ainda, notar a existência de um conjunto de opiniões possivelmente situado – ou pelo menos autorreferenciado – à esquerda do debate institucional, que buscou rejeitar todos os posicionamentos supramencionados, considerando que tanto a celebração da atitude de determinados torcedores contra a Presidenta não seriam dignos de nota, na medida em que nenhum deles seria representativo dos segmentos efetivamente oprimidos da sociedade brasileira – respectivamente, de modo geral, pelas classes dominantes, e particularmente pela Copa do Mundo.

Creio ser necessário compreender a questão a partir de um outro paradigma, de forma a dimensioná-la ainda dentro de um campo progressista, mas dotado de coerência interna e, ainda, certa vinculação à esfera institucional. Primeiramente, cabe ponderar que, embora seja sempre necessário a uma justa reflexão de esquerda a necessidade de contextualização dos espaços, de suas práticas e de seus valores (de forma a se evitar, na medida do possível, noções essencialistas de “verdade” e de superioridade axiológica hipostasiada da realidade material), tal operação não impede a constatação de que o fato de os estádios de futebol constituírem, correntemente, locais de expressão de uma certa virilidade – por vezes confundida com comportamentos violentos e ofensivos – não impede a realização exata da crítica que esses espaços não sejam, em razão disso, locais de expressão de opressões e de atitudes que se afastam de qualquer postulado que se pretenda emancipatório. E, por isso mesmo, merecem a crítica progressista como qualquer outro aspecto de nossa sociedade; não é possível, simplesmente, suspender nosso juízo a respeito do que ocorre dentro das quatro linhas ou de quatro paredes, ainda que precisemos compreender quais sejam seus particulares mecanismos de funcionamento e de interpretação para que o comentário seja melhor realizado.

Em segundo lugar, é preciso perceber que a crítica aos insultos realizados à Chefe de Estado brasileira precisa se libertar de raciocínios eventualmente falaciosos para que seja coerente com seu propósito progressista (e não necessariamente partidário). Nesse sentido, é necessário colocar que, na melhor das hipóteses, a condição de mulher de nossa governante e a origem de classe das violentas reprimendas são fatores agravantes do caso, e não elementos constituintes. Isso porque as injúrias não seriam um milímetro mais aceitáveis se nosso presidente fosse homem, nem permitiriam uma leitura mais condescendente se tivessem vindo, por exemplo, dos beneficiários do Bolsa Família que estavam no estádio. O ponto não é esse. Na realidade, se é lamentável que haja toda uma simbologia machista nos procedimentos de objeção desenvolvidos no interior desses espaços, uma crítica que parta da condição de mulher de nossa Presidenta como foco do argumento incorre no considerável risco de, na realidade, estar promovendo uma defesa igualmente machista de nossa Presidenta, como se, enquanto mulher, fosse ela um sujeito imaterial e anistoricamente vulnerável, doce e inferior, sofrendo a necessidade de proteção de nós, homens viris – que podemos suportar a virulência desses opróbios. Esse tipo de posicionamento, então, se afasta de uma leitura emancipatória porque também não liberta a mulher como sujeito histórico. Não é essa a tônica da questão.

Da mesma forma, ter como base para a objeção à censura à Presidenta a condição de opulência dos VIPs que a realizaram também não resolve a tensão em questão. Na realidade, o fato de essas repreensões virulentas terem vindo primordialmente desses sujeitos diz muito sobre nossas elites, suas incoerências e sua falta de maturidade democrática, mas não exatamente sobre o absurdo do evento em si. É possível analisar o fato desse prisma, inclusive como experimento de compreensão sociológica a respeito dos elementos que compõem, de forma complexa, a nossa sociedade. Mas o fulcro da crítica também não precisa ser exatamente esse. Isso porque, na realidade, se essas manifestações tivessem vindo de outros segmentos societais, não seriam elas mais válidas. Talvez poderíamos ter uma compreensão mais aberta do fenômeno, eventualmente nos inquietando (ou não) a respeito da existência de uma objeção de parcelas de cidadãos que foram beneficiados por essas gestões federais que ocuparam o poder ao longo desses doze anos e que, apesar disso, se opuseram com tanto vigor à Chefe de Estado. Essa seria uma análise eventualmente válida, que permitiria com que, possivelmente, melhor entendêssemos até mesmo algumas contradições desse governo, bem como a intensidade do desejo de melhoria social desses agrupamentos, de forma a termos mais clareza, talvez, sobre as complexidades inerentes aos processos de melhoria dos serviços públicos e de conquista da cidadania. Mas essa chave interpretativa ainda não seria decisiva para deixarmos de considerar a atitude violenta em comento como algo intolerável.

Finalmente, ainda com relação ao esquadrinhamento dos principais comentários efetuados sobre esse evento, é importante entendermos como algumas interpretações apontadas como à esquerda do governo precisam ou ser complementadas pelo que gostaria de defender mais adiante, ou sofrer certa revisão em razão de inconsistências internas. Nesse sentido, em primeiro lugar é válido fazer a crítica a certo lugar comum contido em alguns desses argumentos de que a oposição às ignonímias signifique um “governismo infantil” ou um posicionamento político moderado. Com efeito, essa é também uma modalidade de raciocínio rigidamente falacioso, compreendido, analiticamente, como dos tipos “non sequitur” e “ad hominem”, isto é, ora como rejeições pessoais aos interlocutores que proferirem esse tipo de oposição aos vitupérios, ora como associações logicamente equivocadas entre os raciocínios realizados e os posicionamentos políticos desses interlocutores, como se fosse possível realizar esse tipo de associação automático por constituir a única possibilidade reflexiva possível. Demonstrarei a seguir que essa construção não é verdadeira.

Em segundo lugar, é importante descolar a associação intrínseca que esse tipo de raciocínio faz entre a defesa que é feita da Presidente Dilma desses ataques odiosos e a ideia de que o processo de realização da Copa do Mundo não mereça críticas e ponderações profundas. É daí que surge outra falácia clássica, a “culpa pela associação”, que resume a invalidez de um argumento por ele poder conter uma correlação com algo ou alguém a quem se objeta. Pelo contrário, a Copa do Mundo e seus problemas e a violência dos vitupérios constituem dois fenômenos distintos. Em outras palavras, a crítica à realização desse evento esportivo (seja no todo, seja na forma com que ocorreu, seja ainda com relação a determinados e específicos – mas relevantes – equívocos) não pode corresponder à forma e estratégia que só podem ser compreendidos como intrinsecamente violentos, tais quais os ocorridos no Itaquerão em 12 de Junho.

A razão fulcral do porquê que os xingamentos realizados à Presidenta Dilma Rousseff mereceram uma crítica tão significativa é justamente o seu significado enquanto ataque ao republicanismo, sendo que a veiculação dessas manifestações, da forma como ocorreram, em nada fortalecem o sentimento democrático nacional, pelo contrário. Em outros termos, para que consigamos compreender como fazermos uma crítica que seja coerentemente progressista a esse triste episódio, precisamos percebê-lo a partir de um duplo e inseparável encaminhamento analítico: 1) o significado desse tipo de invectiva contra um Chefe de Estado; 2) o significado dessa maneira de realização de uma crítica para a democracia.

No que se refere ao primeiro aspecto, um aspecto reflexivo necessário é a compreensão, na realidade presidencialista brasileira, de que em um sistema presidencialista de governo, como o brasileiro, possuímos uma única figura pública, o Presidente da República, que possui um papel duplo: Chefe de Governo e Chefe de Estado. Enquanto Chefe de Governo, o Presidente expressa um projeto político-partidário, uma visão específica e legítima a respeito das políticas públicas, de sua formulação, de sua implementação, de suas prioridades. Enquanto Chefe de Estado, no entanto, seu papel também é político, mas se vincula a um outro conjunto de questões, com pretensão suprapartidária, na medida em que se correlacionam à representação da cidadania, da nação, da sociedade brasileira como um todo. Em outras palavras, o Chefe de Estado existe enquanto propósito de superação das clivagens que marcam uma dada realidade sócio-histórica; ele é a incorporação personalizada (porque existe, dentro do projeto de Estado-Nação que ainda vigora, a partir de uma pessoa ou de um conjunto de pessoas, como ocorre ou ocorreu inclusive em alguns países socialistas), o “embodiment” de um país.

Dilma Rousseff, naquele dia, não atuava especificamente como Chefe de Governo, ou como liderança exponencial do Partido dos Trabalhadores. Dilma era nossa Chefe de Estado, nossa autoridade máxima representativa, ou o Brasil em ação como organização que dá início à realização de um evento de proporções globais; um acontecimento de política externa, um momento de manifestação, na arena internacional, do nosso país – acontecimento especialmente peculiar por ocorrer em nosso território. Por mais que pareça abstrato, o ponto é que todos aqueles urros e verbalizações vexatórias significaram, naquele contexto, uma rejeição ao Brasil, à sua institucionalidade e sua história. Evidentemente, ficaria mais fácil de se perceber o porquê de tais atos serem tão vergonhosos se em nosso país existissem duas figuras distintas a representar esses dois papéis. Isso não significa, evidentemente, fazer uma defesa de uma instituição absolutamente anacrônica como a Monarquia. Nem a proposição de um esquema semi-presidencialista, como o francês (que possui um Presidente e um Primeiro-Ministro). O ponto é que, de fato, a compreensão a respeito do tema exige uma finesse, de uma sensibilidade que, obviamente, não está à disposição de nossas elites (e talvez de parte considerável de nossa sociedade, lato sensu).

Essa consideração, então, se liga ao segundo ponto de minha defesa, que se opõe aos xingamentos proferidos por entender que eles em nada significam a realização saudável da democracia, como quereriam alguns. Pelo contrário, são um sinal muito claro da falta de amadurecimento democrático – e, no limiar, de consciência de nação e de humanidade – por parte de todos aqueles que insultaram a Presidenta. Há toda uma confusão a respeito do significado do fazer democrático, de seus momentos e procedimentos constitutivos. Não há dúvida, para mim, de que a democracia se constitui mediante lutas, tensões, manifestações de posicionamento em espaços públicos. Além disso, é preciso entendê-la de modo densificado, para extravasarmos a leitura (elitista) que a associa meramente às eleições. É condição necessária para a consolidação democrática, então, que o direito ao dissenso seja assegurado, inclusive nas ruas e em quaisquer espaços públicos (inclusive e em especial nas mídias, evidentemente). Apesar das polarizações constituintes, isso nada tem a ver com violência, com preconceito, com sexismo, com autoritarismo e com qualquer tipo de prática que venha a significar o vilipêndio da dignidade humana.

É tanto nesse sentido como no anterior, então, que qualquer um que se preze deve manifestar seu repúdio mais absoluto ao que ocorreu na última Quinta-feira e em vários outros momentos ao longo destes primeiros dias de Copa do Mundo. A Presidenta da República, enquanto Chefe de Estado, é figura institucionalmente representante de todos os brasileiros, inclusive os oprimidos. O sentido republicano desse instituto é justamente o de dizer respeito a todos os cidadãos. Qualquer ataque a ele constitui um achaque à cidadania. E, em um país dotado de níveis de desigualdade como o Brasil, qualquer golpe à cidadania expressa, sim, contextualmente, um prejuízo e um acinte aos setores subalternos e uma celebração do privilégio, da construção da nacionalidade por castas, da meritocracia censitária. Ao mesmo tempo, não é possível pensar em como fortalecer a democracia por meio de seu negativo, o autoritarismo. Não há como considerar como saudável ou interessante a promoção de manifestações que contenham, em seu interior, a negação da civilidade que marca o pacto democrático entre os elementos da sociedade. A tensão entre os interesses de classe ou a vocalização de qualquer sorte de descontentamentos com governantes eleitos nada tem a ver, portanto, com o que ocorreu na abertura da Copa. Da mesma forma que não há validade democrática em certo clamor pelo “direito de ser preconceituoso” (naquilo que é travestido, no mundo do humor, como o “direito de ser politicamente incorreto”), não há validade republicana no desejo de se usufruir de um “direito de ser autoritário”, traduzido em um “direito de não reconhecer instituições”.

Se não estamos, enfim, em vias de se constituir um projeto transnacional de realização da emancipação humana em um mundo pós-republicano, pós-institucional, pós-estatal e pós-democrático-liberal (que permitiriam, talvez com que fizéssemos uma crítica radical às formas de poder de nosso tempo, sem que isso significasse abraçarmos a tirania), devemos defender, neste momento, a República e a Democracia como garantias para a consolidação de nossa tortuosa cidadania, ainda muito distante de existir em níveis mínimos aceitáveis. Além disso, a crítica precisa ser posicionada em seus próprios termos, para que seja coerente com uma leitura progressista e emancipatória que nos leve a uma compreensão produtiva de eventos como o ocorrido. Compactuar com a violência, real ou simbólica, significa depor em contrário a esses postulados e se colocar ao lado da opressão mais pérfida, capaz de gerar cenários os mais danosos para nosso país – seja do ponto de vista da guerra eleitoral, seja com relação à própria forma de configuração das relações sociais, caso normalizemos os óbices que relatamos como maneiras “naturais” de se demonstrar insatisfação com aquilo a que nos opusermos.

Redação

14 Comentários

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  1. Não pode

    A Dilma foi eleita democraticamente. Se não estou de acordo com a forma com que ela está conduzindo o governo, tenho todo o direito de criticar e questionar as ações desse governo que ela assumiu e votar de acordo. O que não posso fazer nem ninguém é partir para ofensa pessoal: nem contra DIlma nem contra ninguém. É crime. Simples. Parece que as pessoas perderam a noção deste fato. Fica essa aborrecida conversa de censura. Um saco!

  2. Exatamente. Acho que um dos

    Exatamente. Acho que um dos processos fundamentais para a determinação do grau de amadurecimento de uma democracia (mesmo em sentido liberal) é aquele que estipula a avaliação de representantes-candidatos a partir de propostas, ideias, projetos e concepções, e não a partir de seu “caráter”, “simpatia” ou outros aspectos que digam respeito exclusivamente a características pessoais do sujeito (o carisma, nesse sentido, é um impulsionador de afinidade e um fator a ser considerado como variável para a capacidade de liderança, e não a razão de ser da escolha de um político). Quando conseguirmos transcender esse modo de escolha eleitoral no sentido de fazermos juízos de conteúdo, acho que será possível, da mesma forma, sairmos dessa forma asquerosa de crítica e de oposição baseada em ofensas pessoais e de baixo calão, como essas que têm ocorrido com a Presidenta Dilma.

  3. sobre a forma

    Cara, na boa. Escreve mais simples. O conteúdo está excelente, muito boas ideias e perspectiva. Mas a escrita dificulta muito o entendimento. Não só as palavras (ok, acho até legal aprender palavras novas), mas o texto tá cheio de períodos grandes, cheios de ressalvas, etc. Isso é uma leitura de blog, não é tese acadêmica. Se você começar a escrever mais simples vai ver como será mais lido e entendido! abs

    1. Obrigado pela dica e pelo

      Obrigado pela dica e pelo comentário. Esse é um desafio pessoal considerável, a ser superado diariamente. 

    2. Exato

      Eu provavelmente concordo com o autor do texto, mas confesso que tive que parar de ler. Gosto do bom português, do bom uso da língua, mas o texto ficou “tucanado”. Não ajuda nem ao autor nem ao leitor dizer coisas como “noções essencialistas de “verdade” e de superioridade axiológica hipostasiada da realidade material”. 

  4. Já saiu avaliação de tudo nas

    Já saiu avaliação de tudo nas redes sociasi e… se fosse pagar marqueteiro para alavancar a cadidatura de Dilma esse não teria nem 10% do sucesso que ela obteve por ser xingada.

  5. “Isso porque as injúrias não

    “Isso porque as injúrias não seriam um milímetro mais aceitáveis se nosso presidente fosse homem, nem permitiriam uma leitura mais condescendente se tivessem vindo, por exemplo, dos beneficiários do Bolsa Família que estavam no estádio”.

    No entanto, o povo brasileiro, mesmo no ambiente de estádio, não age desrespeitosamente assim com autoridades públicas, ou com qualquer outras pessoas conhecidas, que estejam no estádio assistindo ao jogo. Xinga-se o juiz, o técnico, os bandeirinhas, os jogadores, mas não alguém que está ali assistindo ao jogo. O tipo de ofensa, as palavras utilizadas, o período eleitoral, o setor do publico que vaiou e o alvo desse público “vip” mostram que foi algo que, se não planejado, orquestrado, foi específico, com uma motivação eleitoral clara. Portanto, as críticas que vêm sendo feitas sobre a falta de educação dessa parcela da elite, são corretas. Em outras, palavras, o xingamento tal qual ocorreu, não teria ocorrido se o alvo fosse Alckmin, ou qualquer outro representante de governos elitista. Mas se fosse Lula, xingariam do mesmo jeito. O fato de a ofendida ser mulher e a chefe de estado, torna o fato ainda mais lamentável.

    1. Concordo contigo. Até esqueci

      Concordo contigo. Até esqueci de colocar isso no texto, mas me recordo de ter estado em um evento esportivo (se não me engano era a exibição do Roger Federer no Ginásio do Ibirapuera). No caso, se não me engano estavam na parte da entrega de troféus o secretário de esportes do Estado de São Paulo e o Aldo Rebelo (Ministro dos Esportes). Quando o primeiro apareceu, houve um silêncio, ou até uma certa indiferença. Quando foi a fez do Rebelo, houve uma coleção de urros, vaias e xingamentos que tornariam infantil o que fizeram com a Dilma. 

      Não tenho dúvida, então, de que os xingamentos ocorridos no jogo de abertura tiveram um evidente sentido ideológico (obviamente de direita). Meu ponto é que a crítica à situação ganha força quando deslocamos o olhar dos agentes que as proferiram e da condição daqueles que as sofreram para as suas implicações antirrepublicanas e antidemocráticas. Digo isso porque a mim me parece que a situação se torna realmente indefensável, ao contrário dos esforços que alguns fizeram para ver o caso como uma coisa “positiva” ou “válida”. Essa é a tônica do meu texto: apresentar uma forma de interpretar esse lamentável evento de maneira a evitar com que seja “salvo” pelo pensamento conservador ou despolitizado. E por isso proponho a revisão de alguns argumentos que condenaram esses xingamentos porque, ao serem em parte falaciosos, podem ser desconstruídos por esses articulistas reacionários.

    2. Xingamentos à Presidente

      Concordo. Tenho a sensação de que foi orquestrado pelo PT, com ou sem o aval da Dilma.

      Economizaram (para os próprios bolsos) milhões em marketing eleitoral. Ela agora passa a

      ser a “pobre senhora injuriada publicamente, em nível mundial”. Esses caras entendem do negócio.

  6. Concordo, mas…

    Olha, ru provavelmente concordo com tudo o que foi dito no artigo. Mas por favor, pra que escrever de forma tão empoleirada? Eu imagino que a riqueza do vernaculo é algo a se admirar, mas provavelmente não há comunicação eficaz em texto que diz coisas como “noções essencialistas de “verdade” e de superioridade axiológica hipostasiada da realidade material”. Enfim, o texto tá “tucanado”…

    1. Caro, eu concordo que o texto

      Caro, eu concordo que o texto está hermético, mas “empolado” e “tucano” estão, certamente, em outro departamento, especialmente de um ponto de vista ideológico. Não há um esforço da minha parte, nem de escrever “mais difícil” do que o necessário, nem com pretensão de neutralidade (o que é a minha interpretação para o tucanês; não sei se é a sua). A questão é que o texto busca abordar os temas de uma forma filosófica, o que implica na adoção de categorias de análise que, de fato, não são aquelas que encontramos em todos os textos. Na verdade, o uso desses termos se trata de um esforço de síntese, já que em vez de dizer “noções essencialistas de verdade”, eu teria que redigir umas 3 linhas p/ dizer isso de outra forma e de maneira mais pedagógica. Escrever aqui tem representado um desafio constante no sentido de não se ser nem acadêmico demais, nem “vazio”. O ideal seria conseguir abordar os tópicos com profundidade e simplicidade. Mas isso, na minha opinião, é extremamente difícil. Estou em busca disso, mas não tenho respostas. No fundo, eu acho que o cada tipo de abordagem adotada aqui no Brasilianas tem a sua contribuição a dar. Alguns textos são de denúncia, de alerta, de crítica; outros são comentários, que acendem questões que não haviam sido percebidas; outras são mais analíticas, querendo construir interpretações sobre as coisas – é o que eu costumo, naturalmente, fazer. E, é claro, isso possui implicações, como a menor disseminação desse tipo de postagem. O ideal, eu acho, é o equilíbrio, mas como disse, não é algo trivial de se fazer.

      Dito isso, acho que seria interessante debatermos o conteúdo do texto. Um abraço

      1. Veja que eu não disse que o

        Veja que eu não disse que o texto está “tucano”, mas “tucanado” (deveria ter dito “em tucanês”), no sentido que o José Simão brincava com textos difíceis que na verdade poderiam significar coisas mais simples. 

        Também não foi minha intenção – e me perdôe se pareceu que foi isso que fiz – patrulhar seu texto. É que me parece um fenômeno muito corrente nos países de língua latina a tal diferença entre a linguagem acadêmica e aquela das ruas. Aliás, isso existe em qualquer idioma, mas no Brasil isso atinge níveis absurdos – basta assistir um julgamento do STF para perceber a língua usada como forma de encastelamento. Falo isso como acadêmico e como advogado, ou seja, alguém que sobrevive do uso do idioma. Mas confesso que ser acadêmico fora do Brasil é bem mais fácil – mesmo inglês, que não é minha língua nativa, é mais fácil ler textos acadêmicos do que em português, por conta do uso exacerbado de erudição.

        Mas trata-se de questão de estilo. Como eu disse, acho bom o uso do vernáculo. Se você acredita que precisaria de três linhas para ser mais pedagógico ao dizer “noções existencialistas de verdade”, talvez teria valido a pena ter escrito as tais três linhas, principalmente em uma frase em que, logo adiante, você menciona axiologia e hipostasiada, termos que poderiam ser facilmente substitúidos por linguagem mais corrente. 

        Enfim, infelizmente, no Brasil, somos educados na academia para escrever assim. Fiquei feliz em descobrir que, fora do Brasil, pode-se ter alto nível acadêmico sem necessariamente usar de linguagem tão rebuscada – algo que no Brasil, infelizmente, é mais complicado.

        1. Entendo, Francis, e concordo

          Entendo, Francis, e concordo contigo quanto à tendência (escolástica, talvez) da nossa academia em preparar seus integrantes para a adotarem essa linguagem rebuscada como um sinônimo de excelência (mesmo p/ tratarem de assuntos triviais ou mesmo para quando não conseguem aprofundar suas análises e utilizam o vernáculo como um subterfúgio). Aliás, de fato o STF citado por ti é realmente o auge desse procedimento, por vezes tão desnecessário. No meu caso, estou atrás da construção de uma estratégia discursiva dialética, que talvez complexifique as construções, mas que creio ser capaz de dizer mais e com um sentido mais crítico. Eu me pergunto, contudo, se a mera substituição de uma palavra por outra (como, digamos, “axiológico” por “valorativo”, “hipostasiado” por “descolado da realidade”) seria capaz de resolver o hermetismo. No fundo, o que de vez em quando faço é, sem compromisso com os “cânones” acadêmicos, analisar com a profundidade que acho necessária temas que estão repercutindo no dia a dia. É algo que creio ser inovador, porque pretende ser mais do que uma afirmação de uma posição, mas não sei se “funciona”. Há, então, toda uma discussão sobre qual é o público-alvo de um blog, qual é a linguagem mas adequada para esse tipo de postagem, enfim. Não tenho ainda clareza sobre isso, visto que me aventuro por aqui não faz muito tempo e esse jeito de escrever é o que é mais natural p/ mim. Espero poder achar o equilíbrio, um dia, entre a profundidade analítica que creio ser essencial (e tão carente) em determinados debates e o sucesso na comunicação da mensagem (que, no limiar, talvez não signifique mera simplificação), no contexto do que vir a implicar tentar redigir ensaios em posts de blog – já que esses meus esforços não teriam, certamente, lugar nas revistas acadêmicas, cada vez mais competitivas e avessas ao que chamaria de pensamento livre. 

          Obrigado pelos toques. Um abraço

  7. Estado e sociedade sempre

    Dilma é a representante maior da nação, sim. O problema é que estruturalmente os nossos governos carecem de legitimidade.

    Estado e sociedade sempre estiveram divorciados no Brasil. Sempre os governantes estiveram de costas para o país, guiados por Londres ou Nova Iorque, agora pelos “mercados”. Os interesses em jogo nunca foram da nação ou sociedade, mas dos grandes grupos econômicos, internacionais e também nacionais.

    Esse sistema sempre funcionou na base da troca favores. De um lado, os interesses particulares dos caciques e de seu grupo (lideranças regionais e locais), de outro, os grandes grupos econômicos. A classe média e alta pegou carona no sistema de troca de favores, apoderou-se do Estado, e o que temos hoje é um verdadeiro Estado Social das Classes Médias e Altas. Em reação, o povo se refere aos políticos como algo apartado e não se sente representado por “eles”. Entende que todo político é corrupto. E se não existisse tanta roubalheira, os problemas de saúde, educação, transporte etc. estariam resolvidos. Simples assim.

    Quem governou de frente para o país, como Vargas, João Goulart, e hoje o PT – um partido formado de baixo para cima e com muito mais legitimidade que todos os outros na história recente –  colocando em pauta questões de interesse nacional, o fez/faz sem mexer na engrenagem política já existente. Governou/a em aliança com caciques, muitas vezes corruptos,  nem um pouco preocupados com a nação ou a sociedade. Daí sempre foi fácil para as oposições udenistas – pro-mercadistas, portanto, contrários aos interesses nacionais – fazerem colar a ideia de que ali estavam os mais corruptos governos da historia.

    Na verdade a engrenagem política é hoje o nó de toda a problemática do Brasil. A Constituição de 1988 avançou muitíssimo na área social, mas não na área política.

    Vivemos em um tempo em que a força dos “mercados” vem desestruturando as arquiteturas sociais mundo afora e também no Brasil. Só assim se entende o crescimento da violência junto com a redução da desigualdade e aumento da renda no Brasil. Se antes vivíamos o cotidiano, bem ou mal, na paz, hoje a realidade é outra.

    Enfrentar a crise do sistema político no Brasil exige uma aliança ampla, unida em torno de um novo desenho para as representações políticos. Uma aliança pela democracia. Não só pela democracia, mas também pela decência, pela ética, pela solidariedade, pela compaixão.

    Os xingamentos são sim perigosos. Daí pode brotar o fascismo. Não seria a primeira vez que elites que se sentem ameaçadas lançam mão desse recurso.  

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