Steve Biko e o Movimento de Consciência Negra na África do Sul

Sugestão de Alfeu

do Sul 21

A importância de Steve Biko e do Movimento de Consciência Negra na África do Sul

Milton Ribeiro

 

Biko

Biko, 22h de tortura

Stephen Bantu Biko, ou Steve Biko, nasceu em 18 de dezembro de 1946 e morreu em 12 de setembro de 1977, aos 30 anos, após ser preso e torturado. Ativista anti-apartheid da África do Sul na década de 1960 e 1970, Biko não faz somente parte da memória política da África do Sul, mas também da memória da cultura ocidental. O Movimento da Consciência Negra de Biko agregou para si o slogan Black is Beautiful, que nos Estados Unidos destinava-se a dissipar a noção de que as características físicas dos negros — como cor da pele, detalhes do rosto e cabelos — seriam feias. O movimento também incentivava homens e mulheres a pararem de esconder seus traços afros alisando o cabelo, clareando a pele, etc. Porém, na África do Sul, a luta análoga era outra, muito mais básica, e o Black is Beautiful de Biko significava algo como “você tem que olhar para si mesmo como um ser humano e aceitar a si  mesmo como você é”.

A música brasileira homenageou o movimento norte-americano através da belíssima canção homônima dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, famosa na versão de Elis Regina.

https://www.youtube.com/watch?v=BzrGDTUQ_KE]

O roqueiro inglês Peter Gabriel foi mais direto e escreveu Biko, verdadeiro hino cujas primeiras palavras sãoSeptember ’77 / Port Elizabeth weather fine / It was business as usual / In police room 619.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=iLg-8Jxi5aE

Mas tais referências culturais são apenas ornamentos para a vida de um grande mobilizador da população negra sul-africana. As muitas organizações fundadas por Biko iam no caminho inverso das lições de inferioridade racial ministradas aos negros por ordem do governo da África do Sul. Ele desejava que os negros tivessem consciência de suas capacidades, que pudessem ocupar cargos destinados apenas aos negros, além do fim da educação limitada, pois muitas disciplinas simplesmente não podiam ser ministradas aos negros do país.

Em 18 de agosto de 1977, Biko foi preso em uma barreira policial e interrogado por oficiais da polícia. Esse interrogatório ocorreu na sala de polícia nº 619 do Edifício Sanlam em Port Elizabeth. O interrogatório durou 22 horas e incluiu tortura e espancamentos, resultando em coma. Ele sofreu graves ferimentos na cabeça e, após as torturas, foi acorrentado às grades de uma janela durante um dia inteiro.

Biko

Biko, a grande liderança e mobilizador da população negra.

Dias depois, em 11 de setembro de 1977, a polícia resolveu levá-lo, nu e algemado, para uma prisão com instalações hospitalares, mas ele morreu logo após chegar, em 12 de setembro. A polícia divulgou que sua morte foi resultado de uma prolongada greve de fome, mas a autópsia revelou múltiplas contusões e escoriações. Seu fim deveu-se a uma hemorragia cerebral. O jornalista Donald Woods, editor e amigo de Biko, e Helen Zille, mais tarde líder do partido político da Aliança Democrática, expuseram a verdade sobre sua morte.

A notícia espalhou-se rapidamente. O funeral foi assistido por mais de 10 mil pessoas, incluindo numerosos embaixadores e outros diplomatas da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. O mesmo Donald Woods fotografou seus ferimentos no necrotério. Woods foi mais tarde forçado ao exílio, passando a fazer campanha contra o apartheid na Inglaterra. Também foi autor do livro Biko, mais tarde transformado no filme Cry Freedom, de Richard Attenborough, com Denzel Washington no papel de Biko.

Em 1978, a Justiça sul-africana decidiu que não havia provas suficientes para acusar os oficiais de homicídio. Faltariam testemunhas. E, em outubro de 2003, o Ministério da Justiça Sul-Africano anunciou que os cinco policiais acusados de matar Biko não seriam processados também em razão de insuficiência de provas.

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Biko

Biko, fundador e unificador de diversas organizações

Steve Biko nasceu em Ginsberg, bairro de King Williams Town. O nome do bairro é o do dono da fábrica de velas instalada no local no início do século 20. Ginsberg não gostava que seus empregados fossem muito longe quando não estavam na fábrica. Então, conseguiu que a administração municipal mandasse construir em torno dela as primeiras casas do futuro bairro.

Foi em uma dessas casinhas que Steve Biko cresceu. Foi criado pela mãe Alice, cozinheira no hospital vizinho. Inteligente e com grande capacidade de liderança, Biko estudava medicina quando foi expulso da Universidade da Província de Natal, no ano de 1972, em razão de suas atividades políticas. No ano seguinte, foi “banido” pelo governo do apartheid. A punição era incrível: ele não estava autorizado a falar com mais do que uma pessoa de cada vez. Também não podia escrever publicamente ou falar com a imprensa. Esta também foi proibida de citar qualquer coisa que ele dissesse.

Steve Biko tinha grande preocupação com o desenvolvimento de uma consciência negra. Pensava que tal desenvolvimento teria duas fases: a primeira seria de “libertação psicológica” e a segunda de “libertação física”. A bibliografia aprecia fazer a ligação entre Biko e a não-violência de Gandhi e Martin Luther King, mas ele sempre entendeu que a libertação física só se daria fora das realidades políticas do apartheid. Ou seja, havia antes que derrubá-lo. Outro fato que costuma ficar oculto são suas posições políticas. “Racismo e capitalismo são faces da mesma moeda”, dizia.

Cartaz do BPC

Cartaz do BPC

Em 1972, Biko foi um dos fundadores da Black Peoples Convention (BPC). Trabalhava em projetos de melhorias sociais nos arredores de Durban. Com o tempo, o BPC acabou por reunir cerca de 70 diferentes grupos de consciência negra e associações como o South African Student’s Movement (SASM), que desempenhou um papel significativo na Revolta de Soweto de 1976, a National Association of Youth Organisations e a Black Workers Project que apoiaram os trabalhadores cujos sindicatos não foram reconhecidos sob o regime do apartheid. Biko foi eleito o primeiro presidente do BPC e, como recompensa, recebeu a citada expulsão da escola médica.

Sobrou-lhe trabalhar em tempo integral para o BCP. Mesmo banido pelo apartheid, Biko ajudou a criar Zimele Trust Fund, fundo de assistência financeira a presos políticos e a suas famílias. Steve Biko era considerado perigoso pela habilidade para organizar a população e porque procurava investir nas comunidades e inspirar a juventude negra do país.

As circunstâncias brutais da morte de Biko tornaram-no um mártir e um símbolo da resistência negra ao regime de apartheid. Logo após seu assassinato, o governo sul-sfricano proibiu que uma série de pessoas falassem — incluindo Donald Woods — e fechou várias organizações, especialmente os grupos da Consciência Negra associados a Biko. O Conselho de Segurança das Nações Unidas respondeu com um embargo de armas contra a África do Sul.

Representando este homem também interessado por artes, educação e desenvolvimento econômico, a família Biko recusou a ideia de construir um mausoléu. Um túmulo grandioso talvez o retirasse da companhia de camaradas enterrados, como ele, em modestos pedaços de terra.

Nelson Mandela disse a respeito de Biko: “Eles tiveram que matá-lo para prolongar a vida do apartheid“.

 

http://www.sul21.com.br/jornal/a-importancia-de-steve-biko-e-do-movimento-de-consciencia-negra-na-africa-do-sul/

Redação

3 Comentários

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  1. ´Black´ is not ´negro´.

    ´Preto´ é cor; a raça é ´negra´ diz uma campanha racial de ONGs financiadas pela racialista Ford Foundacion que tem o propósito de fomentar o ódio racial no Brasil, uma missão da inteligência ianque, visando nos retirar uma vantagem competitiva e nos igualar ao que há de pior na sociedade americana: o forte pertencimento racial, e o ódio e conflitos dele decorrentes.

    Sempre é necessário denunciar o pouco inocente uso da linguagem racialista que procura colocar ´raça´ onde se lutou por cidadania e contra os preconceitos de cor. O grande STEVE BIKO, não fez nenhuma luta de ´consciência negra´, o que ele fez foi uma extraordinária mobilização pela luta por dignidade dos africanos, pretos. 

    No Brasil, e somente no Brasil, a academia e os meios de comunicação, a imprensa em especial é que traduziram o “the Black Consciousness (BC)”, que na língua africâner significa “Pretos Conscientes” e que se tratava de um movimento político por cidadania destinado a uma desobediência civil, nos moldes do movimento por Direitos Civis (EUA) visando que os africanos (da cor preta) não baixassem a cabeça e deixassem de lutar pelo fim do regime racista na África do Sul imposto pelos africâneres de cor branca.

    O próprio texto do post esclarece: “Em 1972, Biko foi um dos fundadores da Black Peoples Convention (BCP)”  ou seja, na tradução literal ”Convenção do Povo Preto”. Não há nada se referindo a ´raça negra´. A luta dos africanos, de MANDELA a BIKO, jamais foi uma luta racial. Era uma luta contra o racismo e contra a desigualdade de tratamento e de direitos civis. Era contra o racismo que sonegava a inteira humanidade dos africanos.

    O artigo também informa que o movimento liderado por Biko, agregou o slogan Black is Beautiful, originado nos EUA e destinado a combater a ideia que a cor, os cabelos, os lábios dos pretos seriam, esteticamente, feios.

    O movimento ´Black Consciousness (BC)´ adotou o Black is Beautiful, e incentivava homens e mulheres a pararem de esconder seus traços afros alisando o cabelo, clareando a pele, etc. “Porém, na África do Sul, a luta análoga era outra, muito mais básica, e o Black is Beautiful de Biko significava algo como ´você tem que olhar para si mesmo como um ser humano e aceitar a si mesmo como você é.” ´.

    Portanto a linguagem racial é perigosa pois acolhe a tradução racista do movimento. Não houve movimento de ´Consciência Negra´ na África do Sul. Houve um movimento de consciência da humanidade dos africanos, em oposição ao tratamento desumano imposto pelo racismo.

    “During the American Civil Rights movement of the 1950s and 1960s, some black American leaders in the United States, notably Malcolm X, objected to the word “Negro” because they associated it with the long history of slavery, segregation, and discrimination that treated African Americans as second class citizens, or worse. [4] (Malcolm X preferred “Black” to “Negro”, but also started using the term “Afro-American” after leaving the Nation of Islam.)  Liz Mazucci, “Going Back to Our Own: Interpretação de Malcolm X transição do ‘preto asiático’ para ‘afro-americanos’“, Souls7 (1), 2005, pp 66-83.

    Ou seja, desde o Movimento por Direitos Civis, nos EUA, de 1950 aos anos 1960, os afro-americanos não acatam a designação de pertencimento à raça ´negra´.

    Fez parte do racismo, especialmente das teses da eugenia, confundir a cor das pessoas, no caso dos pretos, com uma ´raça´ a raça negra, aquela que seria a ´raça inferior´. Inclusive para o eugenista, como MONTEIRO LOBATO, a miscigenação seria fator de degradação da ´raça´ superior com o sangue das pessoas de cor.

    Enfim, ´negro´ é uma definição racial nunca aceita pelos afrodescendentes, nem na África nem na diáspora, e a palavra não é sinônimo da cor preta, a nossa cor de pele em razão da melanina.

    A palavra racial ´negro´, segundo o Marquez de Pombal, no art. 10 do ´Directório do Índio´, outorgado em 1757, trata-se de uma designação aviltante, infamante e degradante proibida de ser aplicada aos Índios brasileiros, ficando então reservada para ser aplicada, exclusivamente aos pretos oriundos da Costa D´África e destinados à escravidão, dizia a lei pombalina. ´Negro´ não era inteiramente humano, por isso, destinado à escravidão. Como o Rei D. José, por essa lei, reconhecia a humanidade do índio, e inclusive, oferecia privilégios ao português que contraísse matrimônio com as mulheres índicas, eles não podiam ser designados por ´negros´. 

    Na longa história de resistência à escravidão, foram milhares de organizações, cemitérios e irmandades de Homens PRETOS; Homens PARDOS. A religião eternizou a sacralidade com o PRETO VELHO e a reverência matriarcal sempre foi para a MÃE PRETA. Em nenhum momento da história, de 1554 até o século 20, os afro-brasileiros se organizaram em torno da ´raça NEGRA´. Também STEVE BIKO não o fez na África do Sul.

    Eis, portanto, uma falsificação racista da história pelo uso da linguagem racial. Que se repete neste post ao utilizar na tradução não literal de Black = preto, relativo a cor da pele, como se fosse igual a ´negro´ que é raça – mantendo assim linguagem racial.

    A luta contra o racismo exige o apagamento da idéia de pertencimentos raciais que nós não cultivamos ao contrário dos norte-americanos. SERGIO BUARQUE DE HOLANDA nos ensinou em ´Raízes do Brasil´ em 1936, que o pertencimento racial é uma prisão perpétua. Quem a detém jamais se libertará. Nós somos livres, dizia SERGIO, somos um ´ser nacional´, mutantes. Livres. ORACY NOGUEIRA (USP, 1953) confirmava que no Brasil a discriminação era pela ´cor´(marca) e nos EUA era pela orígem (racial). Todos os censos do IBGE ratificam: mais de 90% os pretos e pardos brasileiros de auto classificam por dezenas, centenas de cores. Menos de 10% pela ´raça negra´.

    O mais perverso é que os condenados à crença no pertencimento racial mais afetados são os mais pobres, onde as manifestações racistas frutificam mais: ao pobre que nada tem, passa a dispor de um patrimônio que acredita ser valioso: passa a ter o pertencimento a um grande grupo que imagina ser seu grupo solidário. E os demais são seus adversários. Uma mesquinhez de quem insiste na imposição dessa maldita crença racial.

    Alterar essa identidade nacional é manipulação antropológica: é alterar a voz do povo para a imposição do inexistente pertencimento racial em pretos, pardos e brancos, um dos objetivos norte-americanos de nos retirar aquela vantagem competitiva da ausência de ódios raciais. Embora persista entre nós a prática do racismo, que, conforme diz a gaúcha portoalegrense: sonegar a humanidade de uma pessoa da cor preta ao chama-lo de  ´ma-ca-co´ não tem a intenção racista!

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