A Perversidade do Racismo: O Ataque a Taís Araújo

As redes sociais tornaram-se o palco de manifestações de racismo e de outras atitudes que tem a sua origem no mal, como por exemplo, o preconceito, a xenofobia, o ódio e a intolerância. Para a moral, o “mal” é o contrário do “bem”, o que parece óbvio. Mas o que é o “mal”? O mal é, num sentido geral, tudo que é negativo, nocivo e prejudicial a alguém. Já o bem é tudo o que possui um valor moral positivo, constituindo o objeto ou o fim da ação humana. Porém, os males mais numerosos são os que o homem cria pelos seus vícios, os que provêm do seu orgulho, do seu egoísmo, da sua ambição, da sua estupidez, de seus excessos em tudo.

Manifestar o racismo e esses outros sentimentos inferiores tornou-se muito mais fácil através da internet. As redes permitem que as pessoas escondam-se atrás de suas máscaras e externem seus sentimentos mais mesquinhos. É a covardia personificada, cujo objetivo é sempre a de humilhar o outro. Quando humilha, o covarde se “fortalece” – é o alimento para a sua potência de agir, de forma imbecilizada.

O racismo nas redes sociais não poupa ninguém, nem mesmo pessoas famosas e bem-sucedidas, como por exemplo, a atriz Taís Araújo e a jornalista Maria Julia Coutinho, a Majú. Ambas foram vítimas, recentemente, de comentários racistas. Em um artigo em homenagem a Taís Araújo, o escritor e teólogo Leonardo Boff disse: “Penso que ela foi discriminada não só por sua negritude, mas por ser uma excelente artista e de singular beleza. Há nisso tudo também inveja e sentimentos menores em muitas pessoas”. 1

Atualmente, há muitas vítimas desse mal sem precedentes, que aumentou significativamente com o advento da comunicação virtual. “É hora de escutar o lamento destes nossos irmãos e irmãs afrodescendentes, somar forças com eles e construir juntos uma sociedade inclusiva, pluralista, mestiça, fraterna, cordial, onde nunca mais haverá, como ainda continua havendo no campo, pessoas que se atrevem a escravizar outras pessoas”, disse Boff, no mesmo artigo.

O paradoxo é que quando a vítima é famosa, considerada “bela” ou com condições materiais privilegiadas, recebe várias manifestações de apoio e solidariedade. Neste caso, as pessoas expõem suas emoções, revelam-se solidárias, bondosas e sensíveis. Já para a vítima anônima, só lhe resta a angústia solitária, o mal-estar provocado por um sentimento de opressão, de inquietude relativa e um futuro incerto, a insegurança de uma realidade cruel e ambígua que abala sua autoestima e gera traumas para o resto da vida. A passagem das meras emoções indignadas para a estruturação de uma sensibilidade elaborada, que possa sustentar a ação boa e justa é o que está em jogo para que exista uma conduta realmente ética.

O racismo é uma doutrina ou crença preconceituosa que admite e afirma a desigualdade das “raças” humanas. Na prática, o racista não somente defende a existência de raças superiores “puras”, mas também se manifesta com atitudes ou comportamentos estereotipados de xenofobia individual e coletiva. Ao pregar a inferioridade racial, ele pratica uma perversidade moral, uma atitude desumana.

No Brasil, o racismo além de histórico é ainda muito atual, e isso é muito cruel. Os antecedentes históricos são as sementes culturais de uma percepção de teor racista a qual prevalece até hoje, porém, com as características peculiares de nosso tempo.

A partir das últimas duas últimas décadas, a situação da população negra no Brasil começou a sofrer mudanças em termos de sua condição social. Novas políticas públicas passaram a fazer parte da agenda do Estado, como por exemplo, a cota para negros em universidades e, em decorrência disso, agora há um maior acesso de negros em instituições superiores de ensino, além de reconhecimento oficial da contribuição africana à cultura brasileira, visto na inclusão da cultura afro-brasileira e africana no currículo escolar, e no combate ao racismo vivenciado cotidianamente pelos afro-brasileiros por meio de legislação específica de repressão à manifestação racista. No entanto, tais ações e políticas públicas têm explicitamente potencializado a ira dos racistas. Pois são vistas, por seus opositores, como imposições por parte do Estado, visando cumprir uma agenda política específica, e não como manifestação de um anseio da população em geral.

O racismo no Brasil é mais cruel, porque muitas vezes é disfarçado e mascarado. Ninguém admite ser racista, não explícita e publicamente. Além disso, é muito comum o pensamento e o discurso de que as oportunidades são iguais, ou seja, que todos tenham as mesmas chances de ascensão social ou de melhores condições de vida. No entanto, o caminho de um excluído é muito mais árduo e a possibilidade dele se perder pelo caminho são muito maiores. O problema não é apenas a falta de condições materiais, ou seja, a pobreza e a precariedade, mas também as condições psicológicas. A exclusão limita a liberdade de pensamento, tendendo para certa passividade, uma alienação, onde a pessoa não vislumbra novas possibilidades de vida, vivendo assim um ciclo vicioso de limitação.

De acordo com os resultados do Censo de 2010, divulgados pelo IBGE, os brancos representam menos da metade da população no Brasil. O número de pessoas que se declaram pretas, pardas, amarelas ou indígenas superou o de brancos. No entanto, os negros e afrodescendentes são a maioria expressiva quanto às condições socioeconômicas desfavoráveis, ou seja, continuam sendo os mais excluídos e marginalizados. 2

Atualmente, as manifestações nas ruas, potencializadas pela crise política, tendem a uma ideologia de direita, e trazem em seu cerne uma predisposição fascista, que de fato propaga o ódio e a intolerância. Neste cenário, os racistas ganham força. Existe o ódio ao pobre, porque ele recebe bolsa-família ou é beneficiado por outros programas sociais, o ódio ao negro, pelas cotas nas universidades, aos nordestinos, em razão de sua votação expressiva na presidente Dilma e também o ódio e o desejo de extermínio de quem pensa diferente…

Diante dessa triste realidade em voga, as pessoas do bem devem responder com o amor, como fez Taís Araújo. Somente assim poderemos encontrar um consenso. É justamente pela prática dos atos justos que se gera o homem justo, ou seja, o resultado da ação torna o homem justo ou injusto. Não basta saber o que é virtude, é precisa praticá-la. Na realidade, é na falta da prática das virtudes que o homem se perde. E as reflexões éticas não são difíceis – o difícil é pô-las em prática. Para isso, necessitamos do exercício cotidiano das virtudes. É através da ação que alguém pode tornar-se bom.

 

Luiz Claudio Tonchis é Educador e Gestor Escolar, trabalha na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, é bacharel e licenciado em Filosofia, com pós-graduação em Ética pela UNESP e em Gestão Escolar pela UNIARARAS. Atualmente é acadêmico em Pós-Graduação (MBA) pela Universidade Federal Fluminense. Escreve regularmente para blogs, jornais e revistas, contribuindo com artigos em que discute questões ligadas à Política, Educação e Filosofia. Contato: [email protected]

 

Referências:

1.      Boff, Genézio Darci (Frei Leonardo Boff), “Canto Triste de Lamentação: Homenagem a Taís Araújo”.

https://leonardoboff.wordpress.com/2015/11/02/canto-triste-de-lamentacao-homenagem-a-tais-araujo/

2.      IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, “Características Étnico-Raciais da População : Um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça”, 2008, Coordenação de População e Indicadores Sociais.

http://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv49891.pdf

Redação

15 Comentários

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  1. Perversidade
    Palavra mais do que apropriada. Há outras, muitas outras.

    Homem justo? Cláudio, muito “Senhor, Senhor” e pouca prática. Sabe aquela coisa da distância entre a “intenção” e o gesto?

    Excelente teu post. Mas infelizmente, nem se você publicasse um por dia… As pessoas só dão o que tem. Só o homem justo pode agir com justiça. Onde estão os justos? Daqui não avisto nenhum que se posicione – mensagem de solidariedade só não conta – peremptória e abertamente contra o assédio moral e a falta de civilidade que grassam.

    Obrigada.

    1. Exatamente Ana, somente as

      Exatamente Ana, somente as mensagens de solidariedade não basta é necessário a prática. A prática das virtudes mais parece uma utopia no modelo de mundo em voga. Por isso, eu disse no post que a virtude vem pela prática, ou seja, o homem só se torna justa sendo, só se é virtuoso sendo. Precisamos sair da mera indignação moral baseadas em emoções passageiras que tantos acham magifico expor. Só é virtuoso aquele que enfrenta o limite da própria ação. Um grande abraço, bem vinda.

      1. Complementando

        Luiz Claudio, tem sido recorrentes os casos de intolerância, seja racial, social, sexual ou religiosa. E um aspecto, também recorrente nos episódios, me incomoda um pouco. 

        Sempre que episódios desta natureza ocorrem, na solidariedade às vítimas, são comuns comentários de teor simiilar a estes: “Tão linda… Não merecia.”, “Ah, mas além de tudo, linda …”, “Como ele(a) pode fazer isso, tão bonita(o)”, etc.

        Este tipo de comentário me incomoda um pouco; não pela questão estética em si: elogio homens e mulheres por sua beleza, sem nenhum problema. O que me incomoda é atrelar este aspecto à injustiça intrinseca a estas situações, como se a beleza fosse um “antídoto” contra a agressão ou a vilania.  Sabemos que não é assim.  

        Mas aqui o que me incomoda mais não é a situação da vítima ou do agente que sejam detentores de aspectos estéticos que neste momento histórico classificamos como positivos (sabemos também que os critérios variam ao longo do tempo).  Me incomoda a mensagem subliminar que está embutida aí:  se você for bonitinho, limpinho, gente boa você não merece que nada de mal te aconteça.

        Se a atingida em sua honra fosse negra, morasse numa favela, e não fosse uma personalidade – não fosse bonita, nem fofa, nem fizesse campanha no Criança Esperança – como seria o discurso de solidariedade?  E que mensagem fica para quem não é bonita, fofa e detentora de recursos? Tudo pode acontecer comigo que ninguém se importará ?

        Registre-se que estou absolutamente solidária a Tais, a despeito dela ser uma mulher realmente linda.

        Não sei se me fiz entender. É um pouco difícil de elaborar …

        Se você puder me colocar sua opinião – do ponto de vista ético e filosófico – te agradeço.

        1. Boa reflexão Anna. Muito

          Boa reflexão Anna. Muito obrigado.

          Quando a pessoa é famosa, não precisa ser linda, como por exemplo a atriz Taís Araújo, para receber várias manifestações de solidariedade pela manifestação racista – basta ser famosa. Para as pobres vítimas anônimas e sem recursos materiais só resta o sofrimento no silêncio, que reforça a sua baixa autoestima.

          O paradoxo é que quando a vítima é famosa, esteticamente considerada “bela” ou com condições materiais privilegiadas recebem várias manifestações de apoio e solidariedade. Neste caso, as pessoas expões suas emoções, revelam-se solidárias, bondosas e sensíveis. Já o anônimo vitimado só resta a angústia solitária, o mal-estar provocado por um sentimento de opressão, de inquietude relativa e um futuro incerto, a incerteza de uma realidade cruel ambígua que provoca a baixa estima e traumas para o resto da vida. A passagem das emoções indignadas para a elaboração de uma sensibilidade elaborada que possa sustentar a ação boa e justa – o foco de qualquer ética desde sempre – é o que está em jogo.

          1. A Ética
            Obrigada Luiz Cláudio.
            Creio que estamos alinhados, o que, nos dias que transcorrem, não é pouco.
            Ação boa e justa como foco de qualquer Ética.
            Perfeito.

          2. Inclusão

            Ana suas reflexões foram instigante, por isso, inclui esse parágrafo no texto. Grato. Você é sempre bem vinda.

            O paradoxo é que quando a vítima é famosa, considerada “bela” ou com condições materiais privilegiadas, recebe várias manifestações de apoio e solidariedade. Neste caso, as pessoas expõem suas emoções, revelam-se solidárias, bondosas e sensíveis. Já para a vítima anônima, só lhe resta a angústia solitária, o mal-estar provocado por um sentimento de opressão, de inquietude relativa e um futuro incerto, a insegurança de uma realidade cruel e ambígua que abala sua autoestima e gera traumas para o resto da vida. A passagem das meras emoções indignadas para a estruturação de uma sensibilidade elaborada, que possa sustentar a ação boa e justa é o que está em jogo para que exista uma conduta realmente ética.

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  2. No Brasil ainda não aceita

    No Brasil ainda não aceita negros como diz aceitá-lo. Ainda permeia a ideia de um negro naturalmente é propenso à bandidagem e ao verem um negro bem sucedido dizem que, provavelmente, adquiriu sua riqueza por meio ilícitos ou é pagodeiro ou jogador de futebrol. Essa máscara precisa cair.

     

  3. Alguém já ouviu falar que um

    Alguém já ouviu falar que um branco racista foi preso depois de atitudes criminosas como a referida sobre Taís Araujo? Ninguém neste Brasil tem visto isso, e não é por falta de motivos. Se existe uma lei contra essa bandalheira, que ora discrimina nordestino, ora gay, ora negros, índios, etc., não podemos nos conformar com os que precisam agir com autoridade, e de acordo com a lei, que não exclui prisão. 

    A inveja é uma mal muito destruidor, e antigo. Acho que Adão já foi feito com esse ingrediente. Existe em todas as pessoas, em maior ou menor grau, só que a inveja e inveja. Se se derivar de uma intolerância toma muito mais vulto, e é mais venenosa ainda. 

    Que Taís não deixe passar a onda, e vá fundo. Ela e tantas outras estrelas, e tantos outros astros, já que tem mais visibilidade, sejam os movedores de uma mudança. Ele podem. Eles tem capacidade muito a favor para não deixarem esse episódio passar em branco. 

    Os anônimos, os invisíveis, que também sofrem, vão agradecer. 

    1. A dor

      É lamentavel o fato de precisarmos de famosos para gritar o que já se abate sobre os menos favorecidos. Sem diminiur a dor de Taís.

       

  4. Mandela

    “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”. Nelson Mandela

  5. “Se soubesse que o mundo se

    “Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos. Temos aprendido a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos.” Martin Luther King

  6. Só para instigar…

    Não é paradoxal que se condene o tal “racismo oculto” (o que se infere exista, ainda que não possamos vê-lo), ao mesmo tempo em que trabalhamos pra criar leis e formas de “educar” (ou forçar) o racista explícito a escondê-lo?

    Me desculpem, mas a aparência geral de toda essa mixórdia de discursos racialistas, é de que geralmente tem por trás alguém fazendo negócio com o sofrimento alheio.

    O que de fato “cura” o racismo, não é o discurso nem o racismo com sinal trocado, mas o DESPREZO.

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