ABED lança a Carta de Brasília, por Maria Luiza Falcão Silva

O documento analisa o 1º ano de governo e pede persistência na luta em defesa de uma democracia, inclusiva, igualitária e solidária

ABED lança a Carta de Brasília

por Maria Luiza Falcão Silva

A Associação Brasileira dos Economistas pela Democracia (ABED), reunida em Assembleia Geral em Brasília, no dia 9 de dezembro, lançou  o documento, intitulado  “A Herança Perversa e os Grandes Desafios da Sociedade Brasileira”. O documento apresenta uma análise do primeiro ano de governo e conclama seus afiliados a persistirem na luta em defesa de uma sociedade democrática, inclusiva, mais igualitária e solidária. A ABED recomenda seus associados a interagirem com outros segmentos da sociedade na luta pela remoção dos obstáculos que inviabilizam o avanço de bem-estar da população brasileira.

Segue abaixo o documento.

“Em 1º de janeiro de 2023, tomou posse na Presidência da República, o novo chefe de Estado e de governo. Vindos de um período de desestabilização política iniciado para a deposição da presidente Dilma e após um mandato governamental retrógrado e reacionário, marcado por políticas econômicas e sociais conservadoras de extrema-direita, por ameaças às instituições de Estado e pelo isolamento do País no cenário político internacional, período em que as atitudes do então presidente fizeram com que o Brasil passasse de ator importante no cenário geopolítico mundial a pária internacional.

O novo governo, apoiado por uma coalizão de partidos de vários matizes, assumiu com objetivos de assegurar a democracia e a normalidade constitucional da Nação, de enfrentar os graves problemas com a economia, a degradação ambiental, o desmonte das políticas públicas e com a ampliação das desigualdades, submetido a um cenário político complexo, dada a composição adversa das casas do Poder Legislativo.

Esse processo não encontrou um ambiente internacional tranquilo. A crise econômica e financeira que se arrasta desde o fim da primeira década deste século e a disputa hegemônica entre EUA e China, somaram-se ao rescaldo da pandemia de Covid-19, à guerra na Ucrânia e, mais recentemente, aos conflitos agudos entre palestinos e israelenses.

Ressalta-se ainda, compondo o sombrio quadro mundial, a recente inflação de preços de alimentos, que amplia a fome em vários países, e a crise ambiental que se agrava com rapidez, evidenciando a ineficácia de acordos firmados nessa ordem internacional, que não são efetivamente cumpridos.

A crise internacional, como consequência, se intensifica.

Internamente, o ambiente político já degradado foi agravado, oito dias após a posse do Presidente, pela invasão, por seguidores do candidato derrotado nas eleições, das sedes dos Três Poderes da República, numa frustrada tentativa de golpe de Estado. A atuação das instituições republicanas e o repúdio da comunidade internacional foram fundamentais para o fracasso de tal tentativa. Os autores desses eventos foram investigados pela Polícia Federal e pelo Legislativo por uma comissão parlamentar mista de inquérito, e vêm respondendo por seus atos junto ao Poder Judiciário.

O novo governo brasileiro, com todas as suas limitações, tem envidado esforços no sentido de incluir essas importantes questões que afetam a humanidade – guerras, clima e meio ambiente, fome, desigualdades, financiamento do desenvolvimento – na sua pauta de atuação.

Imediatamente, o Brasil não só reconquistou seu espaço nos diversos foros internacionais, rompendo o isolamento do período anterior, como adotou as primeiras ações de política econômica, ambiental, de apoio às minorias e à população com renda abaixo do nível de pobreza. O novo governo recuperou a política de aumentos reais do salário-mínimo, mesmo que ainda de forma tímida, e reforçou o programa de complementação de renda aos mais pobres.

Reiniciou, também, políticas de combate aos efeitos das mudanças do clima e de proteção ao meio ambiente. Restituiu políticas de garantia de cotas sociais e de reservas sociais para as populações originárias, quilombolas e extrativistas, embora permaneça, nas áreas em disputa, a pressão dos interesses do agronegócio predador, dos garimpeiros, dos contrabandistas de madeiras e outras.

Essas ações já contribuíram para a mudança das expectativas de um maior crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de diminuição das taxas do desemprego e inflação e de redução do drama da questão social e ambiental em áreas conflagradas internamente. Deve-se salientar que, no segundo trimestre de 2023, o PIB brasileiro cresceu 3,4% em relação ao mesmo período de 2022. A taxa de desemprego, neste mesmo trimestre, foi de 7,9%, a menor para o período desde 2014, e a taxa de inflação apresentou tendência marcada de queda.

Mesmo antes da posse da nova administração, a equipe de transição negociou com o Congresso a revogação da Lei do Teto de Gastos para atender, emergencialmente, às políticas sociais e garantir um mínimo de recursos para investimentos e a criação de uma nova regra fiscal. Permaneceram algumas restrições na política econômica que inibem um maior crescimento com desenvolvimento social. Não foi eliminado o caráter neoliberal da política fiscal que limita fortemente os gastos públicos e desconsidera seu efeito multiplicador na economia e na própria receita tributária. Continuou, ainda, a política de desoneração fiscal, de duvidoso impacto no emprego, na economia e na redução dos preços dos produtos.

A substituição do chamado “Teto de Gastos” pelo Novo Arcabouço Fiscal mantém, contudo, as graves limitações que podem travar as perspectivas de se lançar mão do gasto público para impulsionar, de forma sustentável, uma economia que precisa retomar os investimentos para ganhar dinamismo.

Essa preocupação se torna maior a partir do momento em que o Ministério da Fazenda estuda proposta de mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal, que retira do conceito de receita líquida corrente as receitas de exploração de recursos naturais (R$ 132,48 bi), dividendos e participações (R$ 87,00 bi), concessões e permissões (R$ 46,85 bi) e programas especiais de recuperação fiscal (sem definição de valores).

O impacto desse projeto, se aprovado pelo Congresso Nacional, se dará sobre os gastos constitucionais obrigatórios em saúde e educação, que são calculados em percentuais fixos da receita líquida corrente da União, Estados e Municípios. Tal mudança atingiria direitos fundamentais, principalmente da população mais carente da Nação que compõe a maioria dependente desses serviços públicos, em benefício da garantia de juros para rentistas da dívida pública.

Chama a atenção, no Projeto de Lei de Reforma Administrativa, em tramitação no Congresso Nacional, o seu caráter de desconstrução da ação estatal, ao propor um Estado mínimo que dê prioridade às “atividades típicas de Estado”. Estas, na literatura conservadora, estão limitadas ao poder de tributar, emitir moeda, de assegurar a vigência dos contratos, de promover o uso da força e de manter relações com outras nações.

A Constituição Brasileira em seu Art. 3º define como objetivos fundamentais da República, dentre outros, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (Inciso III). No capítulo dos direitos sociais definidos no Art. 6º estão “(…) a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência dos desemparados (…)”. A saúde (Art.196) e a educação (Art.205), definidos como direitos de todos e deveres do Estado que, assim como outros direitos sociais, não podem ser reduzidos a ações de menor relevância quando se pretende construir uma Nação inclusiva, socialmente menos desigual e democrática.

A ABED defende, ademais, que sejam garantidos os recursos necessários ao financiamento dos projetos para os próximos quatro anos, como o Novo Programa de Aceleração do Crescimento – Novo PAC. A ação do poder público é essencial para que seja revertida a queda da taxa de formação bruta de capital fixo (investimento). A permanência das limitações na condução da política fiscal e da política monetária implica um Estado nacional que abdica do poder soberano de liderar o crescimento e o emprego. A aprovação da autonomia do Banco Central e a regra de mandato de seus diretores reduziu, significativamente, a força do Governo para pôr em execução o programa que o elegeu.

Em função da autonomia do Banco Central a política monetária somente poderá passar a ter sintonia com políticas econômicas de crescimento que possam ser levadas adiante pelo governo atual a partir da segunda metade de seu mandato (isso se conseguir aprovar os nomes que indicar para o Banco Central, em um Congresso de maioria conservadora, embora não necessariamente hostil ao Executivo). Essa condição limita a capacidade de uma equipe econômica utilizar todos os instrumentos de política econômica, além dos juros altos limitarem o investimento privado e o consumo das famílias.

A ABED, que tem como princípio defender uma sociedade democrática, inclusiva, mais igualitária e solidária, conclama seus associados a interagirem com outros segmentos da sociedade, na disputa para remoção desses obstáculos que inviabilizam o avanço de bem-estar da população brasileira. As políticas neoliberais, reconhecidamente promotoras de iniquidades, resistem dominando a política econômica do Governo. Essa é a luta política do momento, e seguirá sendo no próximo período.”

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Redação

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